A volta da cólera, uma "catástrofe" para um Haiti em crise
O Ministério da Saúde haitiano registrou, até quarta-feira (19), 33 mortes por cólera e 960 possíveis casos
"Alarmante", "caótico" e "uma catástrofe": é assim que os trabalhadores humanitários do Haiti tentam descrever a situação que está causando uma nova epidemia de cólera no país mais pobre da região.
Grande parte da população está isolada, sem acesso à saúde, seja por falta de combustível ou pelos grupos armados que controlam grandes áreas do país.
E sem cuidados de saúde, os doentes de cólera podem morrer de desidratação em apenas algumas horas devido à diarreia aguda.
"É uma catástrofe. Estamos atolados", disse à AFP o médico Jean William Pape, da ONG Gheskio, que administra dois dos 15 centros de tratamento de cólera do país.
Em um deles, em Porto Príncipe, "temos 80 leitos, e todos estão ocupados", explica. "Devido à falta de combustível, moradores de favelas me disseram que houve várias mortes em suas regiões porque não foi possível transportar os doentes".
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Uma gangue armada bloqueia há semanas um importante depósito de combustível em Varreux, ao norte da capital, agravando a crise no país.
O Ministério da Saúde registrou, até quarta-feira (19), 33 mortes por cólera e 960 possíveis casos. E teme-se que os números verdadeiros sejam muito maiores, aponta Bruno Maes, representante da Unicef no Haiti.
A situação pode ser controlada, afirmam os especialistas. Os casos graves de cólera são facilmente tratáveis com alguns dias de descanso e reidratação, além disso, já existe uma vacina contra a doença.
Esta, no entanto, só é eficaz por cerca de cinco anos, e a última grande campanha de inoculação contra o cólera no Haiti foi em 2017.
Crianças entre os mais afetados
Aproximadamente metade dos casos de cólera no Haiti é em crianças com menos de 14 anos, particularmente vulneráveis quando seus sistemas imunológicos estão enfraquecidos pela má nutrição devido à pobreza. "Muitos deles estão muito mal alimentados", alerta Pape.
A ONU estima que 4,7 milhões de haitianos, quase metade da população do país, sofrem de insegurança alimentar aguda. A cólera é causada pela ingestão de alimentos ou água contaminados com uma bactéria chamada Vibrio cholerae.
Médicos Sem Fronteiras (MSF) administra quatro centros com 250 leitos e cerca de vinte clínicas de reidratação oral, explicou à AFP o vice-chefe da missão, Moha Zemrag.
Segundo Zemrag, uma das prioridades é garantir o acesso à água potável em áreas controladas pelas gangues, como o bairro do Brooklyn, na capital, que está há três meses sem esse recurso. Mas o risco de sequestro impede a entrada nessas áreas para desinfetar casas e prédios com cloro.
Embora MSF tenha estabelecido um sistema de transporte para levar seus funcionários aos centros médicos com segurança, a escassez de combustível ameaça impossibilitar isso "em algumas semanas", explica Zemrag.
Corredores humanitários
O retorno da cólera reviveu o pesadelo da epidemia introduzida pelos capacetes azuis das forças de paz da ONU, mobilizadas em 2010 após o terremoto que devastou o país. A doença deixou mais de 10 mil vítimas entre essa época e 2019.
Mas as condições de hoje são diferentes, diz Sylvain Aldighieri, vice-diretor de emergências de saúde pública da Organização Pan-Americana da Saúde: "Por enquanto, não estamos vendo uma explosão (de casos) como a que vimos nos primeiros meses" de 2010.
Por sua vez, a ONU impôs sanções a várias gangues, incluindo um embargo de armas, mas continua dividida sobre o envio de uma nova força internacional ao país.
Essas tropas, diz Aldighieri, poderiam estabelecer "corredores humanitários para as áreas difíceis" e ajudar a liberar os suprimentos bloqueados nos portos. Por enquanto, espera-se que aviões com entregas adicionais cheguem nos próximos dias, acrescenta.