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RIO DE JANEIRO

Transplantes infectados: testes de HIV eram feitos semanalmente; 'Obtenção de lucro', diz secretário

Agentes da Decon prenderam duas pessoas e realizaram busca e apreensão em endereços em Nova Iguaçu e na capital do Rio

Casos de infecção pelo HIV após transplantes no Rio não tem precedentes na história do país.Casos de infecção pelo HIV após transplantes no Rio não tem precedentes na história do país. - Foto: Unsplash

O secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, afirmou, durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira, que uma quebra no controle de qualidade dos testes de diagnóstico de HIV foi responsável pela infecção de seis pacientes transplantados no Rio de Janeiro. De acordo com Curi, o teste, que deveria ser realizado diariamente, estava sendo feito semanalmente visando diminuir as despesas do laboratório de análises clínicas PCS Lab Saleme e aumentar o lucro.

— As informações iniciais colhidas até o momento dão conta de que houve uma falha operacional de controle de qualidade nos testes aplicados ao diagnóstico de HIV. E tudo isso com o objetivo de obter lucro nessa questão dessas análises. A questão contratual também está sendo investigada pela Polícia Civil — explicou.

Walter Vieira, apontado pela Polícia Civil do Rio como sócio do laboratório de análises clínicas PCS Lab Saleme, com sede em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e Ivanildo Fernandes dos Santos foram presos, na manhã desta segunda-feira. Eles são suspeitos de envolvimento na emissão dos laudos.

Ivanildo, segundo as investigações, seria um dos responsáveis técnicos pelos laudos. Ele, que foi preso usando uma roupa de enfermagem, presta depoimento na Decon. Ao chegar no local, Ivanildo não quis falar com a imprensa e riu ao ser questionado sobre os crimes.

Já Cleber de Oliveira Santos, outro alvo de mandado de prisão, estaria atuando no protocolo dos exames junto com Ivanildo.

O filho de Walter, Matheus Vieira, que é sócio do laboratório, não está entre os presos, mas foi conduzido pela polícia e também presta depoimento. O PCS Lab Saleme era contratado pela Fundação Saúde do Estado do Rio, vinculado à Secretaria estadual de Saúde.


Na decisão pela prisão temporária é destacado que o "laboratório teria induzido a erro a equipe de médicos transplantadores que viabilizaram a transferência dos órgãos com a consequente contaminação dos pacientes".

As investigações indicam que os laudos foram falsificados por um grupo criminoso e usados pelas equipes médicas, induzindo-as ao erro. Isso levou os pacientes a serem contaminados. Um deles morreu — as causas do óbito ainda estão sendo apuradas.

Além dos casos dos transplantes, existe a suspeita de que o PCS Lab Saleme tenha falsificado laudos em outros casos, afirma a Polícia Civil. Segundo a corporação, diligências complementares estão sendo realizadas para identificar toda a cadeia de profissionais envolvidos no esquema criminoso.

Tiveram pedido de prisão decretado pelo prazo de cinco dias e são alvo desta ação:

Walter Vieira

Jacquelina Iris Barcellar de Assis

Cleber de Oliveira Santos

Ivanildo Fernandes dos Santos

Os envolvidos são investigados por crime contra as relações de consumo (art. 7º, inciso VII da Lei 8.137/90), associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária, entre outros.

"Pela leitura do Inquérito Policial, há fundadas razões para a decretação da prisão temporária dos indiciados, eis que teriam praticado crimes de infração de medida sanitária preventiva, infringindo determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, em associação criminosa, bem como teriam falsificado documento de análise clínica, induzindo consumidor ou usuário a erro (...)", diz um trecho da decisão judicial que decretou as prisões.

Outro trecho cita Walter e Jacqueline: "Apurou-se, ainda, que dois resultados com 'falsos-negativos' para sorologia de HIV foram assinados por Walter Ferreira e Jacqueline Iris Barcellar de Assis, respectivamente, sócio administrador e funcionária do laboratório (...) Apurou-se, ainda, que a formação da indiciada Jacqueline é desconhecida, havendo referências de que dados inseridos no cadastro do Conselho Regional de Biomedicina seriam inidôneos".

Segundo a decisão, documentos anexados aos autos mostram que "não há dúvidas quanto à autoria do fato, ou seja, os responsáveis pela confecção dos laudos com informação falsa". Afirma ainda que, como a investigação não está encerrada, se os quatro fossem mantidos liberdade haveria "o potencial de inviabilizar a colheita da prova, assim como destruir provas, influenciar o ânimo das testemunhas ou mesmo empreender fuga".

