Logo Folha de Pernambuco

MUNDO

Aliados indicam à Ucrânia que será improvável recuperar território perdido para a Rússia

Dos EUA à Europa, crescem manifestações de autoridades e acadêmicos sobre um desfecho para a guerra sem que Kiev retome sua integridade territorial

Joe Biden e Volodymyr Zelensky durante encontro na Casa Branca, em 2022Joe Biden e Volodymyr Zelensky durante encontro na Casa Branca, em 2022 - Foto: Olivier Douliery/AFP

Quanto mais a guerra na Ucrânia se prolongar, mais difícil será para que seus aliados concordem em garantir a assistência necessária para vencer a guerra. É sobretudo nos Estados Unidos, com o desacordo entre Democratas e Republicanos em continuar com o apoio militar, onde se torna claro que a Ucrânia está cada vez mais enfraquecida na cena internacional.

A mudança no discurso do presidente americano, Joe Biden, no encontro com o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, em dezembro passado, em Washington, não passou despercebida.

— Continuaremos a fornecer armas à Ucrânia enquanto for possível — disse Biden, que até então mantinha a promessa de apoio “enquanto for necessário”.

Os países que compõem o G-7 comprometeram-se, em julho de 2023, a estabelecer planos bilaterais de segurança com a Ucrânia durante dez anos. O primeiro acordo foi apresentado em janeiro, com o Reino Unido. No entanto, o Washington Post revelou, em 27 de janeiro, que o plano de Biden, segundo fontes do governo, contempla um nível de assistência à Ucrânia que lhe permita travar os avanços russos, mas descarta a possibilidade de recuperar os 18% do território ucraniano nas mãos do Kremlin.

Mensagens a este respeito também chegaram da Alemanha. Christoph Heusgen, diretor da Conferência de Segurança de Munique (fórum de referência entre governos para debate sobre conflitos militares), ex-embaixador da Alemanha nas Nações Unidas e conselheiro da chanceler Angela Merkel, afirmou em 31 de janeiro que o fim do conflito passa inevitavelmente por uma situação como a dos acordos de Minsk, de 2015, em que foi acordado um cessar-fogo entre a Ucrânia e os separatistas pró-Rússia na região de Donbas.

— Já devemos pensar em como pôr fim a isto, temos de chegar a uma situação como a de 2015, quando Vladimir Putin reconheceu Petro Poroshenko como presidente da Ucrânia — disse Heusgen ao canal de TV ARD. — Putin disse que com este governo não quer fazer a paz. Isto tem de mudar, é preciso aceitar Zelensky. E este tem que saber qual preço está disposto a pagar, como em Minsk. Não vejo outra alternativa.

A rede de televisão americana NBC informou, em novembro passado, que em uma reunião de ministros da Defesa, diplomatas americanos e europeus perguntaram aos seus homólogos ucranianos "do que poderiam abrir mão para chegar a um acordo de paz com a Rússia". As fontes consultadas pela NBC indicaram que a discussão foi “delicada”.
 

Zelensky não mudou nem um pouco em relação à sua chamada Fórmula da Paz: o fim da guerra só será possível se Moscou retirar suas tropas da Ucrânia e devolver todos os territórios ocupados. A posição oficial dos governos aliados é que apoiarão as condições que a Ucrânia exigir para negociar com Moscou.

— Não podemos permitir que a Rússia vença. Devemos dar à Ucrânia o apoio que lhe permita negociar a paz nas melhores condições — disse o presidente francês Emmanuel Macron, em 20 de dezembro, admitindo que “há países europeus que possivelmente começam a duvidar” da chance de vitória de Kiev.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, afirmou na sexta-feira, na televisão Channel Zero, que não estava claro para ele se a península da Crimeia poderia voltar ao controle da Ucrânia, mas expressou confiança de que as províncias de Donbas seriam libertadas.

O problema da Ucrânia é que, como o próprio Zelensky reiterou em janeiro deste ano, nunca recebeu apoio suficiente para vencer a guerra, apenas para resistir. O orçamento da Defesa russo para 2024 é mais de três vezes superior ao da Ucrânia, considerando as melhores previsões para a transferência de fundos europeus e americanos. O comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas, Valeri Zaluzhni, escreveu um ensaio para a CNN no qual defende que o Ocidente não tem recursos suficientes e não fornece a assistência necessária para fazer recuar as tropas invasoras. A alternativa seria desenvolver uma nova estratégia de máxima eficiência com os recursos tecnológicos disponíveis, explorando especialmente o uso de drones.

