Julgamento

Moraes vota pela condenação de Daniel Silveira: "liberdade de expressão não é escudo protetivo"

Silveira, que ficou preso por quase um ano, é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes do Supremo

Ministro do STF Alexandre de MoraesMinistro do STF Alexandre de Moraes - Foto: Wikipedia

Com recados sobre os limites do exercício da liberdade de expressão, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (20) pela condenação do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Segundo o ministro relator, as declarações do deputado contra os integrantes da Corte e as instituições democráticas não estão protegidas por um "escudo protetivo".  Moraes citou diversas passagens das declarações de Silveira contra o STF e seus membros e disse que os ataques não são "palavras jocosas, em tom de brincadeira", mas "graves ameaças", instigando o povo contra as instituições.

Entre as declarações citadas pelo ministro está, por exemplo, a passagem em que o deputado diz que "o STF não vai existir, porque nós não permitiremos", ou que o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luís Roberto Barroso fraudou as eleições de 2020.

 O que nós estamos vendo são mentiras descaradas, atividades criminosas, tentando levar o povo uma mensagem errônea, falsa, criminosa de que há fraudes nas urnas eletrônicas. O TSE no ano passado cassou um deputado estadual por isso, porque é uma atividade criminosa", disse Moraes. 

Segundo o ministro, "as graves ameaças" feitas pelo réu consistiram em severas intimidações aos membros dessa Corte.

"Sem Poder Judiciário independente, autônomo, não existe estado de direito e sem estado de direito, não existe democracia", alertou, ao classificar a conduta do deputado como "gravíssima".

Já no início de seu voto, que contém mais de cem páginas, Moraes rechaçou a tese de que as declarações de Silveira estariam protegidas pela liberdade de expressão e fez uma defesa enfática da manifestação de opiniões que não abriguem "discurso de ódio" e "prática de delitos".

"A Constituição não garante a liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas, para discurso de ódio, discurso contra as instituições", afirmou o relator.

E continuou:

"A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões contrarias, opiniões jocosas, sátiras, opiniões inclusive errôneas, mas não para imputações de ódio, atentados contra a Democracia", apontou.

Silveira, que ficou preso por quase um ano, é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de agressões verbais e graves ameaças contra os integrantes do Supremo em três ocasiões; incitar o emprego de violência e grave ameaça para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário por duas vezes; e estimular a animosidade entre as Forças Armadas e o STF, ao menos uma vez. Ele virou réu em abril de 2021.

O julgamento começou com a leitura do relatório da ação penal por parte do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do caso. Em seguida, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, fez a sustentação oral por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação penal.

"A conduta praticada pelo réu destoa do limite que o próprio Bobbio (o filósofo político Norberto Bobbio), em um de seus mais relevantes escritos, chama de ideal de não violência, de solução de conflito sem derramamento de sangue", disse Lindôra.

Ainda segundo a vice-procuradora-geral da República, em recado claro contra a postura de Silveira, o "discurso que instiga violência constitui ele mesmo violência moral, atingindo de modo específico membros de instituições fundamentais ao funcionamento do Estado".

"As declarações do denunciado tinham objetivo de constranger os ministros a que não praticassem atos legítimos", afirmou.

Em sua primeira sessão no plenário do STF, Lindôra afirmou que as imputações contra Silveira têm por base falas e manifestações que "ferem o domínio sensível de grave ameaça à legítima atividade constitucional de instituições democráticas pela violência moral direcionada a membro de órgão da cúpula a um dos poderes de República".

Assim, ao final da manifestação, a PGR pediu a condenação do deputado federal com base em crimes previstos nos artigos 344 e 359 do Código Penal. O artigo 344 dispõe que "quando o réu, com o fim de favorecer interesse alheio, profere ameaças em desfavor de pessoas que foram chamadas a intervir em processos policial e judicial movido em desfavor de terceira pessoa". Já o 359 diz que é crime " tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais".

"A Constituição deslegitima as condutas e discursos que, apostando na violência e na grave ameaça, substituem método democrático", disse Lindôra.

Falando pela defesa de Silveira, o advogado Paulo Faria afirmou que o deputado federal é inocente e que está sendo julgado por um tribunal que é "vítima e juiz". O defensor aponta que as declarações de Silveira contra o STF estão protegidas pela imunidade parlamentar, e se tratam de mera ironia.

"Este é um julgamento político porque o acusador, o juiz e vítima estão na mesma pessoa e isso viola o sistema penal acusatório", disse Faria, que teve uma hora para fazer a defesa do parlamentar.

Em 2021, Silveira foi preso e virou réu por incitar crimes e violência contra o STF e seus membros. Entre as declarações do parlamentar estão frases como: "O povo entre no STF e agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele e sacuda a cabeça de ovo dele e o jogue numa lixeira".

A poucos minutos do início previsto da sessão, Silveira foi barrado ao tentar entrar no plenário da Corte para acompanhar presencialmente o julgamento. O parlamentar, que estava acompanhado pelo também deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foram informados de que não poderiam entrar no plenário devido a uma resolução baixada em fevereiro deste ano em razão da pandemia. A medida veda a presença de público no local, permitindo a participação apenas dos advogados de defesa.

Após ter a entrada vetada, Silveira disse que vai acompanhar o julgamento a partir da Câmara dos Deputados.

"Depois de nove ministros votarem uma medida inconstitucional, qual será a minha expectativa?", disse ao GLOBO, após ser questionado sobre a expectativa para o desfecho do julgamento desta quarta-feira.

A entrada do advogado de Silveira no plenário do STF também foi alvo de restrição. Paulo Faria se recusou a apresentar o comprovante de vacinação que é cobrado na entrada da Corte e, por isso, teve o seu acesso vetado ao prédio. A mesma resolução de fevereiro que proíbe a parmanência de público no plenário determina que a entrada na sede da Corte será condicionada à apresentação do passaporte da vacina, ou de um teste negativo.

A celeuma em torno da entrada do advogado atrasou em mais de uma hora o início do julgamento, marcado para começar às 14h. Somente após o advogado aceitar fazer um teste de covid-19 e apresentar o resultado negativo é que a sessão foi iniciada.

"O advogado inscrito para representar o denunciado recusou-se a fazer o teste noticiando que não tomara a vacina", disse o presidente do STF, ministro Luiz Fux, no início da sessão. 

Ao GLOBO, o advogado disse não haver lei que obrigue a demonstração do passaporte vacinal contra a covid-19, e não revelou ter se vacinado, ou não.

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