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Argentina

Análise: primeiro pacote econômico de Milei é essencialmente fiscal e deixa dúvidas

Reunião da equipe econômica com bancos, nesta quarta-feira, será essencial para definir futuro da dívida do Banco Central e do mercado de câmbio, entre outros temas que continuam pendentes

Milei ganhou com 55% dos votos contra Sergio Massa, ministro da economia Milei ganhou com 55% dos votos contra Sergio Massa, ministro da economia  - Foto: Luis Robayo/AFP

O primeiro pacote de medidas anunciado pelo novo ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo, na noite desta terça-feira, poderia ser ilustrado com um dos símbolos da campanha do presidente de ultradireita Javier Milei, no poder desde domingo passado: uma serra elétrica.

Das dez medidas comunicadas por Caputo através de um vídeo divulgado nas redes sociais do Ministério da Economia, seis se referem a drásticos cortes de despesas do Estado, que dependem única e exclusivamente do Executivo. Existem, ainda, muitas incertezas sobre outras promessas feitas por Milei na campanha, entre elas a privatização de empresas públicas e o fechamento do Banco Central.

Para ambas, entre outras, o novo presidente precisa obter sinal verde no Parlamento e negociar com outros atores da economia, entre eles os bancos.

Nesta quarta-feira, a equipe econômica se reunirá justamente com representantes dos bancos que operam no país, e dessa reunião se esperam definições sobre a dívida do BC com as instituições e, a partir da solução desse enorme problema financeiro, esclarecimentos, por exemplo, sobre o futuro do mercado cambial — praticamente paralisado desde que Milei assumiu a Presidência.

Depois de duas horas de demora, que reforçaram a sensação de improvisação por parte do novo governo, Caputo transmitiu uma mensagem muito concreta e clara, alinhada com o discurso de posse de Milei. O mantra, mais uma vez, foi “no hay plata” (não tem dinheiro, em tradução livre).

— O primeiro pacote exibiu basicamente uma âncora fiscal para a economia, que é importante, mas insuficiente — explica Fernando Corvaro, professor do mestrado de Finanças da Universidade Di Tella, que já trabalhou com vários membros da nova equipe econômica.

O economista considera que o primeiro pacote de Caputo “confirmou a escassez de dólares e o excesso de pesos na economia. O ministro deu boas sinalizações, mas faltam muitas definições”.

— Milei tem um plano, o problema é que o presidente precisa negociar com muitos atores, internos e externos. A reunião com os bancos será crucial — acrescenta Corvaro.

De fato, o novo governo aplicou a serra elétrica no que depende apenas dele, porque em muitas outras frentes ainda está negociando. Milei se reuniu nesta terça com representantes do governo chinês, ao qual pediu que seja mantida uma linha de crédito acordada pelo governo de Alberto Fernández. Depois de atacar a China durante a campanha, o novo presidente teve de recuar por necessidade financeira.

Milei também está longe de renegociar o entendimento com o Fundo Monetário Internacional (FMI), essencial para definir o programa de pagamentos da dívida em 2024. Outras tantas medidas deverão passar pelo Congresso, e o pacote de projetos de lei ainda não está pronto.

O novo ministro da Economia liberou as importações — controladas e barradas pelo governo de peronistas e kirchneristas —, o que é uma boa notícia para o Brasil. O sucesso da medida dependerá, porém, de que a Casa Rosada consiga, com um dólar oficial agora a 800 pesos, que os exportadores liquidem suas divisas nos próximos meses. Para pagar importações é preciso ter dólares, e o BC, reiterou Caputo, está com suas reservas líquidas em negativo.

O ministro disse, como nunca antes se ouviu na Argentina, que o país sofre de dependência do déficit fiscal. Essa afirmação, na opinião do economista Andrés Borenstein, da empresa de consultoria Econviews, "vai no bom caminho".

— Gostei dos anúncios, sobretudo do dólar oficial a 800 pesos. Essa cotação deverá impulsionar os exportadores a liquidarem suas divisas. Acho que Caputo foi claro e concreto — frisa Borenstein.

O que o ministro não disse, porque não tem elementos para dizer, é quando será normalizado o mercado de câmbio na Argentina, nem o que acontecerá com todas as outras cotações que convivem no paralelo, sendo o dólar blue a mais importante delas.

O primeiro pacote de Milei focou no déficit fiscal, lembrando, em palavras de Caputo, que nos últimos 123 anos o país teve desequilíbrio fiscal em 113 anos. Como era esperado, serão cortadas transferências de recursos a governos provinciais, eliminados contratos de servidores públicos, suspenso o pagamento de propaganda oficial a meios de comunicação e suspensas obras públicas que ainda não tenham começado. A serra elétrica entrou em ação.

Para compensar, programas de ajuda social serão reforçados, porque como reconheceu Caputo, a inflação está avançando a um ritmo de 300% ao ano, e o país, se não cortar despesas e subsídios irá parar direto numa hiperinflação. A redução de subsídios vai impactar no bolso da classe média e dos mais humildes, que pagarão mais pelo transporte público, e nas contas de gás e eletricidade. A pobreza, atualmente em 41%, provavelmente vai aumentar.

Para Caputo, que trabalha em sintonia fina com o presidente, que é economista, “este é o caminho correto”. Mas faltam muitas definições, acordos e negociações para que o governo de Milei possa dizer aos argentinos que tem um plano para tirar o país do buraco. Até agora, mostrou apenas uma pequena serra elétrica.

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