Opinião

A velha zebra ficou cinza

Nos anos 70, quando ainda criança e seguia com minha paixão pelo futebol, adorava esperar o final das noites de domingo, para fechar minha programação esportiva. Além de alguns gols da rodada, aguardava ansioso pelo painel dos resultados dos 13 jogos da concorrida loteria esportiva. 

De fato, não era por conta das preferências ou apostas relativas aos pontos feitos, em cima dos resultados dos jogos. Confesso aqui que gostava de ver e ouvir uma simpática "zebrinha". Ela animava o quadro, simplesmente para completar a informação do apresentador. Seu papel era reforçar o resultado de cada jogo, para falar se era da "coluna um, meio ou dois". Mas, o melhor dela era quando havia uma surpresa no resultado.  Quando o inesperado se consagrava. Aí, ela se tornava especial e dizia com orgulho próprio: ZEEEEBRA!

Creio que tamanho sucesso foi eternizado, porque todas ocasiões em que um resultado de jogo é dado como inesperado, a zebra se impõe na propriedade do fato. Isso significa dizer que o diferente e inusitado prevaleceram no campo de jogo. Afinal, o jeito excêntrico de um animal listrado em preto e branco passou a ser um recurso ilustrado de uma vitória que não coube ao melhor.

Dito isso, inspiro-me para comentar a respeito da volta da zebra. Analistas experientes e torcedores de plantão têm abusado do termo para comentar os jogos desta Copa que rola no Qatar. Todos estão a julgar que, certas equipes sem tradição e inferiores nos seus performances esportivos, confirmam a tese de que as zebras estão nas canchas cataris. Ou melhor: que os bichos observados não são dromedários listrados. 

Embora essa referência possa ser uma tese defensável, melhor fez o amigo e excelente escriba esportivo, Claudemir Gomes. Em texto recente, ele enfatiza que por trás desse imediatismo de chamar alguns resultados de zebra, "no futebol de hoje não existe time bobo". Endosso, porque não há mesmo. Afinal, não poderia ser diferente, no contexto do futebol, que a revolução nas informações deixasse de por ao alcance dos dedos, os mais preciosos dados. Óbvio que suficientes para inovarem na busca dos melhores rendimentos dentro do campo de jogo. 

Ou seja, o avanço científico também propiciou aos que lidam com o futebol, um sistema de informações que pode influir no nível de competitividade das equipes. Claudemir reforça a tese de que jogar como bobo hoje é para quem quer assim fazer, posto que o diletantismo já foi trocado pela oportunidade que se oferece, na forma de um distanciamento das velhas práticas. É a superação do amadorismo, em todas as frentes de gestão. Por mais que em muitos casos, gestores não se sintam expostos num museu, alheio às grandes novidades. 

Mesmo nessa linha, respeitosamente, aceito o acerto de tal percepção, apenas no atacado. Na opção do varejo, vou além do que realça Claudemir sobre o diferencial que pode reoresentar o talento. Isso no sentido de fazer diferente e daí reforçar outra tese de que a zebra, embora retomada pela melhoria da competitividade, sempre se rende à qualidade técnica e a criatividade de atletas e comissões técnicas que assim se superam. Cabem ressalvas.

Quero alinhar aqui outro meio de mirar na zebra, consideradas as situações de menor distancismento nas condições de competitividade. Nesse sentido, esta Copa parece dar maior nitidez a esse reforço. Que o digam as surpresas expressas no campo de jogo, por seleções como Arábia Saudita, Marrocos, Tunísia e, sobretudo, Japão. E que tal ontem as surpresas dos Camarões e da Coréia? Independente de virórias, mostraram em campo esforços diferenciados, como efeitos substitutos às faltas de talentos desequilibrantes. Enfim, será que souberam anular os talentos das equipes melhores? Ou estes não estavam nos seus dias de graças? É defensável aceitar pelo menos uma dessas possibilidades.  E isso se dá não apenas pelo convencional dos valores técnicos, físicos ou táticos. Outras variáveis mais  genéricas podem estar por trás. 

É nisso que se respalda um argumento do livro "Soccernomics", algo que aponta para o erro no varejo, no sentido de se achar que, de algum modo, o talento se supera. Não que essa tese seja inválida, mas o que chamo de base científica aplicada no futebol de hoje faz com que a zebra se apresente de outra forma. Fato que só  reforça o título do livro de Ferran Soriano, ex dirigente do Barcelona: "a bola não entra por acaso".

Os modelos de análises quantitativas, que trabalham com muitas variáveis podem não ser decisivos, mas ajudam a nivelar o padrão de competitividade, o que aumenta esse conceito que convencionamos tratar resultados inesperados como zebras. Digamos que elas deixaram de ter a excentricidade das suas listras. Agora assumiram seus diferentes tons de cinza.




Economista e colunista da Folha de Pernambuco


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