Folha Gastronômica

A muito especial culinária de Paraty

Especialista em Gastronomia. Escreve toda semana neste espaço.

Lecticia CavalcantiLecticia Cavalcanti - Foto: Cortesia

 

Semana passada, estivemos na Feira Literária Internacional de Paraty - a FLIP. Este ano em homenagem ao escritor carioca, Lima Barreto. Fomos para o lançamento do livro Grandes Crimes, da Editora Folha de São Paulo. Ideia interessante. Ela convidou alguns advogados para escrever sobre crimes. Quase todos do sul (Arnaldo Malheiros, Celso Lafer, René Ariel Dotti e outros). E um único nordestino (José Paulo). Ele escreveu o capítulo “O Caso dos 3 Canibais” - crime que aconteceu em Garanhuns, em Abril de 2008. Preciso dizer, sem falsa modéstia, que o nordestino brilhou, deu um show.

É sempre muito bom voltar a Paraty. É como voltar no tempo. A cidade conserva, ainda hoje, sua arquitetura do período colonial. Com ruas de pedras irregulares. Parques, reservas ecológicas e porto que durante o Brasil Colônia (1530-1815) foi o mais importante exportador de ouro do país. Mas é bom voltar, sobretudo, porque a cidade tem uma culinária muito especial. Própria da região que fica entre o litoral e a Serra do Mar, do Sul do Rio de Janeiro ao Norte do Paraná. É simples e generosa. Resultado da miscigenação de índios (tupinambás e tupiniquins) que habitavam a região, portugueses e africanos. Dos índios herdou o gosto por caças (capivara, paca, porco-do-mato, tatu, veado), frutas das matas (ameixas nativas, cajá-manga, cajazinho, cambuci, jabuticabas), mandioca, milho, palmito e peixes (de rio e de mar). Com o colonizador português, vieram os temperos - cravo, canela, gengibre, pimenta e sal. Com ele veio também a cana-de-açúcar - que foi, aos poucos, modificando a paisagem da região. Substituindo a Mata Atlântica pelo canavial. O mesmo se deu, em seguida, com a cultura da banana - maçã, nanica, nanicão, naniquinha, prata, veiáca (hoje em extinção, por não resistir às pragas), São Tomé, vinagre (de casca vermelha e bem amarelinha por dentro, com nome devido a seu sabor acre). Todas, variedades que se juntaram à banana nativa da terra (pelos índios chamada pacova), para ser ingrediente de muitas receitas locais, doces ou salgadas. Com africanos (bantos e sudaneses), que chegaram com os engenhos de açúcar, veio a técnica de fazer curau, farofa, pamonha, usar do coco e, sobretudo, apreciar cachaça, presente em todas as festas.

Da mistura de receitas, ingredientes e técnicas das três culturas, nasceram pratos muito especiais: Peixe na areia (embrulhado na folha de bananeira e enterrado na praia), Lula recheada (com cabeça da própria lula picada), Camarão casadinho (dois camarões grandes, presos com palito e recheados com farofa), Caranguejo cozido, Manuê de bacia (com melado de cana), Massa pão (com coco, açúcar, ovos), Paspalhão (farinha de mandioca enrolada na folha de bananeira e assada no forno), Paçoca de banana (com toucinho frito), Pé de moleque (espécie de cocada com melado e gengibre), Café ou Quentão com caldo de cana.

Mas nenhum prato é mais famoso, e saboroso, que o Peixe azul-marinho. Dele já falamos aqui em coluna anterior. Não é preparado, como se poderia pensar, com nenhum peixe dessa cor. Usa peixe (fresco ou seco) de carne clara e firme, da própria região - badejo, cavala, enchova, garoupa, robalo, tainha. Ocorre que o prato vai ganhando um caldo azulado, durante o processo de cozimento, por conta de reação química que ocorre entre peixe, panela de ferro (onde é preparado) e banana - que deve ser sempre verdolenga (nem verde, nem madura), com seiva brotando da casca. No final, o caldo que fica é aproveitado para fazer um pirão com farinha de mandioca. Se “o caiçara não conhecer um azul-marinho, ou não souber aprontar o prato, não pode ser considerado um legítimo caiçara”, sentencia Antônio Carlos Diegues (em Culinária Caiçara). Quem não gostar, parafraseando mestre Caymmi, só pode ser ruim da cabeça ou doente da boca.

Receita >
Peixe azul-marinho

Ingredientes
1 kg de posta de peixe
1 cebola (picada)
2 dentes de alho (amassados)
1 xícara de azeite
3 colheres de sopa de cheiro-verde (picado)
1 colher de sopa de coentro (picado)
2 tomates maduros
½ pimentão (vermelho)
6 bananas São Tomé verdolenga
4 xícaras de água
½ kg de farinha de mandioca

Preparo
Tempere o peixe (sal, pimenta, suco de limão, cravo)
Refogue no azeite, em panela de ferro, alho, cebola, pimentão e tomate. Junte bananas (cortadas em 3 pedaços) e água. Depois, as postas de peixe. Tampe e cozinhe por 10 minutos. Salpique o coentro e o cheiro-verde

 

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