“Devemos ter em conta uma redução no apoio militar de aliados-chave, que estão envolvidos nas suas próprias tensões políticas. Os arsenais de mísseis, defesas aéreas e munições de artilharia dos nossos parceiros estão cada vez mais esgotados”, escreveu.

Oleksandr Daniliuk, antigo conselheiro do Ministério da Defesa ucraniano e da liderança das Forças Armadas, publicou um artigo para o RUSI, um dos principais institutos de estudos de defesa do Reino Unido, alertando as vozes que sugerem que se aproxima o momento de negociar com a Rússia

“A ameaça de que a ajuda à Ucrânia acabe ou seja reduzida só aumentará no futuro”, escreveu. “Qualquer tentativa de concluir [a guerra] com um tratado de paz com a Rússia, segundo o qual a Ucrânia pudesse sobreviver apesar de perder território e soberania, seria outro acordo de Minsk, dando a Putin uma pausa estratégica para preparar uma nova agressão.”

Acadêmicos a favor da negociação
O jornal alemão Der Spiegel publicou, em dezembro passado, que o chefe da chancelaria alemã, Wolfgang Schmidt, apresentou em uma reunião, como exemplo da estratégia a ser seguida, as propostas do acadêmico norte-americano Samuel Charap, pesquisador do think tank RAND. Charap defende que a solução do conflito passa inevitavelmente por assumir que a Ucrânia não conseguirá recuperar todo o seu território, e que a guerra deve terminar o mais rapidamente possível porque, caso contrário, corre-se o risco crescente de uma escalada bélica que afete diretamente os países da Otan.

Charap não é o único que defende posições semelhantes no mundo acadêmico. Anthony King, diretor do Instituto de Estudos de Estratégia e Segurança da Universidade de Exeter, no Reino Unido, publicou em 29 de janeiro, no jornal Moscow Times, que a melhor posição para a Ucrânia “é uma estratégia defensiva agressiva”.

“A Rússia poderia manter as terras que invadiu ilegalmente, mas o preço de se tentar uma nova agressão seria catastrófico. A Ucrânia precisa assegurar o terreno que ocupa agora e tornar impossível à Rússia invadi-lo”, explicou.

“A Ucrânia tem direito à reintegração total dos seus territórios, o que seria desejável em um mundo ideal, mas será uma estratégia realista para 2024?”, pergunta King, ao que ele próprio responde: “Parece improvável. Uma estratégia ucraniana maximalista poderia enfraquecer o apoio ocidental, em vez de fortalecê-lo.”

Coreia como referência
Stephen Kotkin, professor da Universidade de Stanford e um dos mais renomados historiadores da história da Rússia e dos países que formaram o seu império, argumentou que a melhor opção para a Ucrânia é desistir, pelo menos temporariamente, dos territórios ocupados. A tese de Kotkin é que “o tempo de vencer a guerra” já passou e agora “a paz deve ser conquistada”. O precedente histórico mais semelhante, segundo Kotkin, seria o da península coreana, com uma parte, a Coreia do Sul, rica e com um modelo de democracia liberal que mostra o isolamento da parte norte.

O ex-comandante supremo das forças da Otan James Stavridis se referiu a isto numa entrevista em 28 de Janeiro. O almirante americano, segundo The Hill, indicou que o momento ideal para negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia virá depois das eleições presidenciais dos EUA, em Novembro de 2024. Stavridis observou que, na sua opinião, tudo indica que o conflito terminará com um divisão da Ucrânia, como na Coreia.

Mas há outra questão determinante: se a Rússia está disposta a negociar. Fontes do Kremlin explicaram, em dezembro passado ao The New York Times e em janeiro deste ano à Bloomberg, que Putin tinha transmitido à Casa Branca, através de canais não oficiais, o seu interesse em concordar com a paz, aceitando mesmo a adesão da Ucrânia à Otan. A Casa Branca descartou que Moscou esteja realmente interessada em abrir um processo de negociação.

Em um breve ensaio publicado em janeiro, o general da reserva norueguês Arne Bard Dalhaug resumiu o que a maioria dos analistas de defesa conclui: que a Rússia controla a guerra, vê o Ocidente como enfraquecido e, portanto, não tem incentivos para ceder.

“O Kremlin não vê razão para acabar com a guerra. As dúvidas ocidentais convencem Putin de que a Otan não tem energia suficiente para se envolver na guerra como a Rússia”, escreveu.

Veja também

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos
Ucrânia

Ucrânia pede sistemas de defesa para enfrentar novos mísseis russos

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível
Gaza

Hospitais de Gaza em risco por falta de combustível

Newsletter