Logo Folha de Pernambuco
EUA

Administração Trump diz que agências podem ignorar ordem de Musk sobre 'prestação de contas'

Decisão representa uma ruptura com o magnata sul-africano

Elon Musk e Donald TrumpElon Musk e Donald Trump - Foto: Frederic J. Brown/AFP

A administração do presidente americano, Donald Trump, deu aval para que líderes das agências federais ignorem o decreto público do bilionário Elon Musk para demitir funcionários que não enviarem um e-mail resumindo, em tópicos, o que fizeram na semana anterior.

A decisão representa uma ruptura com o magnata sul-africano, que tem buscado reduzir drasticamente a força de trabalho federal dos Estados Unidos.

O Escritório de Gestão Pessoal (OPM, na sigla em inglês), uma agência federal que atua como o departamento de RH do governo, comunicou essa orientação aos diretores de recursos humanos das agências em uma ligação na segunda-feira, segundo fontes ouvidas pelo Washington Post. O órgão, no entanto, ainda não sabe o que fazer com os e-mails dos funcionários que já responderam ao pedido de Musk.

No sábado, o bilionário publicou no X que os funcionários federais receberiam um e-mail solicitando uma lista do que fizeram no trabalho na semana anterior – e que a falta de resposta até 23h59 de segunda-feira seria considerada como um pedido de demissão. Pouco depois, o e-mail foi disparado para milhões de pessoas, incluindo juízes federais e funcionários do poder legislativo, gerando confusão generalizada.

Mesmo antes da nova orientação, algumas agências já haviam instruído seus funcionários a não cumprir a ordem. Eles temiam que, ao atender à diretriz, os empregados acabassem divulgando informações sensíveis ou relevantes para a segurança nacional. Na segunda-feira, Trump minimizou qualquer desentendimento entre sua gestão e as declarações de Musk, sugerindo que havia exceções para o pedido do bilionário.

— Eles (altos funcionários) não querem bater de frente com Elon de forma alguma. Eles só estão dizendo que há certas pessoas que você realmente não quer que contem o que estavam fazendo na semana passada. Fora isso, todo mundo achou que foi uma ideia bastante engenhosa — disse Trump no Salão Oval na tarde de segunda, acrescentando que quem não respondesse seria demitido.

Guga Chacra responde: Como os servidores demitidos por Trump e Musk têm reagido?

Pela primeira vez desde o retorno de Trump ao poder, porém, funcionários do governo pareciam estar resistindo, ao menos por ora, a uma ordem do homem mais rico do mundo. Diante do comentário do presidente e da postura das agências, Musk anunciou, na noite de segunda-feira, que os funcionários teriam “outra chance” de responder o e-mail – e, se novamente não o fizessem, realmente seriam desligados.

“O pedido do e-mail era completamente trivial, já que o critério para ser aprovado era apenas digitar algumas palavras e apertar enviar”, escreveu. “Mesmo assim, muitos falharam nesse teste ridículo, incentivados, em alguns casos, por seus gestores. Já testemunharam tamanha incompetência e desprezo por como seus impostos estão sendo gastos?”.

No mesmo dia, o Escritório de Gestão Pessoal enviou um novo e-mail reiterando o pedido e o prazo, embora desta vez permitindo que chefes de agências “excluíssem funcionários dessa exigência a seu critério”.

Limites para Musk
Até o último fim de semana, os principais assessores de Trump tinham apoiado o apelo de Musk por um governo menor e mais eficiente, livre do que os republicanos chamam de ideologia “woke” (pautas ligadas à igualdade social, racial e de gênero). Agências inteiras, como a Usaid, foram praticamente fechadas, e trabalhadores foram ordenados a retornar ao regime presencial sob pena de demissão.

Mas a reação ao e-mail de Musk sugere que podem existir limites para até onde o bilionário, agindo em nome de Trump como líder do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (Doge), pode levar sua ofensiva contra a “burocracia”. Nos altos escalões das agências federais, o e-mail do sul-africano gerou preocupações sobre autonomia e segurança, causando divisões também no Gabinete de Trump.

Chefes de gabinete e diretores de pessoal das agências de segurança nacional e de inteligência passaram o fim de semana tentando elaborar uma resposta coordenada, segundo um alto funcionário familiarizado com as discussões. O resultado desse esforço começou a se manifestar quando Kash Patel, o recém-nomeado diretor do FBI, disse aos funcionários da agência para “pausar qualquer resposta” à diretriz.

As publicações do bilionário no fim de semana aumentaram a irritação entre secretários de gabinete e chefes de agências com Musk pelo que eles veem como interferência na administração de seus departamentos. As reações de diversos chefes deixaram claro que eles estavam ofendidos com a ideia de uma pessoa de fora tomasse decisões sobre seu pessoal, enquanto outros temiam o vazamento de informações sigilosas.

Na CIA, altos funcionários não fizeram uma declaração pública, mas algumas pessoas dentro da agência foram discretamente instruídas a não responder ao e-mail de Musk na esperança de que o problema desaparecesse. Ainda assim, a secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, buscou negar a existência de algum ruído na administração do republicano, declarando na segunda-feira:

— Todos estão trabalhando juntos, como uma equipe unificada, sob a direção do presidente Trump. Qualquer insinuação em contrário é completamente falsa — declarou Leavitt.

Dissidência rara
A dissidência nos altos escalões do governo Trump é rara, já que o presidente exige lealdade absoluta, levando seus subordinados a agir rapidamente e em uníssono para implementar a sua agenda. Durante o fim de semana, no entanto, vários altos funcionários desafiaram Musk, instruindo trabalhadores dos Departamentos de Estado, Defesa, Energia, Segurança Interna e Energia a ignorar a ordem.

“Por enquanto, pedimos que os funcionários do DOE (Departamento de Energia) aguardem antes de responder diretamente ao e-mail do OPM”, escreveu o secretário de Energia, Chris Wright, em um e-mail também no fim de semana, segundo publicado pelo The Times. Um alto funcionário do Departamento de Estado escreveu: “Nenhum funcionário é obrigado a relatar suas atividades fora da cadeia de comando do seu departamento”.

Na Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa), a diretora-executiva Bridget Bean enviou um e-mail à equipe por volta do meio-dia “pedindo desculpas por qualquer confusão” e revertendo uma instrução anterior que havia dado no fim de semana, na qual orientava os funcionários a responderem integralmente ao e-mail do OPM. Na nova mensagem, ela disse que o Departamento enviará uma resposta.

Enquanto isso, líderes escolhidos por Trump no Departamento do Tesouro, na Administração de Serviços Gerais, no Departamento de Transportes e no Escritório de Gestão e Orçamento disseram a seus funcionários para seguir a diretriz de Musk. Um e-mail do Tesouro dizia: “Você está instruído a responder a esta mensagem antes do prazo final”, e que esperam “que o cumprimento não seja difícil nem demorado”.

A divisão ocorreu apenas dois dias antes de Trump reunir seu primeiro Gabinete completo no seu segundo mandato na Casa Branca, na quarta-feira. Oito anos atrás, sua primeira reunião de Gabinete se transformou em uma sessão de elogios a Trump, com seus principais assessores exaltando a “bênção” de trabalhar para o presidente republicano. Isso ainda pode acontecer mais uma vez esta semana.

Veja também

Newsletter