Mãos percussivas dobrando madeiras: o caminho de um músico na fabricação de pandeiros
Aos 39 anos, o percussionista Guga Amorim se consolidou também como uma grande referência na fabricação de pandeiros em Pernambuco
Desde que começou a tocar no Boizinho Alinhado, com 14 anos, quando comprou sua primeira zabumba, o percussionista olindense Guga Amorim passou a escutar o instrumento. “Sempre tive um incômodo com os percussionistas sobre a afinação, escolha de pele e comecei a ficar muito curioso com isso, a querer ajeitar os instrumentos, afinar, abafar. Troquei a pele sintética ruim que a zabumba tinha e botei uma de coro e já melhorou muito o som”, lembra.
Aos 17 anos, ele começou a fabricar ganzá. “Eu já tocava com o Mestre Salu e com a Mãe Joana, com Gilu, Marcelo Campello, Tiné, Urêa, Hugo Lins. Comecei a me interessar e aprendi a fazer o ganzá muito bem. Desenvolvi essa tampa de madeira que mudava uma sobra que acontece com as tampas de metal e a colocar uma quantidade equilibrada de sementes que fez o som dele ficar muito bom. Aí eu comecei a ter até os mestres da Zona da Mata como meus clientes. Então eu fiquei muito realizado”, conta Guga.
“Depois disso, um amigo meu veio de São Paulo e tinha aprendido a fazer o tambor do divino, que é construído com a mesma técnica da alfaia. E aí comecei a fazer alfaia e zabumba, mas dava muito trabalho, por isso parei. A coisa pegou mesmo quando Cláudio Rabeca veio morar comigo, em 2015, e começou a fazer rabeca aqui. Aí ele me disse: 'faz pandeiro, pô'. Eu pensei que ia ser uma coisa muito repetitiva, mas comecei. Consegui virar a primeira madeira e aí fui testando. Eu já tinha muita noção do som por tocar. E foi daí que começou tudo”, relembra.
Leia também
• Funase reinaugura box na Casa da Cultura
• Wanderléa é uma das atrações do Palco Virtual do Itaú Cultural
• Confira os 50 projetos culturais aprovados no 5º Edital do Funcultura da Música
Poucas referências e muitas experiências
Quando começou a fabricar pandeiros, Guga Amorim enfrentou algumas dificuldades. “Naquela época, e ainda hoje, tem muito pouco material sobre luteria de pandeiro. E o que aconteceu? Eu dobrei a primeira madeira usando a experiência, com água quente, mas depois eu sabia que se você botasse a madeira de molho, na espessura fina e arredondasse ela ia, mas quebrava muito”, relata.
Além disso, outro desafio era encontrar bons conteúdos de estudo na internet. “Para violino e rabeca tem muito material no Youtube, mas para pandeiro não tinha quase nada. Eu tinha um grupo com os luthiers e quase todos viram os mesmos dois ou três vídeos que tinham lá, bem resumidos. E aí realmente na parte do aprendizado, tive que desenvolver sozinho”, conta o percussionista que segue participando de um grupo de luthiers no WhatsApp com 44 membros do Brasil e outros países como Itália e Argentina.
Para aprender o manuseio e sua criar sua técnica, Guga se baseou em conteúdos que aprendeu pesquisando na internet. “Passava madrugadas vendo vídeos sobre marcenaria, sobre ferramentas, procurando a melhor forma de dobrar e arredondar madeira, esse tipo de coisa”.
“Descobrir a platinela certa e a forma de trabalhar foi muito difícil. Eu tive que fazer várias tentativas e testes. Testei vários materiais diferentes. Não é à toa que eu uso latão, bronze e cobre, cada um com uma técnica diferente que eu desenvolvi sozinho. Algumas coisas baseadas em informações que tive, mas vejo que minhas técnicas são bem diferentes dos outros luthiers que conheço”, avalia.
Um novo pandeirista, senhor de seu instrumento
“Depois que eu comecei a fabricar o instrumento, eu evoluí um bocado como pandeirista. Principalmente em relação a usar outras técnicas como o grave usando o dedo em cima. Porque eu passei a ter o instrumento toda hora em cima da mesa, sendo feito e ficando pronto. E eu queria ver como estavam as platinelas e a relação delas com a pele”, relembra.
“Ficava tentando tirar todos os timbres o tempo todo para ver como o instrumento estava respondendo. E como todo dia praticamente eu pego no pandeiro, melhorou minha digitação, digamos assim. E realmente o meu ouvido entender a relação entre platinelas e pele se tornou uma coisa que tem a ver com o som, mas também é visual. Quando eu vejo uma pele já consigo imaginar o som que ela vai ter e que tipo de platinela eu vou usar”, explica Guga.
“Tem uma coisa que é o afastamento da platinela dentro da casa que ela fica e o quanto ela chacoalha. isso tem uma relação muito direta com a pele e tudo isso foi tocando, vendo e fazendo que fui aprimorando. Então, sim, teve uma diferença para mim como músico”, detalha.
Trajetória na música
Guga Amorim, 39 anos, iniciou a carreira musical tocando no Boizinho Alinhado ao lado de Isaar, Caçapa, Alessandra Leão e outros artistas. “Comecei a querer tocar e daí fiquei apaixonado pela zabumba e fui atrás. E, em consequência disso, veio pandeiro, triângulo, ganzá, agogô e esses instrumentos que têm a ver com maracatu rural, cavalo marinho e forró. Desde novo comecei a ir para as sambadas de cavalo marinho, os forrós de rabeca e frequentar a cultura da Zona da Mata”, conta Guga, que teve a oportunidade de tocar com Mestre Salustiano e também integrou outros projetos como as bandas “A zabumba velha do badalo”, “A mãe joana”, “A roda”, “Forró Rabecado” e “Quarteto Olinda”, onde atua até hoje, ao lado de Cláudio Rabeca, do percussionista Bruno Vinezof e do baixista Yuri Rabid.
A leveza do pandeiro e a escolha dos materiais
“Eu não queria ser aquele luthier que tem um tipo de instrumento e pronto. Não, eu converso com os clientes. Lógico que eu tenho meu clássico que é o madeiramento de cedro, o freijó e o amarelo vinhático que são as madeiras que eu uso com mais frequência. Se a pessoa quer uma madeira mais grossa, se vai tocar em apartamento, se vai tocar em show, tudo isso é levado em conta. Eu prezo muito por essa coisa do peso e do conforto do instrumento, tanto o sonoro quanto o peso e o equilíbrio”, frisa.
Para chegar na melhor equação personalizada para cada cliente, ele precisou testar e dominar técnicas e materiais. “Hoje eu trabalho com várias madeiras. Tenho uma linha estudantil que é com pinos e bem mais leve e simples, mas que dura menos, porém diminui os custos. Um pandeiro mais barato serve para quem está começando”, diz.
“Tem um tratamento que eu faço com bronze com o maçarico que sei que outros não fazem. Então realmente meu carro chefe hoje é de cedro e amarelo vinhático, são duas madeiras - uma mais forte e outra menos forte, uma mais leve outra mais pesada - para equilibrar bem o peso. E as platinelas de bronze, forjada e martelada à mão e depois polida, para ser um pandeiro com um som bem equilibrado e confortável”, explica Guga Amorim, que trabalha em um atelier no Alto da Sé, em Olinda.
*Continue lendo a série especial de reportagens sobre a luteria