'Alguns países usam internet para manter a hegemonia', diz embaixador da China no Brasil
Em entrevista ao GLOBO, Zhu Qingqiao afirma que seu país quer levar as relações bilaterais a 'um novo patamar' e acusa EUA de espionagem
Em entrevista ao GLOBO, o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao, afirmou que seu país quer levar as relações bilaterais a “um novo patamar”, com investimentos em novas áreas. Zhu também disse que Pequim é vítima de “fakenews” e afirmou querer o Brasil como parceiro no combate à desinformação.
Sem citar diretamente os Estados Unidos, o diplomata denunciou “países” que usam a internet como ferramenta para manter sua hegemonia e atender suas necessidades políticas. Ele também acusou os americanos de espionagem e negou que a China use o Brics para se tornar líder do chamado Sul Global.
A China tem sido o maior parceiro comercial e uma fonte significativa de investimentos para o Brasil há muitos anos. O estoque de investimentos é superior a US$ 70 bilhões (R$ 350 bilhões), em setores como petróleo e gás, energia elétrica, agricultura, infraestrutura, telecomunicações e tecnologia. "Vamos buscar criar mais pontos de cooperação para o crescimento em áreas de fronteira, como transição energética, economia digital, agricultura inteligente e de baixo carbono, biotecnologia, tecnologia da informação, inteligência artificial e aeroespacial", disse.
Alguns produtores de aço afirmam que a China é uma das responsáveis pelo excesso de oferta do produto. Como o país responde a essas críticas?
O excesso de capacidade na indústria siderúrgica é um problema global, com causas cíclicas e estruturais. A raiz do problema reside na falta de demanda por aço, resultante do crescimento econômico global persistentemente fraco. Ao mesmo tempo, a indústria siderúrgica de alguns países desenvolvidos já perdeu sua vantagem competitiva em termos de custos. A China sempre cumpriu as regras do comércio internacional e não subsidiou as exportações de aço. A competitividade das exportações dos produtos siderúrgicos chineses não resulta de subsídios governamentais.
Leia também
• Hamas anuncia balanço de 35.984 mortos na guerra de Gaza
• Ex-padre francês é condenado a 17 anos de prisão por pedofilia
• Incêndios em parque e hospital pediátrico deixam dezenas de mortos na Índia
O Brasil está negociando acordos para combater a desinformação e as fake news. A China está preocupada com a propagação de notícias falsas?
Alguns países utilizam a internet como uma ferramenta para manter sua hegemonia, disseminam informações falsas com base em preconceitos ideológicos e necessidades políticas e até mesmo abusam das tecnologias da informação para interferir nos assuntos internos de outros países, além de se envolver em atividades de roubo de dados e vigilância cibernética em larga escala. A China, maior país em desenvolvimento e nação com o maior número de usuários da internet do mundo, também é vítima de informações falsas.
Como assim?
Nos últimos anos, alguns atores da comunidade internacional, em total desprezo aos fatos e invertendo a verdade, fabricaram teses como a da “ameaça chinesa”, a do “colapso da China” e da “espionagem chinesa”. Essas notícias falsas serão derrotadas pela verdade. As fake news são um inimigo comum da sociedade internacional. Esperamos fortalecer o intercâmbio e o aprendizado mútuo com o Brasil sobre esse assunto, para que a internet possa beneficiar ainda mais a Humanidade.
A China pretende desempenhar um papel mais ativo na mediação de conflitos internacionais?
Com relação às questões internacionais e regionais, China e Brasil têm posições semelhantes e sempre mantiveram boa comunicação e coordenação. Em relação à crise na Ucrânia, a China mantém posição objetiva e imparcial e busca a paz através do diálogo. Na questão palestino-israelense, a China defende que a solução fundamental para o conflito entre Palestina e Israel reside na implementação da “solução de dois Estados” e no estabelecimento de um Estado palestino independente.
Como Pequim avalia a aliança entre EUA, Reino Unido e Austrália com o objetivo de conter a expansão da China na Ásia-Pacífico?
Esses países formaram abertamente um bloco militar, com a mentalidade da Guerra Fria, e sob o pretexto de manter a segurança e a estabilidade na Ásia-Pacífico. Isso não apenas aumenta o risco de proliferação nuclear e impacta o sistema internacional de não proliferação, como também intensificará a corrida armamentista na região, prejudicando a paz e a estabilidade. O objetivo é criar uma “Otan” em uma versão Ásia-Pacífico para manter a hegemonia, o que já provocou insatisfação e oposição de países da região. Apelamos para que parem de distorcer e difamar a China e que façam mais em prol da paz e da estabilidade regionais.
A China tem interesse em se tornar líder do Sul Global através do Brics+ (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito, Etiópia e Irã)?
A China sempre seguiu uma política externa de independência e de autodeterminação. Nunca se envolveu nem se envolverá em competições entre grandes potências, nem busca qualquer tipo de posição de liderança.
Como o senhor avalia as alegações dos EUA de que empresas chinesas, entre elas Huawei e TikTok, representam riscos à segurança e à privacidade, e que o Brasil deve ser cauteloso ao cooperar com elas?
Esta é uma teoria da conspiração fabricada nos EUA. A Huawei sempre manteve um ótimo histórico de segurança, não teve um único incidente de segurança cibernética. A China é um país de economia de mercado, e as empresas chinesas operam de forma completamente independente e competem de maneira justa. Os EUA têm um histórico sujo na segurança cibernética, fizeram até vigilância cibernética e espionagem em autoridades de muitos países e organizações internacionais, incluindo o Brasil. A aprovação nos Estados Unidos de um projeto de lei que exige que a ByteDance se desfaça do TikTok claramente mostra que as regras americanas visam a suprimir arbitrariamente empresas estrangeiras de excelência sob o pretexto de segurança nacional, colocando-se assim contra os princípios de concorrência justa e as regras do comércio e economia internacionais.