A pergunta que não quer calar na denúncia contra Trump: Por que ele queria documentos sigilosos?
Os investigadores não chegaram a abordar a motivação do ex-presidente, mas deixaram dicas do que pode estar por trás do seu apego aos arquivos sigilosos
Apesar de todas as provas detalhadas nas 49 páginas da denúncia contra o ex-presidente Donald Trump por manter centenas de documentos sigilosos sem autorização e por obstruir os esforços do governo para recuperá-los, um mistério continua no ar: Por que ele se apropriou do material e fez tanto esforço para mantê-lo?
O motivo de Trump para reter os arquivos da presidência — incluindo mais de 300 documentos sigilosos — em Mar-a-Lago não foi diretamente abordado na denúncia protocolada quinta-feira em Miami. O documento não estabelece que Trump tivesse intenção maior do que apenas possuir o material.
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Apesar de que seria útil aos promotores descobrir a motivação, caso o ex-presidente seja julgado, ela pode não ser necessária para provar os elementos legais da acusação. O fato é que essa é uma pergunta sem resposta mesmo depois de 15 meses de investigação pelo Departamento de Justiça.
A denúncia, no entanto, dá algumas dicas.
O texto descreve como Trump — que vê tudo em termos de poder e frequentemente foca em retaliar inimigos — exibiu um “plano de ataque” sigiloso contra o Irã, durante uma reunião em Bedminster, seu clube de golfe em Nova Jersey, em julho de 2021, como um modo de refutar o que ele entendia como crítica vinda do general Mark Milley, o chefe do Estado-Maior Conjunto americano. Em uma gravação do encontro, se pode ouvir Trump mexendo em papéis e dizendo que o documento em questão provava que ele estava certo em sua disputa com Milley.
— Isso totalmente prova minha tese — diz ele
Em outros trechos da denúncia, um assessor de Trump descreve o material que ele estava mantendo com ele nas caixas como “os papeis dele”, algo que o ex-presidente fazia quando estava na Casa Branca, sugerindo que ele não estava pronto para abrir mão das vantagens de ocupar o mais alto cargo do país.
Do mesmo modo, a peça judicial descreve como Trump teria tentado impedir um advogado contratado por ele para ajudar a procurar documentos sigilosos que ainda estivessem na mansão de Mar-a-Lago de, de fato, ter acesso aos arquivos mantidos na propriedade.
“Não quero ninguém mexendo nas minhas caixas” teria dito o presidente segundo citação da denúncia, expressando um tipo de sentimento de propriedade pessoal sobre o material. “Eu realmente não quero”, teria completado.
Esse sentimento de posse era tão generalizado que os assessores do ex-presidente, em mensagens de texto reproduzidas na denúncia, se mostravam extremamente ansiosos com a ideia de mover o material para muito longe dele.
Vários ex-assessores e conselheiros de Trump há muito tempo defendem que ele simplesmente manteve os arquivos sigilosos porque o ex-presidente via o material como “meu” e por gostar de ter troféus para exibir, sejam quais forem.
Quando era um empresário posando de playboy em Nova York, Trump tentava ser visto com mulheres atraentes. Ele comprou o Plaza Hotel e chamou de “brinquedo” para sua então esposa, Ivana. Também colecionava souvenirs caros para exibir aos visitantes do seu escritório, como os tênis enormes da estrela do basquete Shaquille O’Neal, depositados ao lado de outros tantos itens.
Ele tratava os segredos da nação do mesmo modo quando estava na Casa Branca. Trump compartilhou informações altamente sigilosas durante uma reunião no Salão Oval, em 2017, como o ministro das Relações Exteriores da Rússia. Em 2019, ele postou uma foto sigilosa no Twitter que mostrava o lançamento fracassado de um foguete iraniano, dizendo a assessores que queriam retirar as marcas que indicam material secreto que essa era a “parte sexy”.
Durante a investigação, os promotores trabalhando para o promotor especial Jack Smith deram passos que indicam que estavam em busca da motivação.
Eles recolheram judicialmente informações sobre negócios da companhia de Trump — a Organização Trump — com sete países, desde o início do mandato dele na Presidência, no que parece ter sido uma tentativa de descobrir se algum dos documentos havia sido usado para favorecer a empresa. No entanto, a denúncia não tem qualquer referência a uso de documentos para negócios do ex-presidente.
No fim do ano passado, quando ficou claro que os promotores acreditavam que Trump ainda mantinha documentos sigilosos, um dos antigos aliados que se tornaram desafetos do ex-presidente, o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie deu uma explicação simples para o comportamento do ex-amigo.
— Eu acho muito mais provável que eles (os documentos) sejam um troféu que ele exibe e diz "veja, eu tenho isso"— disse Christie — que concorre com Trump pela vaga republicana para disputar a presidência americana — à rede ABC News.
— "Eu tenho esse documento sigiloso ou este outro", porque lembre-se: ele não pode acreditar que não é presidente — completou.
Christie sugeriu que esse também é o motivo pelo qual Trump tem uma reprodução da mesa do Resolute do Salão Oval da Casa Branca em seu escritório em Mar-a-Lago:
— Todas essas coisas são coisas que suavizam, você sabe, o desapontamento dele e a descrença que tem de que não é mais o presidente — disse ele.