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Meio ambiente

"Oceanos não são área de descarte", diz professor sobre plano de afundamento de ex-porta-aviões

Múcio Banja acredita que outra solução pode ser viabilizada para resolver problemática do casco

Navio tem origem francesa e foi adquirido pela Marinha do Brasil no começo do séculoNavio tem origem francesa e foi adquirido pela Marinha do Brasil no começo do século - Foto: Divulgação

Ambientalistas demonstram preocupação com a possibildade de afundamento do ex-porta-aviões São Paulo, proposta pela Marinha do Brasil. Como o navio tem nove toneladas de amianto em sua estrutura, substância que é cancerígena e banida na maior parte do planeta, os impactos ambientais com o eventual descarte do casco em uma área de 5 mil metros de profundidade a 350 quilômetros da costa brasileira são citados na tentativa de impedir a manobra. 

O pesquisador Múcio Banja, pós-doutor em Ecologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e associado ao Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati), cita que é necessário estabelecer um critério ético em relação ao afundamento.

"Os oceanos não são área de descarte. Não podemos usar uma zona marinha, por maior que seja a dimensão oceânica. Até porque os oceanos são base de sustentação da vida no planeta", falou, em entrevista à Folha de Pernambuco.

O Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), na quinta-feira (2), contra decisão da primeira instância da Justiça Federal em Pernambuco (JFPE) que negou pedido de liminar em ação civil pública ajuizada pelo MPF para impedir que o casco do porta-aviões São Paulo seja afundado em águas brasileiras.

O recurso cita a imediata suspensão de qualquer serviço voltado ao afundamento da embarcação, em alto-mar ou próximo ao litoral, sem a apresentação de estudos que comprovem a ausência de risco ambiental, sob pena de aplicação de multa diária em caso de descumprimento.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também é contra o afundamento. A entidade defende a atracação do ex-navio para realização de reparos e aponta impactos em caso de afundamento. 

O órgão ambiental pede à Marinha informações que permitam avaliar alternativas para mitigação, reparação e salvaguarda do meio ambiente a partir do eventual naufrágio do porta-aviões em alto mar, que seria realizado a partir de uma série de explosões que decorreria em rasgos na estrutura.

A explosão é justificada pela Marinha devdo a avarias no casco que comprometeriam a segurança da navegação e causariam danos à logística, à economia e ao meio ambiente.

A Marinha do Brasil diz que a área de afundamento foi escolhida com base em estudo conduzido pelo Centro de Hidrografia da Marinha, que considerou os seguintes pontos:

– Localização dentro da área da Zona Econômica Exclusiva do Brasil;
– Localização fora de Áreas de Proteção Ambiental;
– Área livre de interferências com cabos submarinos documentados;
– Área sem interferência de projetos de obras sobre águas (ex: parques eólicos);
– Área com profundidades maiores que 3 mil metros.

A sucata da embarcação também carrega 644 toneladas de tintas e outros materiais perigosos. "Se a gente começa a descartar o que não serve no ambiente marinho, a gente está começando a jogar um conjunto de substâncias tóxicas na base de sustentação das populações do planeta todo", acrescenta Múcio Banja, citando ainda que "se há uma comprovação de aproximadamente 9 toneladas de amianto nessa embarcação, isso já seria mais do que suficiente para evitar qualquer tipo de descarte".

Navio porta-aviões era da Marinha e foi vendido à empresa turcaNavio era usado pela Marinha do Brasil antes de ser vendido à empresa da Turquia (Foto: Divulgação/Marinha do Brasil)

Essas outras substâncias perigosas podem gerar, alerta o pesquisador, problemas a médio prazo "como outros que a gente tem hoje na sociedade, doenças em número muito elevado de problemas de câncer que são resultados de um processo irresponsável de algumas pessoas que não se preocupam com as gerações futuras".

"Temos um obrigação de respeitar as gerações futuras e dar um destino adequado, é o mínimo que a gente pode fazer", completa Múcio Banja. 

O Ibama diz que a liberação de materiais poluentes contidos na estrutura:

- poderia causar distúrbio na capacidade filtrante e dificuldade de crescimento em organismos aquáticos

- o impacto físico sobre o fundo do oceano provocaria a morte de espécies e deterioração de ecossistemas

- CFCs (clorofluorcarbonetos) e HCFCs (hidrofluorcarbonos) usados na insulação de salas contribuiriam, a partir da corrosão das paredes, para a degradação da camada de ozônio

- a carcaça poderia atrair espécies invasoras prejudiciais para a biodiversidade nativa

- os microplásticos e metais pesados presentes em tintas da embarcação poderiam se tornar protagonistas de uma bioacumulação indesejável em organismos aquáticos

- como agravante, todos os impactos previstos poderiam ocorrer em hotspots de biodiversidade, fundamentais para a vida marinha. 

Professor Múcio Banja é contra o naufrágio do casco (Foto: Cortesia)

"Desmanche verde"
O Ibama também afirma que a melhor destinação ambiental para ex-navios é a reciclagem verde em estaleiro credenciado pela União Europeia. "Países como Itália, Noruega, Dinamarca, Reino Unido e Turquia possuem essa infraestrutura", defende o instituto.

A melhor solução, cita o professor, seria seguir essa ideia de desmanche sustentável, em que as substâncias potencialmente tóxicas e cancerígenas seriam retiradas. 

O estaleiro Sok Denizcilikve Ticm, localizado na Turquia, a cerca de 9 mil quilômetros do Porto de Suape, no Litoral de Pernambuco, é um dos poucos do mundo apto para esse processo, mas o país barrou a atracação do casco. "O Brasil não tem condição de fazer o desmanche de uma embarcação com tanto material tóxico", detalhou Múcio Banja.

