Sul do Amazonas tem capitais das queimadas e garimpo e ausência do Estado
Cercada por reservas ambientais, a região é marcada pela extração ilegal de madeira, grilagem de terra e assassinatos ligados à disputa por terras.
Com o maior território da Amazônia Legal, o Amazonas já foi considerado o estado que mais preserva as florestas do país. Não mais. No último levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Amazonas registrou a maior alta no desmatamento (55%) entre 2020 e 2021 em comparação com as taxas de outras federações - antigos recordistas, Pará e Mato Grosso tiveram aumentos de 7% e 27%, respectivamente.
Enquanto nesses dois estados a devastação florestal é mais espalhada, no Amazonas a destruição é concentrada no sul. Mais precisamente em sete municípios que representam mais de 80% de todo terreno desmatado no estado: Humaitá, Lábrea, Manicoré, Boca do Acre, Apuí, Novo Aripuanã e Canutama. Em comum entre esses municípios, estão a alta incidência de crimes ambientais, o apoio da política local às atividades predatórias, e a ausência de órgãos federais de fiscalização.
Exemplos não faltam: Humaitá é a capital das balsas de garimpo ilegal de ouro no Rio Madeira. Foi de lá que partiram boa parte das embarcações que formaram uma "cidade flutuante" de dragas enfileiradas em Autazes (AM). Já Lábrea ostentou neste ano o título de recordista em focos de calor na Amazônia Legal e, junto com Apuí, forma o chamado "cinturão do fogo".
Cercada por reservas ambientais, a região é marcada pela extração ilegal de madeira, grilagem de terra e assassinatos ligados à disputa por terras. Manicoré, por sua vez, abriga o famoso "quilômetro 180" da Transamazônica (BR-230) conhecido pela profusão de serrarias ilegais e áreas de pasto que surgiram nos últimos anos.
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Esses sete municípios contemplam um território equivalente ao tamanho dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santos juntos. Apesar disso, a delegacia da Polícia Federal mais próxima fica em outro estado, em Porto Velho, a 200 quilômetros de distância. Na mesma federação, só tem a base da PF, em Manaus, que fica a mais de 700 quilômetros de distância, o que, para os padrões da Amazônia, significa mais de sete dias de viagem de barco.
- Há décadas que o Amazonas sofre pressão de desmatamento na região sul, local de difícil acesso, com pouca infraestrutura, sem rodovias pavimentadas e com dificuldade de implementação de unidades de fiscalização e alocação de recursos humanos - avaliou o superintendente da Polícia Federal do Amazonas, Leandro Almada.
Até outubro de 2017, a região contava com uma base do Ibama e do ICMBio, em Humaitá, que tinha status de gerência - só há quatro dessas no país em áreas críticas, como Sinop (MT), Marabá (PA) e Imperatriz (MA). Ocorre que naquele mês um grupo de garimpeiros incendiou a sede dos órgãos de fiscalização ambiental, além de viaturas e embarcações. Agentes ambientais tiveram que fugir da cidade escondidos sob ameaça dos criminosos. Desde então, o prédio incendiado continua abandonado, às moscas.
O acesso à região é tão complicado que a megaoperação da PF e o Ibama, deflagrada no fim de novembro para combater o garimpo ilegal na calha do Rio Madeira, não chegou nem perto do local. Em fuga das autoridades federais, que queimou mais de 130 balsas de Autazes a Borba (AM), os garimpeiros correram para as cidades mais ao sul do Amazonas e lá permanecem até hoje.
Agentes da PF e do Ibama relataram à reportagem que o planejamento da operação só cobria o abastecimento dos helicópteros até Borba, que fica a 500 quilômetros de Humaitá. As aeronaves iam na frente avisando as equipes na água onde estavam escondidas as balsas de garimpo. Além do problema logístico, o risco de protestos violentos nas cidades do sul amazonense também pesou para as autoridades não irem até a região.
- O sul do amazonas tem sido alvo dessas atividades, do desmatamento à ampliação do garimpo, e ainda tem a questão da BR-319 que pode trazer mais impactos ao local - disse o indigenista Renato Rodrigues Rocha, da Ong Operação Amazônia (OPAN), que atua com populações indígenas e ribeirinhas da região.
Encampada pelo governo Bolsonaro e apoiada por políticos amazonenses da esquerda à direita, o projeto de reconstrução da rodovia, que liga Porto Velho a Manaus, pode facilitar ainda mais o acesso dos desmatadores à mata fechada do meio do Amazonas, avaliam ambientalistas. O governo federal chegou a anunciar que construiria dois postos de fiscalização na BR-319, um em Humaitá e outro em Manaquiri, mas eles ainda não foram instalados.
A instituição das delegacias da Polícia Federal no Amazonas foram desenhadas nos anos 80 com o objetivo de combater exclusivamente o narcotráfico internacional, que ainda utiliza os rios do estado para transportar a cocaína e o skunk produzido em países como Colômbia, Venezuela e Peru. O combate ao desmamento, queimadas e garimpos, no entanto, não fazia parte das prioridades da época, o que mudou nos últimos anos.
Para resolver esse gargalo, o delegado Leandro Almada iiniciou um estudo interno para instalar uma delegacia da PF em Humaitá, que está em fase final de elaboração e deve ser apresentado em breve à diretoria da corporação. Segundo ele, a cidade fica no entroncamento da BR-230 e BR-319 e é um "ponto estratégico" para a ação de quadrilhas de grilagem de terras, desmatamento, garimpo e contrabando de ouro e mercúrio, "sendo necessário a fixação permanente e com maior estrutura de órgãos de segurança e fiscalização", completou.
Para ele, o mais importante é levar à região a equipe do Grupo de Investigações Ambientais Sensíveis (Giase) especializada em identificar os líderes dos esquemas de crime ambiental e responsabilizá-los "financeira e patrimonialmente". - A simples apreensão de madeira, em caminhões ou balsas, sem que a investigação seja aprofundada com qualidade, não traz qualquer impacto nos índices de desmatamento - comentou ele.