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Absolvição de Air France e Airbus frustra parentes de vítimas que pediriam indenizações justas

As duas empresas foram julgadas na França pelo homicídio culposo das 228 vítimas da tragédia com o voo 447

Parentes das vítimas do acidente da Air France e advogados em frente ao tribunal do tribunal de Paris Parentes das vítimas do acidente da Air France e advogados em frente ao tribunal do tribunal de Paris  - Foto: BERTRAND GUAY / AFP

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A absolvição da Air France e da Airbus da acusação de homicídio culposo pelo tribunal francês, nesta segunda-feira (17), frustrou parentes das vítimas do voo 447. Não só por entenderem que a Justiça não foi imparcial, como também por acharem que a decisão favorece as duas empresas a não pagarem indenizações futuras mais justas aos que não aceitaram fazer acordos. Como os detalhes das negociações sobre os pagamentos das reparações foram sigilosas, não há informações precisas sobre o número de pessoas que receberam a compensação, tampouco, os valores, devido às cláusulas de confidencialidade dos contratos fechados.

Algumas famílias esperavam o fim do processo criminal para entrar com pedido de indenização. No Brasil, ao contrário, boa parte preferiu ingressar antes com ações de responsabilidade civil, devido à demora da Justiça brasileira em proferir tais decisões. Foi a justificativa de Nelson Marinho, presidente da Associação dos Familiares de Vítimas do Voo 447 e pai de um dos 58 brasileiros mortos no acidente com o avião que caiu no Oceano Atlântico em 2009, próximo à Ilha de Fernando de Noronha.

O filho dele, que tinha o mesmo nome que o pai, então com 40 anos, foi um dos passageiros identificados por legistas franceses no fim de 2011. Entre os brasileiros, 23 corpos nunca apareceram.

"Criei a associação para que a Justiça fosse feita contra as duas empresas pelos homicídios, na parte criminal. Queria culpabilizá-los. A Air France e a Air Bus não são inocentes. Estamos esperando o que fazer agora com os nossos advogados" disse Nelson Marinho.

Processos longos
Marinho admitiu que fez acordo, por saber que os processos de indenização são longos no Brasil:
"Existe um seguro internacional para o pagamento das famílias de vítimas de acidente. É feito um cálculo conforme idade, profissão e expectativa de vida da vítima. Fiz o acordo porque tenho o pé no chão. A ação passaria pela primeira e segunda instâncias. Tinha em mente o processo do Bateau Mouche (barco que afundou na Praia Vermelha a caminho do Réveillon de Copacabana, faltando 10 minutos para a passagem do ano de 1988 para1989), que levou 25 anos. Mas continuamos tentando pelo criminal."

O advogado Ricardo Dezzani, especialista em responsabilidade civil, representou 12 famílias brasileiras que perderam algum parente na tragédia. Segundo ele, todas fizeram acordos, cujos valores são mantidos em segredo.

"Ajuizamos as ações em 2009 e no curso delas foram celebrados os acordos. Há aproximadamente 10 anos eles foram celebrados e, em todos os nossos acordos, foi inserida uma cláusula de confidencialidade, o que nos impede de falar em valores. As ações foram ajuizadas exclusivamente em face da Air France" explicou Dezzani.

Houve casos de tutela antecipada, como o da viúva e os três filhos do engenheiro Walter Nascimento Carrilho Júnior, na época do acidente com 42 anos. A dependência financeira do marido fez com que recebesse uma indenização antecipada de 30 salários mínimos por mês. Dezzani, que representou a família, explicou que o valor era para o pagamento de pensão aos filhos e esposa da vítima, além de tratamento psiquiátrico e psicológico.

Mas, para todos seus clientes, o advogado pediu danos morais:
"A ação foi fundada na responsabilidade civil da transportadora aérea, foram pedidos danos morais para os familiares que integravam o núcleo familiar próximo da vítima e pensionamento para os seus dependentes" esclareceu o advogado sobre os fundamentos que usou na petição.

Extensa negociação
A jornalista Adriana Francisca Van Sluys, de 40 anos, estava no voo 447. Como assessora de comunicação corporativa internacional, ela acompanharia outros funcionários da empresa onde trabalhava na inauguração de um navio na Coréia do Sul. O corpo de Adriana foi entregue à família aproximadamente um mês após o acidente e foi sepultado em Niterói. A família é uma das que fez o acordo com as empresas Airbus e Air France.

"Houve uma extensa negociação através dos advogados, confidencial para cada família de vítima conforme o perfil, idade, remuneração, expectativa de vida. Mesmo assim, não traz a minha irmã de volta" conta o irmão de Adriana, Maarten Sluys.

Foram nove semanas de audiências, encerradas em 7 de dezembro do ano passado. Quase 14 anos depois da tragédia, o tribunal considerou que, apesar de cometerem "falhas", não se "pôde demostrar (...) nenhuma relação de causalidade segura" com o acidente. O tribunal adiou a questão da avaliação dos danos e prejuízos para uma audiência em 4 de setembro.

O anúncio da absolvição fez com que parentes das vítimas ficassem de pé, enquanto o presidente da corte continuou a leitura da decisão em um silêncio sepulcral.

"Disseram que são "responsáveis, mas não culpados". E é verdade que estávamos esperando a palavra "culpado"" lamentou Alain Jakubowicz, advogado de partes civis do julgamento.

Jakubowicz enfatizou que as duas companhias "são responsáveis por esta tragédia":
"Deve ser lembrado que a Airbus e a Air France são responsáveis por esta tragédia. São civilmente responsáveis por este drama e não penalmente. Nós vamos analisar o julgamento e ver o que faremos. Mas, em todo caso, o que se deve recordar é o que digo às famílias, às famílias enlutadas, às famílias que não compreendem, às famílias a quem devemos explicar" este é o nosso papel como auxiliares da Justiça, como advogados — essas finas nuances entre a perda da oportunidade, o grau de certeza, a responsabilidade, a responsabilidade penal. Pensando neste instante nas vítimas e nos familiares que nós assistimos, eu lembro a responsabilidade da Air France a da Airbus.

Imprudência ou negligência
Para o tribunal, a Airbus cometeu "quatro imprudências ou negligências", em particular por não ter substituído os modelos de sondas Pitot chamadas "AA", que pareciam congelar com maior frequência, nos aviões A330 e A340, e por "reter informações".

A Air France cometeu duas "imprudências", relacionadas com os métodos de divulgação de uma nota informativa dirigida aos seus pilotos sobre as falhas das sondas.

Na esfera criminal, no entanto, segundo o tribunal, "uma relação de causalidade provável não é suficiente para tipificar um crime. Neste caso, como se trata de falhas, não foi possível demonstrar nenhum nexo de causalidade com o acidente".

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