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ESTADOS UNIDOS

Ações afirmativas quintuplicaram número de alunos negros em Harvard, mas avanço agora está ameaçado

Decisão da Suprema Corte apresentada na quinta-feira reverte uma política de reparação histórica em vigor há 45 anos nos Estados Unidos

Manifestantes protestam nas imediações da Suprema Corte, em Washington, contra revogação das ações afirmativas Manifestantes protestam nas imediações da Suprema Corte, em Washington, contra revogação das ações afirmativas  - Foto: Anna Moneymaker/ AFP

O número de estudantes negros matriculados em universidades americanas aumentou drasticamente desde que foram implementadas as primeiras ações afirmativas por critério de raça e etnia no país.

Apenas em Harvard, essa porcentagem saltou de módicos 3% em 1968 para 15% em 2022, segundo dados oficiais. Os hispânicos, por sua vez, respondem hoje por 12,6% dos alunos da instituição, ao passo que eram apenas 5% em 2014.

Após 45 anos de incentivo à diversificação no ensino superior, essas cifras, finalmente, parecem refletir mais equilibradamente a composição demográfica dos Estados Unidos: 75,5% de brancos, 13,6% de negros e 19,1% de hispânicos, de acordo com o Censo de 2022. Este cenário, porém, pode estar com os dias contados, depois que a Suprema Corte decidiu, na quinta-feira, que cor da pele e etnia não podem ser critérios para entrada na universidade.

Em sua decisão, o tribunal — dominado por uma maioria conservadora de seis a três, incluindo três juízes nomeados pelo ex-presidente Donald Trump — rejeitou os argumentos da Universidade Harvard e da Universidade da Carolina do Norte (UNC, na sigla em inglês), as mais antigas do país, de que seus programas foram implementados para garantir a diversidade nos campi.

Os magistrados conservadores consideraram que as universidades são livres para levar em consideração a experiência pessoal — como, por exemplo, ter sido alvo de racismo — ao contrastar um candidato a aluno perante outros mais qualificados academicamente. Mas indicaram que seria até mesmo discriminação racial fazer essa seleção com base em alguém ser branco ou negro.
 

Para a antropóloga Keyllen Yazmin Nieto, fundadora e consultora sênior da Integra Diversidade, a decisão pode afetar negativamente milhões de pessoas.

— Está em jogo boa parte dos avanços das últimas quatro décadas, mesmo que insuficientes e desiguais, no acesso a melhores oportunidades de trabalho e de melhora na qualidade de vida não só de indivíduos, como de famílias e comunidades inteiras nos EUA — alerta. — É uma péssima notícia para um país conhecido como bastião de justiça, oportunidades e democracia com equidade.

Quem é Clarence Thomas: juiz negro beneficiado por ação afirmativa votou contra medida na Suprema Corte dos EUA

Ao Globo, Nieto lembrou ainda que uma maior diversidade étnico-racial nas universidades americanas favoreceu o acesso a programas de excelência nos centros educativos, “o que impactou de forma direta a disponibilidade de um pool de talentos não-brancos qualificados para posições de destaque e liderança no mundo acadêmico e no setor privado”, como o astrofísico Neil deGrasse Tyson, a física Shirley Ann Jackson, a engenheira de robótica Ayanna Howard, a astrofísica Beth Brown e a engenheira aeroespacial Christine Darden, ela cita.

— Pessoas de diferentes perspectivas ancestrais e interculturais étnico-raciais enriquecem as discussões, referências e o corpo docente nas universidades, contribuindo para que os EUA sejam um polo de referência em inovação, tecnologias de ponta e processos ágeis — acrescenta.

Pesquisas corroboram esta visão de como os esforços sistemáticos para priorizar a diversidade nas admissões à faculdade podem melhorar a representação de grupos historicamente excluídos, mas também proporcionar aos alunos uma série de benefícios cognitivos e sociais que, por sua vez, se traduzem em melhores resultados econômicos para toda a sociedade, segundo um estudo feito em 2019 pela Century Foundation, um centro de estudos progressista baseado em Nova York.

— Estudantes negros prontos para a faculdade e suas famílias dirão: “Não queremos ir para lugares onde não somos bem-vindos” — disse ao New York Times David Thomas, diretor da Faculdade Morehouse, uma das mais famosas HBCU de Atlanta, na Geórgia. — E eles vão procurar alternativas.

Nesse sentido, especialistas temem que a decisão da Suprema Corte possa levar a um movimento parecido ao que aconteceu depois que um policial branco de Minneapolis assassinou George Floyd em 2020: em busca de um ambiente mais encorajador e de um sentimento de pertencimento, muitos estudantes negros se reuniram nas faculdades e universidades historicamente negras (HBCU, na sigla em inglês) do país.

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