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Anvisa avalia permitir uso de estoques de agrotóxico banido e associado a mal de Parkinson

Proposta, que flexibiliza proibição para permitir uso do volume já adquirido pelos agricultores, ocorre uma semana após herbicida ser proibido no país

AgriculturaAgricultura - Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Em meio à pressão do setor do agronegócio, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) irá discutir a possibilidade de permitir que agricultores utilizem estoques do agrotóxico paraquate, que teve o uso proibido no país na última semana. Até então, a previsão era que esses estoques fossem recolhidos em até 30 dias.

A medida ocorre dias após a própria agência confirmar o banimento do produto, em votação apertada entre diretores. Com a decisão, a produção, venda, importação e uso do paraquate estão vetados desde 22 de setembro.

A nova proposta, que flexibilizaria a proibição, foi apresentada pelo diretor-presidente substituto da Anvisa, Antônio Barra Torres, e incluída em pauta de reunião na próxima terça-feira (7).

Segundo documento da agência, a ideia é alterar a resolução que define o banimento para "tratar da utilização dos estoques em posse dos agricultores brasileiros para o manejo dos cultivos na safra agrícola de 2020/2021".

Não há ainda informação de quanto seria esse estoque. Segundo a reportagem apurou, a ideia inicial é que a medida valha para os agricultores, não para as empresas.

Atualmente, o paraquate é bastante usado em culturas como algodão, milho e soja, e é considerado um dos dez agrotóxicos mais vendidos do país. Análises da Anvisa, porém, apontam risco à saúde de produtores que lidam diretamente com o herbicida, como aumento na incidência de doença de Parkinson.

O tema deve ser tratado sem que haja análise de impacto regulatório, procedimento comum na Anvisa. Em documento, Barra justifica a medida devido ao que chama de "alto grau de urgência e gravidade".

A nova proposta coincide com a apresentação de projetos no Congresso para tentar derrubar a norma da Anvisa. Um deles, apresentado pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), da bancada do agronegócio, aguarda votação no plenário do Senado.

Uma primeira decisão por banir o paraquate, no entanto, havia sido adotada ainda em 2017, após uma revisão de estudos pela equipe técnica da Anvisa apontar riscos à saúde de agricultores.

A avaliação à época era de que o paraquate tem potencial mutagênico (ou seja, pode trazer mudanças no material genético) e traz risco de doença de Parkinson entre produtores que lidam diretamente com o material. Não há evidência de prejuízos à saúde da população ou de que o herbicida deixe resíduos nos alimentos.

Adotada a medida, a agência definiu um prazo de três anos como transição. Nesse intervalo, houve abertura para que o setor pudesse apresentar novos estudos -o que não ocorreu. Também foram adotados alertas nos produtos.

A possibilidade de adiar o banimento, no entanto, passou a ser analisada neste ano novamente em meio a pressão do Ministério da Agricultura, que também responde pelo registro de agrotóxicos, e de membros do setor.

O argumento é que pesquisas que poderiam trazer nova análise sobre riscos estavam sendo desenvolvidas, mas foram prejudicadas pela pandemia do novo coronavírus. O grupo também questiona a decisão da Anvisa.

"A Anvisa usa metadados para tomar essa decisão, que é uma escolha baseada em perigo e precaução. Ela simplesmente juntou um monte de estudos e fez correlação, e disse que pode dar problemas de mutagenicidade. Não foi a conclusão da Austrália, que fez nexo causal, ou dos Estados Unidos. Esse sistema quem usa é a Europa", afirma Fabrício Rosa, diretor-executivo da Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja).

Entidades da área de saúde e meio ambiente reagiram. A defesa é que, desde a decisão de 2017, há um número maior de evidências que apontam riscos à saúde e sustentam a proibição, e que é baixa a probabilidade de que novos estudos contrariem essa análise.

"Ele é proibido em outros países e tem efeitos tóxicos graves, tanto agudos quanto crônicos. São efeitos de contato do trabalhador, e de pessoas que moram em áreas próximas da área da pulverização", relata Karen Friedrich, do grupo de saúde e ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), citando como exemplo um aumento na incidência de Parkinson em agricultores e o aumento no risco de câncer.

Após análise em 15 de setembro, por três votos a dois, diretores da Anvisa decidiram então por manter o banimento. Na ocasião, a possibilidade de adotar uma medida extra para análise dos estoques chegou a ser citada por alguns diretores, mas ainda não tinha sido apresentada.

Na prática, a proibição já passou a valer.

Rosa diz que a defesa por usar os estoques ocorre devido à dificuldade em substituir o paraquate, o que deve levar agricultores a terem que misturar produtos diferentes e a um aumento nos custos.

"A Anvisa está proibindo no meio da safra", afirma ele, segundo quem o setor contava com a liberação dos estoques. "Não tem produto substituto em volume suficiente para atender os produtores."

Já Friedrich, da Abrasco, argumenta que não há motivo para novo adiamento. Ela lembra que a proibição era esperada desde 2017.

"Não faz nenhum sentido o setor estocar esse produto já sabendo que nesse mês de setembro teria a proibição, a não ser que tivesse uma expectativa de reverter a avaliação de alguma outra forma que não pela toxicidade", diz. "Manter e usar esse estoque é apoiar um artifício que o setor econômico viu de estocar um produto que saberia que seria proibido, e manter pessoas expostas."

A reportagem questionou a Anvisa sobre a nova proposta, mas a agência informou que não iria comentar.

Em nota, o Ministério da Agricultura afirmou que fará o cancelamento dos registros dos produtos à base do ingrediente paraquate nos próximos dias e "adotará as providências necessárias para o cumprimento da resolução da Anvisa."

O órgão justifica a ausência do cancelamento até o momento à necessidade de "aguardar respostas da Anvisa a algumas questões técnicas". A pasta não informou quais.

Questionado, o ministério disse não ter informações sobre os estoques. A reportagem também questionou o Ibama, que acompanhava vendas dos produtos, mas não recebeu resposta até o momento.

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