A perda de um filho pode afetar fisicamente o coração; entenda
Pais enlutados correm alto risco de ataque cardíaco nos dias que se seguem à morte de um filho, e um risco aumentado pode persistir por anos
Perder um filho é uma das experiências mais dolorosas que um pai ou mãe podem passar. Uma nova pesquisa sugere que esse luto também pode literalmente danificar o coração. O estudo descobriu que, nos dias que se seguem à morte de um filho, os pais têm um risco muito maior de sofrer um ataque cardíaco, e o risco elevado pode persistir por anos.
Os pesquisadores analisaram registros de nascimento e registros médicos para estudar 6.711.952 pais da Dinamarca e da Suécia de 1973 a 2014. Entre eles, 126.522 perderam pelo menos um filho em algum momento durante esse intervalo de tempo. O estudo analisou não apenas a perda de bebês e crianças, mas também de adolescentes e filhos adultos de até 29 anos.
Leia também
• Depressão e ansiedade: pobreza triplica a possibilidade de sofrer transtornos mentais, alerta ONU
• Depressão: brasileiros têm novo olhar, e mais de 90% já entendem que se trata de uma doença; entenda
• Depressão no idoso: saiba como identificar
Eles descobriram que a morte de uma criança estava associada a um risco 21% maior de doença cardíaca isquêmica ou redução do fluxo sanguíneo para o coração. O risco de um ataque cardíaco na primeira semana após a morte foi mais do que o triplo da taxa de pessoas que não experimentaram a perda de um filho, e houve um aumento de 20-40% no risco ao longo do estudo. A taxa esteve presente mesmo em casos de morte de um filho adulto.
Outros estudos sugerem que, na meia-idade ou na velhice, a morte de um cônjuge, irmão ou amigo próximo aumenta o risco de ataque cardíaco, derrame, fibrilação atrial e morte. O risco parece ser especialmente alto nos meses imediatamente após a perda. Mas os estudos sobre o impacto da perda de filhos na saúde cardíaca dos pais eram muito limitados.
O estudo observacional, publicado na PLOS Medicine, foi amplo e rigoroso. Os pesquisadores observaram idade, estado civil, educação, renda, hipertensão e outros fatores que podem afetar o risco de doenças cardiovasculares.
Eles também consideraram esses fatores como a causa da morte de uma criança. Por exemplo, os pesquisadores descobriram que havia uma associação com problemas cardíacos no pai ou mãe, mesmo quando a morte da criança era resultado de causas não naturais — como um acidente de carro ou outro acidente —, sugerindo que um histórico familiar de doença cardíaca ou outros fatores genéticos eram improváveis para explicar totalmente o aumento do risco cardiovascular nos pais.
Assunto delicado
O estudo não investigou as maneiras exatas pelas quais o estresse de uma perda extrema pode causar danos ao coração. Mas o principal autor do estudo, Dang Wei, do Instituto Karolinska em Estocolmo, na Suécia, propôs vários mecanismos possíveis.
O estresse ativa o sistema nervoso autônomo, segundo ele. O pesquisador explica que esse sistema controla funções involuntárias em nossos corpos, como frequência cardíaca e pressão arterial, e “induz mudanças biológicas” que podem aumentar os níveis de colesterol.
— Mudanças como essa podem desencadear um ataque cardíaco — acrescentou ele.
O luto também pode induzir quadros de depressão, ansiedade e outros transtornos psiquiátricos, levando ao abuso de álcool, drogas, tabagismo e comportamentos de estilo de vida que também são fatores de risco para doenças cardiovasculares.
Erica S. Spatz, professora associada de medicina cardiovascular em Yale, que não esteve envolvida no estudo, disse que a descoberta foi baseada em "dados bastante surpreendentes", disponíveis apenas em países escandinavos, que mantêm registros detalhados de nascimento e saúde abrangindo várias décadas.
— A perda de um filho afeta todos os aspectos da vida de um paciente, incluindo sua saúde cardiovascular. Precisamos rastrear um histórico de trauma, seja relacionado à morte de uma criança, discriminação racial e ambiente de trabalho ruim, estes fatores bem conhecidos que afetam a saúde cardiovascular.
Erica S. Spatz, professora associada de medicina cardiovascular em Yale, que não esteve envolvida no estudo, disse que a descoberta foi baseada em "dados bastante surpreendentes", disponíveis apenas em países escandinavos, que mantêm registros detalhados de nascimento e saúde abrangindo várias décadas.
— A perda de um filho afeta todos os aspectos da vida de um paciente, incluindo sua saúde cardiovascular. Precisamos rastrear um histórico de trauma, seja relacionado à morte de uma criança, discriminação racial e ambiente de trabalho ruim, estes fatores bem conhecidos que afetam a saúde cardiovascular. Não queremos sobrecarregar ainda mais esses pais, contando-lhes sobre seus riscos cardiovasculares — conclui ela.
Ainda assim, seria importante que médicos, amigos e familiares de uma pessoa que perdeu um filho fiquem atentos a coisas como dores no peito, falta de ar ou outros sinais de problemas cardíacos ou um ataque cardíaco iminente.