Rio de Janeiro

Alvo de ataques da milícia, região abrange 43 bairros e concentra um terço da população do Rio

Sete bairros ficaram sitiados com ônibus incendiados; mais de um milhão de pessoas foram afetadas

Ônibus incendiados no Rio de JaneiroÔnibus incendiados no Rio de Janeiro - Foto: Rio Ônibus

A morte do miliciano Matheus da Silva Rezende, conhecido como Faustão, levou um rastro de caos na cidade: 35 ônibus, quatro caminhões, um trem e alguns automóveis foram incendiados, como forma de represália. Os veículos, transformados em carcaças, ocuparam ruas de sete bairros da Zona Oeste do Rio. Conforme o Censo 2010, a região era moradia de um terço da população carioca.

A Zona Oeste é a região mais afastada do centro urbano do município, mas a maior em extensão territorial. Saindo de Santa Cruz, por exemplo, são cerca de 70 quilômetros de distância até o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar, na Zona Sul, e 60 quilômetros até o Centro da cidade. Dos 164 bairros do Rio, um quarto deles (43) está na Zona Oeste. O mais populoso é Campo Grande, cuja região administrativa – que considera o bairro e arreadores – tem cerca de 500 mil habitantes, segundo o sistema DataRio, do Instituto Pereira Passos.

Apesar de uma região só, ela tem características distintas. Campo Grande, por exemplo, funciona como um centro urbano da região: possui o próprio “centro” e sub bairros, com extensa oferta de comércio e serviços, atraindo estudantes e trabalhadores de outros bairros e até cidades vizinhas.

Já Santa Cruz se destaca pela área rural e pela presença da indústria. Segundo o historiador André Luis Mansur, bairros como Inhoaíba, Cosmos e Paciência são regiões marcadas pelas remoções, com muitos conjuntos habitacionais.

"São vários contrastes. É uma região que arrecada muitos impostos, mas não recebe o retorno devido. A serra da Grota Funda, no Pontal, no Recreio dos Bandeirantes, funciona como uma barreira social que divide duas zonas oestes: a dos bairros mais nobres, como Recreio e Barra da Tijuca, e a dos bairros que sofrem com mais abandono do poder público, como Barra de Guaratiba, Sepetiba e por aí vai" avalia o historiador.

A região é cortada pelo BRT Transoeste, que cruza Santa Cruz e Campo Grande até a Barra da Tijuca, e um dos principais meios de transporte do local, além do ramal Santa Cruz do sistema de trens. Com os ataques desta segunda-feira a 35 ônibus – todos na Zona Oeste –, trens e composições do BRT, mais de um milhão de pessoas tiveram o deslocamento interrompido.

Onde nasce a milícia
Há quase 20 anos, nascia o termo "milícia". Criado por Vera Araújo, repórter no ramo investigativo há mais de três décadas, a palavra apareceu no título de reportagem na edição de 20 de março de 2005 do GLOBO: "Milícias de PMs expulsam tráfico", em matéria que mostrava como grupos de policiais tomavam o comando de 42 favelas da Zona Oeste do Rio, na região de Jacarepaguá e da Barra da Tijuca. O substantivo "miliciano" define os integrantes desse grupo armado.

Na ocasião, a atuação das milícias foi descrita como uma "nova ordem", que baniu os traficantes de drogas que espalhavam a violência pelas comunidades cariocas. Apresentando-se como uma "segurança" aos moradores, esse grupo de militares cobrava taxas de moradores e comerciantes, além de denúncias de ligações com grupos de extermínio e as máfias do gás e do transporte alternativo.

"A região tem um histórico de manter a tradição rural da cidade, com potencial agrícola forte. Campo Grande, por exemplo, era até pouco tempo conhecida como a área dos laranjais. Hoje tem um comércio grande, uma população extensa, mas também tem áreas rurais com pouco investimento do poder público. A Zona Oeste tem uma geografia complexa, grande e com menos infraestrutura, o que favorece a expansão de grupos criminosos, pela dificuldade de controle do Estado" avalia o historiador e professor Rafael Matoso.

Conforme o RioÔnibus, foram 35 coletivos queimados. Vinte deles são do município (sendo cinco BRTs). Segundo a Comlurb, um caminhão basculante que fazia a remoção de entulho foi incendiado quando passava pela Estrada das Agulhas Negras, em Campo Grande. O motorista e o gari conseguiram sair do veículo e estão em segurança.

A estação Santa Veridiana do BRT foi incendiada. Segundo a Mobi Rio, outras três paradas da Zona oeste sofreram tentativas de incêndio: Vendas de Varanda, Cesarão e 31 de outubro. Por conta dos ataques, o Transoeste teve circulação suspensa em quase todos os serviços.

Uma composição da SuperVia também foi incendiada, na estação de Tancredo Neves, na Zona Oeste, durante a noite de segunda-feira. Por conta disso, seis estações do ramal Santa Cruz foram fechadas: Benjamin do Monte, Inhoaíba, Cosmos, Paciência, Tancredo Neves e Santa Cruz.

Segundo a SuperVia, o fechamento foi devido à "violência instaurada na Zona Oeste", para garantir a segurança de colaboradores e passageiros.

"Um trem que saía de Santa Cruz sentido Central, às 18h04, foi abordado por bandidos nas proximidades da estação de Tancredo Neves. O maquinista foi obrigado pelos bandidos a abrir a porta, a descer da composição e teve que retornar à estação. Os criminosos atearam fogo à cabine de um trem. Todos os passageiros desembarcaram em segurança", informa a concessionária, em nota.

Mobilização dos Bombeiros
O primeiro acionamento aos Bombeiros foi às 14h49 e, desde então, multiplicaram-se ocorrências com fogo, com chamados para Guaratiba, Inhoaíba, Cosmos, Paciência, Santa Cruz e Campo Grande. Também há relatos de incêndio em ônibus no Recreio dos Bandeirantes. Ao todo, 15 quartéis foram acionados.

Um dos caminhões incendiados nesta segunda-feira foi parado por criminosos na Avenida Brasil, altura de Paciência, Zona Oeste do Rio. Testemunhas contaram que cerca de 20 homens armados, inclusive com fuzis, mandaram o motorista deixa o veículo, que estava carregado com material de construção.

O caminhão foi completamente destruído pelas chamas e restaram poucos sacos de cimento.

Autoridades se manifestaram
O governador Cláudio Castro se manifestou pelas redes sociais: "o crime organizado que não ouse desafiar o poder do Estado!", exclamou, depois de parabenizar os agentes envolvidos na operação.

"Não vamos parar! Nossas ações para asfixiar o crime organizado têm trazido resultados diários. Hoje demos um duro golpe na maior milícia da Zona Oeste", disse Cláudio Castro.

Já o prefeito Eduardo Paes compartilhou uma notícia dos incêndios nos coletivos. Na publicação, chamou de "burro" quem ateou fogo e ainda fez um apelo:

"Ou seja, únicos prejudicados: moradores das áreas que eles dizem proteger! Essa gente precisa de uma resposta muito firme das forças policiais! Como prefeito, apelo ao Governo do Estado e ao Ministério da Justiça para que atuem para impedir que fatos assim se repitam", disse Paes.

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