O afundamento proposto pela Marinha do Brasil seria em área de mar aberto, em planície profunda. "Do ponto de vista ambiental, essa não seria a melhor solução, porque uma embarcação seria afundada com um conjunto de substâncias nocivas ao meio ambiente", completa o pesquisador, citando que os problemas causados pela afundamento em mar aberto seriam menores que nas proximidades da costa, teoricamente, mas animais que vivem na plataforma continental se alimentam de substâncias que vêm das águas mais profundas.

Além do amianto e da tinta produzida com substâncias tóxicas, o navio tem mais de 10 mil lâmpadas fluorescentes. "Existem muitas tubulações que não foram retiradas e que provavelmente contêm resíduos de óleo, que, com o passar do tempo, vão ser liberados, chegar à superfície e chegar na costa", alerta Múcio Banja. 

O professor afirma desconhecer afundamento de embarcação em cenário similar ao do ex-porta-aviões São Paulo. "Pode até ser que exista alguma situação. Quando esse porta-aviões foi construído, foram construídos dois iguais e o outro foi descomissionado há algum tempo, foi levado a um estaleiro e foi desmanchado", citou Múcio Banja. 

O pesquisador ainda disse que já ocorreram casos de afundamentos de embarcações com substâncias contaminantes, porém decorrentes de conflitos militares e não por iniciativa governamental .

"Temos em Pernambuco aproximadamente 20 embarcações que foram afundadas propositalmente, mas todas elas passaram por procedimentos de preparação para afundamento, seguindo instruções normativas do Ibama", ressalta Múcio Banja, ao citar embarcações usadas para turismo subaquático no Litoral do Estado. 

O professor lembra que é um grande problema para a Marinha desmanchar a frota de embarcações inoperantes e, por isso, um caminho viável para resolver a problemática do casco do São Paulo seria negociar com um estaleiro que realizasse a reciclagem.

"A Marinha quer, de certa forma, estabelecer um procedimento para se livrar do problema. Isso é despesa, isso é dor de cabeça, é problema com a imagem da própria instituição, porque isso está na mídia o tempo todo. Eu não acho que o método mais correto seria esse afundamento. A Marinha deveria buscar negociações com os portos que fazem esse tipo de atividade, seria a forma mais correta para o final desse imbróglio de maneira melhor para o meio ambiente", finaliza o professor.

O NAe São Paulo, ex- FS Foch, foi lançado ao mar em 1960 (Foto: Divulgação/Marinha do Brasil)

Navio foi comprado da França em 2000
Com 265 metros de comprimento e mais de 32 mil toneladas, o navio-aeródromo São Paulo foi comprado pela Marinha do Brasil no ano 2000. Na época, a entidade pagou US$ 12 milhões à França para substituir o navio Minas Gerais, que operou entre 1960 e 2001.

O São Paulo foi a maior embarcação militar que serviu com a bandeira brasileira e, quando ativo, era o porta-aviões mais antigo do mundo em operação.

A embarcação foi lançada ao mar pela primeira vez em 1960, servindo à Marinha da França sob o nome FS Foch, entre 1963 e 2000. Sob bandeira francesa, o navio atuou em frentes de combate na África, Oriente Médio e Europa. 

Na Marinha do Brasil, a embarcação passou por uma série de problemas mecânicos e acidentes, que a fizeram ficar mais tempo parada do que navegando. Em fevereiro de 2017, a Força Armada desistiu de atualizar o porta-aviões e decidiu desativar em definitivo.

Imbróglio no Brasil
- Em junho de 2022, o Ibama havia autorizado a exportação do ex-navio para a Turquia, país membro da Convenção e que possui estaleiro credenciado.

- Após analisar laudos e relatórios produzidos por empresas especializadas, o Ibama obteve autorização da autoridade turca, em maio de 2022, para autorização para exportação.

- O antigo porta-aviões deixou o Brasil em agosto do ano passado, mas, antes que chegasse ao destino, a Turquia cancelou o consentimento. A decisão ocorreu após decisão judicial de primeira instância relacionada a questionamentos sobre o leilão da embarcação, vencido por empresa turca.

- Com o cancelamento da autorização da Turquia, o Ibama teve de suspender seu consentimento e determinar o retorno do ex-NAe ao Brasil.

- Desde então, a embarcação permanecia nas imediações da costa de Pernambuco, monitorada por equipe de emergências ambientais do Ibama que avalia riscos decorrentes do agravamento de avarias no casco.

- Em 10 de janeiro, a empresa proprietária do ex-navio comunicou ao Ibama e à Marinha a intenção de abandonar a embarcação. Na mesma data, o instituto ingressou com ação judicial para impedir o abandono. A liminar foi concedida no dia seguinte por juiz de primeira instância em Pernambuco. O instituto também exigiu que a empresa proprietária apresentasse os documentos necessários à atracação do ex-navio em estaleiro para realização de reparos.

- Em 20 de janeiro, a Marinha anunciou o afastamento do ex-porta-aviões da costa pernambucana. A instituição alega que a embarcação apresenta risco de afundar, encalhar ou interromper acesso a canal portuário. Inspeção pericial constatou "uma severa degradação das condições de flutuabilidade e estabilidade" do navio, que também não possui seguro e contrato para atracação e reparo. O afastamento em direção à região com mais profundidade busca garantir a segurança da navegação e a prevenção da poluição ambiental na costa brasileira e portos.

- A Marinha afirmou que pretendia afundar o São Paulo, em 1º de fevereiro, alegando que a área de afundamento foi escolhida com base em estudo conduzido pelo Centro de Hidrografia.

- Em seguida, o MPF entrou com pedido na Justiça para impedir o afundamento, mas sem sucesso num primeiro momento. Em 2 de fevereiro, o ministério entrou com um novo recurso. 

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