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Alas isoladas, alimentação especial, tratamento psicológico: Israel se prepara para receber reféns

Trinta e três reféns devem ser libertados na primeira fase do acordo de cessar-fogo com o Hamas em Gaza

Familiares aguardam pelos reféns que serão liberadosFamiliares aguardam pelos reféns que serão liberados - Foto: Jack Guez/AFP

As autoridades israelenses estão se preparando para receber dezenas de reféns que foram mantidos incomunicáveis pelo Hamas por mais de um ano em Gaza, sem saber se retornarão famintos, traumatizados ou mortos.

Trinta e três reféns devem ser libertados na primeira fase do acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas, o primeiro grande evento desse tipo desde a trégua de uma semana ocorrida sete semanas após o início da guerra. Algumas famílias tiveram vislumbres de seus entes queridos em vídeos dirigidos pelo Hamas, mas ainda não está claro em que condições os cativos retornarão.

Nos hospitais israelenses, autoridades de saúde estão preparando áreas isoladas para que os reféns possam iniciar a recuperação em privacidade. O Ministério da Saúde de Israel elaborou um extenso protocolo para o tratamento psicológico e físico dos libertados, com preocupações particulares sobre a possibilidade de estarem gravemente desnutridos.

“Os que foram libertados antes já estavam desnutridos”, disse Hagar Mizrahi, médica e integrante da cúpula do Ministério da Saúde de Israel, referindo-se aos reféns libertados durante a trégua de 2023. “Imagine a situação deles agora, após mais 400 dias. Estamos extremamente preocupados com isso.”

Após o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 contra Israel, que resultou na morte de cerca de 1.200 pessoas e na captura de aproximadamente 250 outras, cerca de 105 reféns israelenses e estrangeiros foram libertados durante a trégua de uma semana em novembro daquele ano.

Alguns foram posteriormente libertados em operações militares israelenses, e os corpos de dezenas de outros foram recuperados por soldados israelenses. No entanto, cerca de 98 reféns permaneceram em Gaza, e 36 deles estão mortos, segundo o jornal israelense Haaretz.

Autoridades de Israel acreditam que as mulheres, os homens mais velhos e outros reféns que retornarão na primeira fase deste acordo de cessar-fogo foram mantidos no labirinto de túneis do grupo militante em Gaza, condições que provavelmente deixarão cicatrizes físicas e psicológicas.

As autoridades de saúde têm analisado cuidadosamente todas as informações disponíveis — incluindo os vídeos dos reféns — para tentar avaliar as condições em que se encontram, disse Mizrahi. Um comitê de autoridades, do qual Mizrahi faz parte, concluiu que alguns dos reféns foram mortos.

Autoridades israelenses afirmam que a logística da libertação será amplamente semelhante à da trégua anterior, quando 105 reféns foram libertados em troca de 240 palestinos presos em Israel.

Naquele acordo, combatentes do Hamas entregaram os reféns — na maioria mulheres e crianças — ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Funcionários da Cruz Vermelha transportaram os cativos de Gaza numa ambulância até o Egito, antes de levá-los a Israel.

Na travessia da fronteira, agentes de inteligência israelenses verificaram suas identidades. Ao mesmo tempo, as autoridades de segurança israelenses libertaram um grupo específico de prisioneiras e adolescentes palestinas.

Operação será diferente
Desta vez, as autoridades israelenses estabeleceram três pontos de recepção para receber os reféns ao longo da fronteira de Gaza, segundo um oficial militar israelense. Esses pontos serão equipados com soldados israelenses, além de médicos e psicólogos, disse o oficial, que falou sob condição de anonimato, conforme o protocolo.

De lá, os reféns serão levados aos hospitais israelenses que estão se preparando para atendê-los, disse o oficial.

Os 105 reféns libertados em novembro de 2023 voltaram para casa após cerca de 50 dias de cativeiro em Gaza. Eles chegaram a um país que havia mudado fundamentalmente; alguns souberam apenas na ocasião sobre amigos e entes queridos que haviam sido mortos no ataque liderado pelo Hamas.

Inicialmente, as autoridades israelenses buscavam reintegrar os reféns libertados o mais rápido possível, de acordo com Mizrahi. Agora, as autoridades de saúde recomendam que os reféns libertados permaneçam no hospital por pelo menos quatro dias, senão mais, afirmou ela.

Enquanto isso, os familiares dos reféns — alguns dos quais também sobreviveram ao cativeiro — só podem esperar.

“Da última vez, vimos a Cruz Vermelha transferindo os reféns, e alguns deles correram para os parentes, abraçando-os”, disse Einat Yehene, psicóloga clínica que trabalha com o Fórum de Famílias de Reféns, um grupo de defesa. “Desta vez, não será fácil nem parecido, considerando as condições físicas e emocionais que esperamos.”

Termos do acordo
Foi definido um período de seis semanas para a primeira fase do acordo, que inclui a retirada gradual das forças israelenses do centro de Gaza e retorno de palestinos deslocados ao norte de Gaza a partir do sétimo dia de trégua.

A previsão é de que os reféns sejam libertados gradativamente, com a seguinte divisão: no primeiro dia, três; no sétimo, quatro; no 14º, três; no 21º, três; no 28º, três; no 35º, três, com os 14 remanescentes na última semana da primeira fase.

Na sexta-feira, Israel divulgou uma lista parcial com o nome de 95 presos palestinos, que também inclui aqueles com cidadania israelense, que poderão ser libertados a partir das 16h locais (11h em Brasília) de domingo, como parte da primeira troca.

Os termos também exigem que, nessa primeira fase, 600 caminhões de ajuda humanitária sejam autorizados a entrar no enclave palestino, incluindo 50 com combustível; 300 deles serão destinados ao norte de Gaza. Autoridades da ONU, porém, disseram que aumentar o fluxo de ajuda humanitária a esse nível será desafiador. Restrições israelenses, saques, escassez de motoristas de caminhão e outros fatores dificultaram levar ajuda suficiente para Gaza, de acordo com as autoridades. O número atual de caminhões que entram em Gaza diariamente está bem abaixo de 600.

O acordo também diz que um mínimo de 60 mil casas temporárias e 200 mil tendas seriam levadas para Gaza durante a fase inicial. Centenas de milhares de palestinos no sul de Gaza têm vivido em tendas, abrigos improvisados, casas alugadas e apartamentos de parentes por mais de um ano. Muitos dos que planejam retornar ao norte provavelmente descobrirão que suas casas e bairros foram destruídos, especialmente os moradores de Jabaliya, uma cidade no norte de Gaza.

Haverá próximas fases?
Uma segunda fase começará a ser discutida no 16º dia da primeira fase. Ainda não se sabe ao certo como seria esta segunda etapa, mas há a previsão de que reféns homens, incluindo soldados e civis, seriam trocados por prisioneiros palestinos, com exclusão de condenados por assassinato na Cisjordânia. Também ocorreria a retirada total das tropas israelenses de Gaza e o início de uma "calma sustentável", definida como fim permanente de operações militares.

Uma eventual terceira fase incluiria retorno de corpos e reconstrução de Gaza supervisionada pelo Egito, Catar e ONU, embora ainda sem muitos detalhes.

Apesar do cessar-fogo interromper a guerra temporariamente, não garantirá o seu fim. Israel busca destruir o Hamas, que ainda mantém alguma capacidade de ação, mesmo após enfraquecido ao longo dos 15 meses de guerra. Também não está claro como ficará a permanência israelense na zona-tampão do enclave palestino.

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