O laboratório PCS Lab Saleme, responsável pelos exames de análises clínicas na Central Estadual de Transplantes, também atuava em ao menos outras 12 unidades de saúde estaduais, como hospitais, institutos, UPAs e centros especializados.

Walter Vieira é marido da tia do ex-secretário de Saúde e deputado federal Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho (PP). Outro sócio do PCS Lab Saleme também é parente do parlamentar: Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira é primo dele e já foi empregado da Fundação Saúde. A irmã de Luizinho, a dentista Débora Lúcia Teixeira Medina de Figueiredo, é diretora na Fundação Saúde, empresa responsável pela escolha do laboratório. A contratação aconteceu três meses depois que ele deixou a secretaria e é investigada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), para verificar se houve irregularidades.

A funcionária Jacqueline Iris Bacellar de Assis, cuja assinatura aparece em um dos laudos que atestaram que os doadores de órgãos não tinham HIV e é um dos alvos de mandado de prisão, reconhece que as rubricas nos documentos são suas, mas nega qualquer envolvimento no caso. Ela disse, em entrevista ao GLOBO, que sequer é biomédica. O número de registro no Conselho Regional de Biomedicina (CRBM) que consta no documento como sendo dela é de outra pessoa, que mora fora do Rio e não exerce mais a profissão, como mostrou a TV Globo. Já o laboratório PCS Lab Saleme afirma que Jacqueline se apresentou como biomédica e encaminhou uma troca de mensagens de agosto, na qual a funcionária apresenta um certificado de que seria biomédica. Entretanto, os laudos com a assinatura dela são de maio.

Jacqueline disse ao Globo que nunca teve registro como biomédica e que o nome dela foi usado pelo laboratório. Ela contou que foi contratada, em outubro de 2023, como supervisora administrativa com salário mensal de R$ 1.600 e só teve a carteira assinada em setembro deste ano. Jacqueline negou qualquer envolvimento com o caso e explicou que as assinaturas eletrônicas foram coletadas pela empresa assim que assumiu o cargo técnico e que esse era um procedimento padrão para todos os funcionários.

Ela afirmou ainda que sua formação, de 2008, é de técnica de análises laboratoriais, o que não permitiria um registro de nível superior. Após o caso ganhar repercussão, Jacqueline relatou que começou a receber ameaças.

— Eles enviaram laudos em meu nome. Todo esse período o serviço que prestei para eles foi de supervisor administrativo. A gente fazia preenchimento de planilhas, pedido de insumos, conferência de estoque. A conferência de laudo que a gente fazia era administrativa: se estava digitado correto, a pontuação correta para poder enviar para os médicos. Nessa tela não aparecia nenhuma assinatura minha. Se tivesse, eu chamaria a atenção. Minha vida está de cabeça para baixo nesse momento. Nunca tive registro na área da medicina. Meu nome foi usado de forma indevida. Estou sendo massacrada, recebendo mensagens de ameaças no meu WhatsApp. Acredito que depois disso tudo meu nome possa aparecer em outros contextos e documentos. Nossa assinatura estava na base de dados deles e podia ser usada como quisessem. Mas tenho provas de que nada disso passava por mim lá dentro — defendeu-se Jacqueline.

Denúncia
A denúncia sobre o transplante de órgãos contaminados com HIV foi feita na sexta-feira, pela BandNews. Com diversas irregularidades, o laboratório foi interditado pela Anvisa e pela Vigilância Sanitária estadual no último dia 4. Três dias depois, um dos sócios enviou um ofício à Fundação Saúde informando que tinha feito melhorias.

Segundo mostrou o “Fantástico”, o laboratório clínico não possuía licença para funcionar dentro do instituto onde a paciente que recebeu os rins foi atendida, na Zona Sul. A vistoria mostrou ainda que as amostras de sangue estavam sem identificação, não foram apresentados registros de treinamento dos funcionários, o material era armazenado em uma geladeira comum, e os aparelhos de ar condicionado estavam malconservados e sem condições de higiene.

O laboratório PCS Lab Saleme, responsável pelos exames de análises clínicas na Central Estadual de Transplantes, também atuava em ao menos outras 12 unidades de saúde estaduais, como hospitais, institutos, UPAs e centros especializados.

De acordo com a Secretaria de Saúde, em outubro de 2023, venceu um pregão eletrônico para prestar serviço de análises clínicas em unidades geridas pela Fundação Saúde, órgão vinculado à Secretaria estadual. De acordo com o Portal da Transparência, mais de R$ 21 milhões foram pagos à empresa desde 2022, entre parcelas dos contratos e termos de ajustes de contas.

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