Opinião

Acordo, corda, acórdão, cordão

Autonomia é desejo de se autodeterminar. O jovem a teria com a maioridade, mas só a conquista quando assume suas próprias contas. Numa federação, os entes subnacionais são dotados de competências legislativa, tributária e financeira, para não se dobrarem ao poder central.

A história deste país é de luta por autogoverno e descentralização. Primeiro contra Portugal. Depois, contra um imperador português, dom Pedro I abdicou. O “Golpe da Maioridade” veio para dom Pedro II assumir o trono aos 13 anos. Sufocaram-se revoltas separatistas. Um golpe trouxe a República e a federação. De lá para cá, nossa biografia é marcada por golpes. Mesmo hoje, acredite, há quem queira um deles!

A Constituição de 1988 buscou equilibrar e descentralizar despesas e receitas. Idealizou-se um federalismo cooperativo. Ao passar dos anos, vieram concentração de receitas e conflitos constantes.

A pretexto de combater a alta de preços e da inflação - e criar uma bandeira eleitoral -, o Governo Federal interveio para reduzir o ICMS incidente sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Foi um duro golpe populista e irresponsável nas finanças dos estados e também dos municípios, porque o principal tributo estadual é repartido com eles. Os cortes atingiram o custeio de educação, saúde, segurança e combate à pobreza. 

Pernambuco e outros estados ingressaram conjuntamente com ações no Supremo Tribunal Federal. O ministro Gilmar Mendes propôs mediar uma negociação. Irredutível, a União Federal tensionou a corda. 

Nas faculdades de Direito, repete-se que um mau acordo é melhor do que uma boa demanda, pois litígio demanda tempo e traz riscos. Todavia, há questões inegociáveis. Os governadores foram firmes para estancar a sangria dos cofres públicos estaduais e evitar retrocessos sociais.

O que parecia impossível, porém, findou em acordo. Dentre os pontos centrais, será mantida a essencialidade para diesel, gás natural e gás de cozinha, que não poderão ter alíquotas maiores do que as das operações em geral. A gasolina ficou de fora, por ser combustível fóssil, não essencial e utilizada, mormente, por quem tem veículos particulares. Os Estados passarão a escolher se a alíquota será por unidade de medida ou pelo valor da mercadoria. Ainda há questões pendentes relativas à composição do preço da energia elétrica e à compensação por perdas. Um acórdão unânime dos ministros do STF homologou tal proposta e o governo federal encaminhará um projeto de lei ao Congresso.

No livro Eclesiastes - da palavra hebraica koheleth, significa “aquele que convoca uma assembleia” - uma passagem diz que “Um homem sozinho pode ser vencido, mas dois conseguem defender-se. Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade”. Que esse acordo entre os três níveis federais os guie para a maioridade, com autonomia, responsabilidade e cooperação.


*Procurador do Estado de Pernambuco, professor da Unicap e advogado

 


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