Acusada de esquema de pirâmide, mulher do 'Faraó dos Bitcoins' atuava como DJ e fazia arte com IA
Detenção ocorreu nessa quarta-feira (24), por situação ilegal de sua permanência em solo americano
Detida em Chicago, nos Estados Unidos, nesta quarta-feira (24), Mirelis Zerpa era investigada na Operação Kryptos, que apura fraudes bilionárias envolvendo criptomoedas e considerada foragida da Justiça brasileira. A detenção, porém, ocorreu pela ilegalidade de sua permanência nos EUA, numa cooperação internacional entre a Polícia Federal, o U.S Immigrations and Customs Enforcement (ICE) e o Serviço Secreto norte-americano.
Em outubro passado, o Fantástico, da TV Globo, mostrou que a venezuelana sacara R$ 1 bilhão em 2021, logo depois da prisão do marido, Glaidson Acácio dos Santos, o "Faraó dos Bitcoins". Atualmente, Mirelis vive legalmente nos Estados Unidos, onde atua como DJ e promove criações artísticas suas com aplicação de inteligência artificial.
Investigadores da Polícia Federal apontaram, na ocasião, que Mirelis usou parte da fortuna para comprar um avião, avaliado em R$ 4 milhões, e um carro de luxo (um Rolls-Royce que, em valores atualizados, chega a R$ 2,5 milhões e teria sido adquirido por meio de um laranja, com pagamento à vista).
Um carro ilustra uma de suas produções artísticas, nomeada de "Pulso urbano" e divulgada em setembro passado no Instagram, rede social em que Mirelis tem mais de 60 mil seguidores.
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“Poesia, música e tecnologia em harmonia”, diz a venezuelana, em sua bio da plataforma.
Em outubro, Mirelis gravou stories para dar boas-vindas a novos seguidores no Instagram e agradecer pelas "mensagens de apoio e alento" que recebeu.
"Quero convidá-los ao meu canal do YouTube, onde publico artes com inteligência artificial. Publico arte inspirada em obras como Van Gogh, Monalisa", explicou ela. "Também tenho um canal para membros que se inscrevam. Se as pessoas querem saber sobre mundo de bitcoin, sobre inteligência artificial, também estarei postando".
No Youtube, Mirelis soma mais de 13 mil seguidores, atualmente.
"Neste cantinho do YouTube minha essência artística se une ao incrível mundo da inteligência artificial. Imagine um espaço onde músicas, poemas, imagens e vídeos ganham vida de maneiras que você nunca imaginou, tudo graças à magia combinada da criatividade humana e da IA. Cada trabalho que você descobre aqui é um reflexo da minha paixão por explorar novas fronteiras artísticas", destaca ela, na apresentação do canal.
Na mira da PF
Mirelis estava foragida desde agosto de 2021, quando a Operação Krytpos, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF), prendeu o seu marido e outros sócios do esquema.
O casal foi acusado de montar uma pirâmide financeira disfarçada de investimento em bitcoins. Atraídos pela promessa de lucro mensal de 10% sobre os valores aportados, cerca de 278 mil pessoas investiram um total de R$ 10 bilhões no negócio, segundo dados do cadastro de clientes lesados.
No fim de 2022, decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o mandado de prisão. Segundo o Fantástico, uma nova ordem de prisão foi emitida, o que a tornou foragida das autoridades brasileiras novamente. A defesa da venezuelana disse ao programa da TV Globo, em outubro, que a cliente vivia legalmente nos Estados Unidos e nunca exercera funções na empresa do marido.
Esquema transnacional de pirâmide
Informações sobre as manobras da venezuelana Mireles Zerpa no exterior, recolhidas por clientes lesados, revelam que a mulher de Glaidson Acácio dos Santos montou um esquema transnacional de pirâmide financeira e de lavagem dos ganhos com os golpes. Depois da descoberta de negócios em Portugal e nos Estados Unidos, outra pista revelou que a família de Mirelis manteve, entre março de 2020 e dezembro de 2022, uma empresa em Medellín, na Colômbia, destinada a injetar dinheiro de origem desconhecida no mercado de câmbio.
A Consultoria Y Tecnologia Avanzada S.A.S, registram as bases de dados do governo colombiano, pertenceu a Noiralis Zerpa, irmã de Mirelis, e a Juan Pablo Bonilla Guzman. Especialistas locais, consultados pelo GLOBO, explicaram que as características são típicas de uma "empresa-ponte" ou "conta-ponte", que tem rendimentos devidos a um terceiro fora da empresa e é usada para lavar dinheiro de atividades ilegais e legalizar moeda ou renda e deixá-lo no mercado nacional por meio de terceiros.
Do total amealhado pela organização, a Justiça Federal só conseguiu apreender R$ 400 milhões, além de imóveis, veículos e joias. Clientes lesados e administradores da falência da GAS, já decretada pela Justiça, rastreiam o dinheiro ainda escondido pelos golpistas no exterior, com o objetivo de repatriá-lo e ressarcir os prejuízos.
Portugal e Estados Unidos
Até a descoberta da empresa colombiana, já se sabia que Glaidson e Mirelis captaram clientes em Portugal com a KasteloKódigo Unipessoal Ltda, sediada em Lisboa, e também abriram a EYD Investment, em 2021, em Miami (EUA). Misteriosamente, a firma americana sofreu uma alteração contratual no dia 26 de agosto daquele ano, assinada por Glaidson, quando o Faraó dos Bitcoins já estava preso e impedido de praticar atos que implicassem a movimentação de patrimônio, pois estava com todos os bens bloqueados.
Um auditor da Receita Federal, consultado pelo GLOBO, disse que a EYD é um tipo de empresa (LLC) usada em operações de lavagem de dinheiro no exterior, pois os seus donos não são obrigados a declarar a movimentação financeira ao fisco americano.
Noiralis, a irmã de Meireles, já está no radar das autoridades brasileiras desde o ano passado, quando recebeu uma transferência de cerca de R$ 2,3 milhões das contas da irmã à revelia da Justiça brasileira. Investigadores apuraram que a operação foi efetuada na primeira quinzena de dezembro de 2021 pela Binance, espécie de bolsa de valores de criptomoedas, que foi usada pelos golpistas. Como a Binance registra em fontes abertas as operações de compra e venda de criptomoedas, os investigadores constataram a transferência de 10 bitcoins em favor de Noiralis Zerpa.
No ano passado, Mirelis, de um lugar secreto, ocupou as redes sociais para mandar um recado aos clientes da GAS: não tem dinheiro para indenizá-los. Seus advogados afirmam que os recursos disponíveis já foram usados para honrar os pagamentos a investidores nos dias seguintes à prisão de Glaidson e do fechamento da empresa.
Procurado em abril, após reportagem do Globo sobre o alegado esquema, o advogado de Mirelis, Ciro Chagas, encaminhou uma nota: “Não temos qualquer informação sobre as pessoas e empresas citadas. Reafirmamos também que a Mirellis não possui sociedade nem relação financeira com referidas empresas citadas pelo jornal. Ciro Chagas e André Hespanhol, advogados de Mirella Zerpa”.