A (re)volta do matuto que virou americano
Passei onze anos sem ir ao Brasil (do ano 2000 a 2011).
Fui então em abril de 2011.
Ah! Que maravilha.
A chegada no aeroporto de Petrolina já foi uma festa.
Estavam todos lá me esperando.
Já quando desci do avião vislumbrei as silhuetas de Mamãe e o resto da família quase inteira através do vidro do terraço do aeroporto, lá em cima.
Me arrepiei todo de emoção.
Mil abraços e aquele carinho que há tempos eu não desfrutava dos meus amados.
Fomos direto para a casa de mamãe e havia um verdadeiro banquete à minha espera.
Bode assado; baião-de-dois; queijo de coalho; manteiga-de-garrafa, e a minha preferida e encomendada buchada de bode, a qual, antes de degustar quaisquer dos outros não menos deliciosos pratos, comi um bucho inteiro (com o bucho e tudo) deixando só a linha, não sem antes lambê-la até ficar branca de novo.
Aquilo sim é que era comida de gente e não esses hambúrgueres e hot dogs americanos aos quais forçosamente tive que me habituar a engolir durante tantos anos.
Estava em casa. Que maravilha!
Quase todo dia eu podia escolher aonde ir comer essas gostosuras.
Minhas tias, primos, primas e amigos estavam sempre de braços abertos e mesas repletas a me convidar e a esperar.
Mamãe comprava de vez em quando uns peixões enormes alí na Praça Do Peixe, e eu me deliciava. Estava no céu!
Fiquei por umas tres semanas, mas o dever e a responsabilidade me chamaram de volta à terra do Tio Sam, onde vivo desde maio de 1991, plenamente adaptado e agradecido pela acolhida e o respeito com que sempre fui tratado.
Gosto de morar em Atlanta.
Na verdade é a cidade onde mais vivi na minha vida.
É a minha segunda casa, com certeza.
Mas não há aqui uma buchada nem um baião-de-dois com maxixe e manteiga-de-garrafa. Isso, só nas mesas do meu país.
Maravilhado com toda aquela calorosa acolhida, prometi retornar já no ano seguinte.
E fui.
Na descida do avião em Petrolina, já não ví tanta gente me esperando como na vez anterior.
Mamãe, que nunca falha, estava lá. Minha irmã Côca e as meninas (Isabela e Isadora) também.
Meu irmão Mikim, como sempre, estava prá chegar.
Chegou quando já estávamos de saída pra casa. Mas chegou.
Deduzi que o número reduzido de pessoas me esperando fosse talvez devido ao fato de eu ter chegado num dia de semana, quando muitos estariam ocupados nos seus afazeres cotidianos.
Quem era eu pra reclamar de nada? Alí estavam alguns (embora poucos) a me esperar, e isso já era mais do que bom.
Fomos de novo direto para a casa de mamãe. Eu já estava com água na boca imaginando o que eu iria comer naquele almoço tarde.
Tinha almoço sim. E dos bons. Mas o bucho da buchada já não era tão grande como no ano anterior.
O tanto de gente no almoço tambem não era nem a metade da outra vez.
Mas não posso negar que comi bem, levando-se em conta haver chegado de mais um ano de hambúrgueres e hot dogs.
Em duas semanas que fiquei por lá, fui ainda convidado para um almoço aqui; um jantar ali, na casa de um primo ou outro, mas nada daquele ambiente celestial em que me senti quando cheguei no ano anterior depois de onze anos.
Mesmo assim, não posso negar que foram duas semanas prazerosas em companhia dos meus.
Um abraço bem dado num ser amado não tem preço.
De novo prometi voltar no ano seguinte. E fui.
Um ano depois, pela terceira vez em três anos, novamente encontro-me descendo do avião em Petrolina.
Lá ainda não tem aquelas "sanfonas" para descermos do avião não.
Nem precisa. Descemos e vamos andando pelo chão mesmo.
Olhei para cima onde fica a vidraça do terraço do aeroporto e tinha era muita gente lá.
Mas dessa vez não reconheci ninguém para quem eu pudesse abanar a mão.
Estranhei.
Devo ter dito errado o horário do vôo, pensei.
