Amorim responde à convocatória da Suíça para discutir guerra na Ucrânia
Assessor especial da Presidência praticamente descarta participação do presidente em encontro organizado pelos suíços em junho
O Palácio do Planalto ainda não bateu o martelo, mas as chances de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participe da reunião convocada pela Suíça nos dias 15 e 16 de junho para discutir o conflito entre Rússia e Ucrânia são baixíssimas.
O encontro não contará com a participação de representantes do Kremlin, o que, na visão do assessor internacional da Presidência, Celso Amorim, que esteve recentemente em Moscou e São Petersburgo (em sua segunda visita à Rússia desde que Lula assumiu novamente o poder), “gera ceticismo sobre o processo”.
Para o Brasil, frisou Amorim em conversa com O Globo, “é absolutamente básico conversar com os russos”.
"Os russos não aceitarão nada que seja apresentado a eles como fato consumado. Não entro no mérito de se é bom ou ruim, mas não será aceito. Temos de trabalhar pela paz possível, não ideal" disse o assessor presidencial, que em sua visita à Rússia conversou com seu par Sergei Lavrov, com quem mantém um diálogo fluido, e com o Secretário do Conselho de Segurança russo, Nikolai Patrushev.
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O evento para o qual a Suíça já convidou mais de 100 países, entre eles os que participarão da cúpula do G7 na Itália — na qual a presença de Lula ainda não foi confirmada —, alguns dias antes, surgiu por um pedido do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, um dos principais impedimentos para que o governo de Vladimir Putin aceite participar. Nem mesmo tentativas de países como China e Índia foram bem sucedidas, o que consolidou dentro do governo brasileiro a ideia de que a iniciativa servirá, apenas, para mostrar que propostas que não contem com a participação da Rússia estão fadadas ao fracasso.
No início deste ano, o Kremlin rejeitou publicamente a chamada “fórmula Zelensky”, apresentada pela primeira vez na cúpula do G-20 em novembro do ano passado, na Índia, e discutida pouco depois em Davos, no início de 2024. A proposta consta de dez pontos e inclui, entre outras coisas, a retirada das tropas russas de todo o território da Ucrânia, incluindo a Crimeia. A proposta também prevê a punição de criminosos de guerra e o pagamento de indenizações.
Em palavras da representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, “os 'princípios de paz para a Ucrânia' que os seus organizadores estão tentando desenvolver são a priori inviáveis, uma vez que são baseado em uma 'fórmula' absurda e inaceitável de Zelensky, que também estabeleceu uma autoproibição legal de conduzir negociações de paz com a Rússia”.
Viagem à China na agenda
O Brasil acompanha todos os debates, participou de encontros em Copenhagen para discutir o conflito (Amorim foi uma vez a uma das reuniões), mas está firme em sua posição de defender a presença da Rússia na mesa de negociações.
"Da maneira que a gente vê a situação, não haveria intenção de participação a nível presidencial, nem ministerial [na Suíça]" enfatizou Amorim, que depois de ter passado pela Rússia está preparando uma viagem à China, prevista para este mês.
Assim como não pretende aderir à proposta da Suíça, o Brasil considera muito positiva a ideia do governo chinês de organizar uma convenção para debater a guerra, com presença de representantes russos. A reunião ainda não tem data marcada, e tampouco está claro se seria uma cúpula de chefes de Estado, ou um encontro de ministros. Mas o assunto estará na agenda do assessor especial de Lula em sua visita à China, atendendo a um convite do chanceler chinês, Wang Yi.
Em suas conversas em Moscou, Amorim disse ter percebido “uma brecha que poderia permitir um diálogo” entre as partes em conflito.
"Claro que alguns poderiam dizer que é uma expressão de desejo, mas acho que há uma brecha na disposição para o diálogo, não em qualquer condição, mas há uma brecha [por parte dos russos]" comentou o assessor de Lula, que defende o envolvimento dos países do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e que incorporou recentemente novos integrantes, entre eles o Irã) nos diálogos que possam surgir nos próximos meses.
Antes e depois de visitar a Rússia, Amorim passou pela França e pela Alemanha e disse ter ouvido de seus interlocutores — assessores presidenciais em seus respectivos países — o interesse de que o Brics tenha um papel importante no processo.
"Na Europa existem muitos países que militam contra uma conversa [entre Rússia e Ucrânia], mas, por exemplo, o embaixador francês em Moscou foi à posse de Putin esta semana. Ao mesmo tempo, [Emmanuel] Macron faz declarações duras. Há um campo a ser explorado e um país como o Brasil pode ajudar" acrescenta o assessor presidencial.
Brasil vê Putin fortalecido
Até que ponto chega a suposta disposição ao diálogo do Kremlin é algo que não está claro, mas fontes do governo brasileiro afirmaram que existem dois territórios que a Rússia não estaria, em hipótese alguma, disposta a ceder: a península da Crimeia e a região de Donbass, controlada por grupos separatistas apoiados por Moscou.
O Palácio do Planalto, enfatiza Amorim, não se engajará em propostas que partam do “impossível”:
"Devemos partir do que é possível, e a partir dali alargar. Tenho um pouco mais de esperanças hoje do que há seis meses atrás".
Um dos fatos que despertou a esperança de alguns setores do governo brasileiro foi o acordo selado entre representantes da Rússia e da Ucrânia no final de abril para o retorno de 48 crianças deslocadas pelo conflito, iniciado em fevereiro de 2022. O entendimento foi selado pelos dois governos, com mediação do Catar. Em 2023, Putin e a comissária russa para a infância, Maria Lvova-Belova, foram alvo de ordens de prisão por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI) pela “deportação forçada” de crianças ucranianas.
Hoje, após mais de dois anos de conflito, o Brasil vê um governo Putin fortalecido, assegurou Amorim.
— O discurso de posse de Putin foi muito afirmativo. A Rússia passou por momentos nos quais o país esteve debilitado, com problemas internos, mas hoje não vejo isso — apontou o assessor de Lula, que além de conversar com francês e alemães, também manteve contatos com representantes do governo do Reino Unido, que o procuraram para saber detalhes de seus contatos com o Kremlin em Moscou.