Moraes deverá usar poderes do STF contra fake news nas eleições
A afirmação do ministro Alexandre de Moraes de que responsáveis por propagar fake news nas eleições de 2022 serão presos foi interpretada no Judiciário e no mundo político como um indicativo de que ele usará poderes que tem no STF (Supremo Tribunal Federal) para presidir o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no próximo pleito.
A declaração reforçou as informações dos bastidores de que o magistrado não pretende encerrar antes do ano que vem os inquéritos dos quais é relator e que miram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus aliados.
Isso porque a decretação de prisão na Justiça Eleitoral é mais restrita e, apesar de a afirmação ter sido feita em um julgamento no TSE, ela ganhou força pelo fato dele estar à frente das principais investigações sobre fake news em curso no Supremo.
Leia também
• Ministra do STF determina suspensão de gastos de orçamento paralelo
• STF valida lei que obriga telefônicas a repassar dados de quem aplicar trotes para emergências
Além disso, no STF o magistrado tem usado a parceria com a Polícia Federal para investigar militantes bolsonaristas e, no TSE, ele terá mais dificuldade para atuar sem ajuda da PGR (Procuradoria-Geral da República), que costuma se opor às medidas contra pessoas próximas do presidente.
No mesmo dia em que anunciou que propagadores de fake news serão presos, Moraes disse que a Justiça Eleitoral fez sua "lição de casa" e que não será pega de surpresa em 2022.
"Nós já sabemos como são os mecanismos, quais são as provas que devem ser obtidas e como. E não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições", disse. A declaração reforçou a tese de que ele poderá usar os poderes que tem no STF para coibir fake news no âmbito eleitoral em 2022 porque ele anunciou que a prisão ocorrerá "por atentar contra as eleições e a democracia", argumento que adotou diversas vezes ao ordenar a detenção de bolsonaristas.
Além disso, é raro o TSE decretar prisões, pois as detenções do âmbito eleitoral ocorrem geralmente em flagrante ou são decididas em primeira instância em investigações por financiamento ilegal de campanha, esquema de compra de votos, boca de urna ou ilícitos com caráter eleitoral.
Os inquéritos que dão este poder ao magistrado no Supremo foram abertos para, em média, ter duração de 90 a 120 dias. Todos, porém, já foram prorrogados diversas vezes por Moraes, o que deve se repetir até as eleições.
O magistrado já até driblou a PGR para assegurar a continuidade de investigações contra aliados do chefe do Executivo. Isso ocorreu em junho, quando a Procuradoria solicitou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos.
O ministro até atendeu ao pedido, mas determinou instauração de outra investigação muito similar para apurar os casos em que a PGR afirmara que deveriam ter continuidade em primeira instância por não envolver autoridades com foro especial.
Nesta decisão, só o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que tem prerrogativa de ser julgado pelo STF, por exemplo, foi mencionado 12 vezes por Moraes.
No TSE, de onde anunciou a prisão por fake news em 2022, Moraes também ajudou a apertar o cerco contra o bolsonarismo para coibir a disseminação de notícias falsas na próxima eleição.
O ministro foi um dos responsáveis pela mudança de estratégia da corte em relação ao tema.
Nas eleições anteriores, o tribunal editou resoluções e recomendações sobre a propagação de informações fraudulentas, mas as medidas não foram suficientes, e a Justiça fracassou no combate às notícias falsas.
Agora, o TSE optou por consolidar uma jurisprudência que represente de fato uma ameaça aos políticos que propagarem informações fraudulentas.
Um dos precedentes firmados nesse sentido foi a cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) por ter afirmado, em 2018, que tinha provas de que as urnas eletrônicas haviam sido adulteradas para prejudicar o então candidato Jair Bolsonaro.
O outro foi no julgamento em que o tribunal rejeitou as ações que pediam a cassação do chefe do Executivo por ter participado de um esquema de disparo em massa de fake news via WhatsApp em 2018.
Embora tenha mantido Bolsonaro no cargo, o TSE fixou uma tese de que o envolvimento nesse tipo de esquema é passível de cassação.
Foi na análise desse caso que Moraes fez duras críticas a Bolsonaro e anunciou que mandará prender propagadores de fake news em 2022.
"Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil."
Por afirmações como esta que Moraes se tornou o principal opositor de Bolsonaro dentro do Judiciário. O magistrado já determinou grandes operações da Polícia Federal contra próceres do bolsonarismo e foi alvo de inúmeros ataques do presidente.
O enfrentamento teve início no inquérito das fake news, aberto de ofício pelo STF, sem provocação da PGR, o que é incomum.
Também de maneira inusual, o então presidente da corte, Dias Toffoli, delegou a relatoria do caso a Moraes, sem a realização de sorteio entre todos os integrantes do tribunal, como acontece geralmente.
A escolha ocorreu justamente pelo perfil do magistrado, que já foi promotor de Justiça e secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Além de ter mirado inúmeros bolsonaristas no âmbito desta apuração, Moraes também incluiu Bolsonaro como investigado por ter mentido sobre o sistema eletrônico de votação.
Depois deste caso, chegou à corte o inquérito dos atos antidemocráticos, que foram para seu gabinete por terem conexão com a apuração sobre fake news.
Diferentemente dessas duas situações, porém, Moraes tornou-se relator de um terceiro inquérito que envolve Bolsonaro pelo acaso.
Por sorteio, após a aposentadoria de Celso de Mello, ele virou o responsável pela investigação que apura as acusações feitas por Sergio Moro contra Bolsonaro quando pediu demissão do Ministério da Justiça.
Afora a questão das notícias fraudulentas durante as eleições em si, a manutenção dos inquéritos também é considerada importante nos bastidores do TSE e do STF para um cenário em que Bolsonaro e seus aliados não reconheçam eventual vitória de um adversário no próximo pleito.
Em uma decisão recente, Moraes indicou que está atento a uma possível repetição do que houve nos Estados Unidos após a derrota eleitoral de Donald Trump.
O chefe do Executivo fez menção à invasão ao Congresso americano por aliados de Trump no dia em que o órgão iria ratificar a vitória de Joe Biden.
Ao mandar prender o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, Moraes citou um trecho de representação da Polícia Federal que aponta vínculo entre o influenciador bolsonarista e um invasor do Capitólio.