Meio cabisbaixo, mas sem perder a pose e a compostura, encaminhei-me em direção à esteira das malas para recolher as minhas. Quem sabe de lá eu veria alguém?
Não. Não vi.
Peguei minhas malas e saí meio perdido, já imaginando pegar um táxi para ir para a casa de mamãe.
Quando olho para umas cadeiras lá no meio do aeroporto, lá estavam mamãe e Côca, só as duas, no maior bate-papo, e nem aí para o que se passava ao redor.
Pensei: Será que não ouviram o barulho de um avião chegando?
Em Petrolina não tem tantos voos assim! Danou-se!
Parei bem na frente delas (que ainda assim não haviam notado a minha insignificante presença), e falei, quase já aos berros:
EI, EU JÁ CHEGUEI, VIU? Ôxe!
Aí foi que me viram.
É. Como já deu prá perceber, a recepção não lembra nem de longe à daquela primeira vez três anos atrás.
De novo fomos pra casa de mamãe almoçar. Eu ainda estava inocentemente sonhando com o banquete que estaria à minha espera.
Rapaz!
Não posso dizer que comi mal. Seria realmente uma grande injustiça (ainda mais sempre levando-se em conta mais outro ano de hambúrgueres e hot dogs).
Mas, venhamos e convenhamos: O bucho da buchada do primeiro ano lembrava quase uma bola de futebol, pelo tamanho. Enorme.
No segundo ano o bucho já não lembrava nem uma bola de futebol de salão. Vixe! Nem Nem!
Mas, ainda assim, era um bom bucho.
E alí estavam, agora, naquela mesa, bem na minha frente, uns buchos de buchada que mais se assemelhavam em tamanho (com muito boa vontade), a uma bola de sinuca. Vôte!
A manteiga de garrafa estava numa garrafinha bem pequeninha, parece que re-usada de um tubinho de pimenta.
O maxixe, que não vi, mamãe disse que tinha esquecido que eu gostava.
Tú já pensou?
Mas comi as "bolas de sinuca" assim mesmo. Pelo menos eram bem melhores do que os meus velhos Hambúrgueres e Hot Dogs.
Mamãe passou a comprar uns peixes pra o jantar que mais pareciam umas piabas mais crescidas. Falta de dinheiro eu sabia que não era, então...
Que saudades daqueles peixões grandões da primeira vez!
Nas duas semanas que passei em Petrolina desta vez, parece que ainda fui uma vez na casa de Côca e Aroldo comer lá um churrasco, cuja carne nem se comparava com a de dois anos atrás, diga-se de passagem.
Naquela ocasião o meu primo Domingos, que é proprietário de Casas de Carne, escolheu lá as melhores picanhas; linguiças de todo tipo; fizeram Galinha à Cabidela, guisada, na brasa; o escambau.
Desta vez acho que ele nem ficou sabendo (e nem quis) que eu estava na cidade.
Fui ainda na casa de Eugênia e Bruno, em Juazeiro, numa tarde de domingo.
Ali comi foi bem.
Mas não pensem vocês que aquele banquete foi preparado em minha homenagem, o cara que chegou dos ISTADOZUNIDO.
Qual o quê!
Era o aniversário dos filhos gêmeos, Breno e Bia. Acho que eu só fui convidado pela feliz (para mim) coincidência de estar por aquelas bandas naquele dia.
Primos e primas desapareceram. Viajaram não sei para onde diabos, exatamente nas duas semanas que fiquei lá.
Só Titia Nicinha é que ainda me fazia companhia num cigarrinho ali na calçada de mamãe.
Dito isto, conclui: Virei "arroz-de-festa"!
Já não estão nem aí pra mim. Tenho que passar pelo menos mais dez anos sem ir por lá prá ver se como uma buchada mais agraduada e um pêxim mais ou menos.
Se continuar nesse andar da carruagem, se eu for por lá no próximo ano, tenho receio de ter que ir a pé, arrastando as malas, do aeroporto até a casa de mamãe; que me abram uma lata de sardinha pro jantar, e de que o bucho da buchada a mim servida não me faça lembrar nada mais do que uma bila.
Minha querida mãe, irmãos, primos, primas, tias e amigos.
Saudades.
Nos vemos em dez anos.
*Atlanta, 2014
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