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Meio Ambiente

Amazônia virou Cerrado? Entenda mudança que pode liberar plantação na floresta

Assembleia do Mato Grosso aprovou o projeto que "converte" terras de um bioma no outro e flexibiliza desmatamento. Pesquisadores alertam que a medida pode afetar 9,6 milhões de hectares

A região de Alta Floresta - Parque Estadual Cristalino, no norte de Mato Grosso divisa com Pará, é atingida pela medida aprovada A região de Alta Floresta - Parque Estadual Cristalino, no norte de Mato Grosso divisa com Pará, é atingida pela medida aprovada  - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

A Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) aprovou nesta quarta-feira um projeto de lei que permite que áreas antes classificadas como Amazônia passem a ser identificadas como Cerrado. Caso seja sancionada, a nova legislação vai autorizar que os produtores rurais reduzam a Área de Reserva Legal (ARL). No Cerrado ela é de 35%, enquanto que na Amazônia é de 80%.

A alteração nos critérios de identificação de biomas para utilização rural pode afetar mais de 9,6 milhões de hectares — quase 10% do território mato-grossense, segundo o Observatório Socioambiental do Mato Grosso (Observa-MT). O texto foi aprovado com 15 votos favoráveis e 8 contrários.

Reserva legal
A ARL foi instituída pela lei 12.651/2012. A legislação determina que todo imóvel rural deve manter uma parte com cobertura de vegetação nativa, a Área Reserva Legal.

A justificativa para a manutenção das ARLs é o de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa.

A área do imóvel que deve formar a ARL varia conforme a localização da propriedade rural:

Amazônia Legal: 80%

Cerrado: 35%

Campos Gerais: 20%

Demais regiões: 20%

Tramitação

O texto original partiu de uma proposta do governo estadual que tratava sobre o aprimoramento da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) utilizada pelo estado para fins ambientais.

Entretanto, ao chegar na Comissão do Meio Ambiente da Assembleia Legislativa Estadual, o projeto de lei passou por mudanças a partir de um substitutivo apresentado pelo deputado estadual Nininho (PSD).

Segundo Edilene Amaral, consultora jurídica do Observa-MT, os parlamentares “decidiram rediscutir toda a requalificação da vegetação nativa sem nenhuma base científica”. A reportagem solicitou um posicionamento do parlamentar, mas não obteve retorno.

Alterações

O texto original foi apresentado à Assembleia Legislativa do Mato Grosso no dia 22 de maio, e recebeu parecer favorável da comissão ambiental, assinado pelo deputado estadual Carlos Avallone (PSDB), presidente do grupo.

A proposta somente mencionava a mudança na classificação da fisionomia vegetal para fins de definição de reserva legal em imóveis rurais. A medição passaria a ser do IBGE, que utiliza uma escala de 1:250.000. Atualmente, a escala do mapeamento adotado, do Radam Brasil, é de 1:1.000.000, ou seja, menos precisa.

O Radam foi um projeto iniciado na década de 1970 pelo governo federal para a pesquisa de recursos naturais, organizado pelo Ministério de Minas e Energia.

Pesquisadora do Observa-MT, Alice Thuaul classifica a aprovação do projeto como “lastimável”, já que a medida “vai contra todos os objetivos ambientais colocados pelo governo estadual”.

— Fica parecendo que esses objetivos são para inglês ver — diz a pesquisadora.

Procurado pelo Globo, Avallone afirmou que votou contra a medida. Segundo o parlamentar, o projeto “não foi estudado adequadamente” e teve posicionamento contrário da Secretária de Estado de Meio Ambiente (Sema), de ONGs e do IBGE.

— Acredito que o governo vai vetar integralmente o projeto — afirma Avallone.

Em nota, a Sema disse "esclarecimentos devem ser solicitados ao Legislativo Estadual, já que a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado". A secretaria ressaltou que, após o retorno do projeto ao governo, a medida será encaminhada para análise técnica e jurídica.

— Durante a tramitação na assembleia, a secretaria enviou à Comissão de Meio Ambiente uma nota técnica apontando possíveis irregularidades. Quando recebermos o projeto, a Sema vai reforçar o que já havia sido alertado, se posicionando a favor do veto da proposta — esclarece Mauren Lazzaretth, secretária de Meio Ambiente do Mato Grosso.

Vice-líder em desmatamento

Em 2024, a taxa anual de desmatamento no Mato Grosso alcançou seu menor valor desde 2013, segundo levantamento do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 1.271,03 km² desmatados no ano passado (21.85% do total na Amazônia Legal), valor inferior apenas ao registrado no Pará.

O estado também aparece na vice-liderança dos índices na Amazônia Legal na série histórica iniciada em 2008, com 25.778,30 km² desmatados (19,19% do total no período de 17 anos).

Dados do Inpe mostram que o Mato Grosso foi o segundo estado com mais focos de calor no país no ano passado. Foram 50.551 casos (18,2% do total), contra 56.070 registrados no Pará (20,1%).

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