A ousadia de ser igual
Há cinquenta anos, em 1974, um pequeno número de advogadas, com referência especial a Nair Andrade, Niete Correia Lima e algumas mais, reivindicávamos junto ao grupo que comandava os destinos da OAB-PE uma participação no Conselho, pois era gritante a ausência de advogadas na gestão da Instituição. E mais, mesmo naquela época já era expressivo o número de advogadas inscritas.
Conseguimos três vagas numa das Chapas concorrentes, duas para as citadas advogadas, ambas militantes e integrantes da então denominada Assistência Judiciária do Estado, hoje Defensoria Pública. Coube a mim concorrer à Vice-presidência. Fomos eleitas, grande feito que parecia inaugurar um novo tempo na OAB-PE.
Passadas cinco décadas, vimos progressos, algumas outras (poucas) eleitas vice-presidentes, todas com muito mérito, como a atual Ingrid Zanela. Mas, a presidência não caberia a uma advogada. A mulher - a única maioria que é minoria nas estruturas do Poder - em todos os Poderes e Instituições, a vice-presidência me soava como um “prêmio de consolação” ou para que não almejassem voos mais altos. Sete palmos de terra era a cota que nos cabia naquele latifúndio.
Nesses cinquenta anos, o mundo viu grandes e impensáveis transformações na tecnologia, nos transportes, nas comunicações, nas ciências, maior do que os acontecidos em toda a História. E nossas Instituições, como se comportam? Mergulhadas num passado que já não existe? E nesse momento que vivemos, aqui ainda se luta pela igualdade?
Com os meus oitenta anos feitos, ingressei na Faculdade de Direito do Recife, em 1962, com o incontido desejo de Justiça. Vi muitas coisas. Posso falar porque sempre lutei contra todas as formas de discriminação e a primeira delas é pela igualdade dos seres humanos. Para exercê-la, é preciso que se deem as oportunidades. Se há mérito, condições para desempenhar qualquer função, por que não? Igualdade, sim. Por isso, não devem ser consideradas como “prerrogativas” para os advogados, algumas condições necessárias ao exercício digno da profissão, que permitam cumprir o compromisso que têm para com os que procuram a Justiça com a esperança de consegui-la num tempo de injustiças.
É preciso sair do discurso e levá-lo à prática. O discurso dissociado da realidade perde a credibilidade social. A ação emblemática da OAB no enfrentamento à falta de liberdade em tempos cinzentos que vi na minha juventude, levou-a a ser abraçada pela sociedade como uma das guardiãs da democracia. Foi uma voz altiva na defesa daqueles que não a tinham.
Embora com bastante atraso, mas sempre é tempo para também concretizá-la na igualdade, especialmente entre os seus filiados.
Estava na Europa em julho deste ano de 2024 quando a maltesa Roberta Metsola, representando o Partido Nacionalista de Malta, foi reeleita Presidente do Parlamento Europeu e a médica belga, radicada na Alemanha, Ursula von der Leyen, reeleita presidente da Comissão Europeia. Acompanhei pela mídia os comentários sobre a reeleição de ambas, os seus apoiadores ou opositores, mas não li nem ouvi uma palavra sequer pelo fato de duas mulheres estarem no comando de Instituições tão importantes.
Aqui, ainda precisamos acrescentar ao mérito intelectual, à capacidade de gestão da advogada (professora que enobrece o magistério jurídico dentro e fora do Brasil, o que posso afirmar por conhecê-la de perto), esse atributo de, também, representar as advogadas, percentualmente a maioria das inscrições na Seccional? Evidentemente, sem demérito dos demais concorrentes que merecem toda a consideração, devoto grande admiração por Ingrid Zanela. Inclusive, estávamos nos preparando para apresentar um trabalho juntas num Congresso Internacional de Direito, no Kenya, quando sobreveio a Pandemia da Covid-19.
Por tudo que tenho visto e vivido ao longo da minha caminhada pelo mundo do Direito, creio que não haverá Paz, nem Justiça enquanto for uma ousadia querer ser igual.
*Professora
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