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Rio de Janeiro

Após contaminação de seis pessoas por HIV, Hemorio realiza segunda testagem em amostras de doadores

Órgão diz que os laudos definitivos serão emitidos ao final dessa segunda sessão de exames

Laboratório PSC atuou na análise de exames de seis órgãos contaminados com HIVLaboratório PSC atuou na análise de exames de seis órgãos contaminados com HIV - Foto: Rafael Campos/Polícia Civil do Rio

Depois da contaminação de seis pessoas por HIV após receberem órgãos transplantados no Estado do Rio, o Hemorio analisou as amostras reservas de 286 doadores e as análises preliminares constataram que não havia mais nenhuma amostra de sangue de doador de órgãos infectada por HIV. No entanto, o instituto está realizando uma segunda bateria de testes.

“Considerando a enorme relevância do caso e o rigor que o processo exige, a direção da unidade decidiu fazer uma segunda bateria de testes com cada uma das amostras para que não haja qualquer tipo de dúvidas. Os laudos definitivos serão emitidos ao final dessa segunda sessão de exames, que continua em andamento”, disse o Hemorio, em nota. A data de divulgação dos resultados ainda não foi informada.

Entenda o caso

Seis pessoas testaram positivo para HIV após receberem órgãos transplantados no Estado do Rio. A informação foi divulgada pela Bandnews no dia 11 deste mês e confirmada pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) ao Globo. O laboratório PCS Lab Saleme (que fica em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense), contratado por licitação via pregão eletrônico pela Fundação Saúde para atender o programa de transplantes, passou por uma fiscalização da Anvisa e foi interditado após serem encontradas inúmeras irregularidades. Com isso, os exames passaram a ser realizados pelo Hemorio.

Entre os transplantes feitos estão os de rins, fígado, coração e córnea. A notificação do primeiro caso foi feita no dia 10 de setembro. O exame para HIV de dois doadores havia dado negativo na época da morte, mas eles eram soropositivo.

Descoberta há um mês

A investigação da Secretaria estadual de Saúde do Rio sobre o caso começou em 10 de setembro desse ano e culminou com a interdição do laboratório. A secretaria informou que desde então tomou uma série de medidas, como suspensão dos contratos e a abertura de uma sindicância interna para identificar e punir os responsáveis.

Investigação sobre outros transplantes

Segundo a secretária estadual de Saúde, Cláudia Mello, após os novos exames apontarem diagnóstico positivo para HIV nos órgãos transplantados, amostras de mais 286 doadores serão analisadas para apurar se outros pacientes foram infectados:

— Sempre que um transplante é realizado, amostras reservas de sangue ficam guardadas no Hemorio. A testagem delas indicou resultado positivo, diferentemente do que constava no laudo da PCS. A partir de agora, vamos testar amostras reservas de mais 286 doadores, cujas coletas aconteceram de dezembro de 2023 a setembro de 2024 — disse, em entrevista ao Globo.

Descoberta de diagnóstico

Entre os seis pacientes infectados por HIV após o transplante, o que recebeu um coração apresentou sintomas e reações nove meses depois, dando entrada em um hospital da rede estadual com sintomas neurológicos. Após fazer inúmeros exames, ele testou positivo para o vírus HIV. Outros doadores estão sendo testados pelo Hemorio para saber se há mais casos registrados.

Quebra no controle de qualidade

Segundo o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, uma quebra no controle de qualidade dos testes de diagnóstico de HIV foi responsável pela infecção de seis pacientes. De acordo com Curi, o teste, que deveria ser realizado diariamente, estava sendo feito semanalmente visando a diminuir as despesas do laboratório de análises clínicas PCS Lab Saleme e aumentar o lucro. O delegado André Neves, titular da Delegacia do Consumidor, complementou destacando que os reagentes precisavam ser analisados sistematicamente. A falta dessa prática aumenta as possibilidades de problemas.

Capacidade técnica questionada

O laboratório PCS Lab Saleme teve sua capacidade técnica para produzir exames questionada por uma concorrente durante o processo de licitação que culminou na contratação da empresa pela Fundação Saúde, órgão vinculado à Secretaria estadual de Saúde do Rio. Segundo o recurso interposto por uma concorrente, o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos por contrato. O documento que faz parte do processo de concorrência aponta que o Dr. Saleme só conseguiu comprovar a execução de 581 mil exames por ano — e o edital previa pelo menos 628 mil.

O concorrente também argumentou que os atestados de capacidade técnica apresentados pelo laboratório não haviam sido emitidos por hospitais, mas sim por Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que "não realizam todos os exames exigidos em uma unidade hospitalar".

Contratos milionários

O laboratório PCS Lab Saleme assinou três contratos com o Governo do Rio que, somados, chegam a R$ 17,5 milhões. Dois deles foram realizados de forma emergencial, com dispensa de licitação. O terceiro contou com a realização de um pregão eletrônico. Todos preveem a prestação do mesmo serviço: a realização de exames de análises clínicas e anatomia patológica em uma série de unidades sob a administração da Fundação Saúde, órgão vinculado à Secretaria estadual de Saúde.

O valor recebido pela empresa do governo desde 2022, no entanto, é maior. Segundo o Portal da Transparência, mais de R$ 21 milhões foram pagos à empresa, entre parcelas dos contratos e termos de ajustes de contas. A empresa também atuava em ao menos outras 12 unidades de saúde estaduais, como hospitais, institutos e centros especializados.

Operação deflagrada

A Polícia Civil realizou, nesta segunda-feira, a operação Verum para o cumprimento de quatro mandados de prisão e 11 de busca e apreensão em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e na capital. A ação da Delegacia do Consumidor (Decon) teve como alvos suspeitos de envolvimento na emissão de laudos fraudulentos que resultaram no transplante de seis órgãos contaminados com HIV.

As investigações indicam que os laudos foram falsificados por um grupo criminoso e usados pelas equipes médicas, induzindo-as ao erro. Isso levou os pacientes a serem contaminados. Um deles morreu — as causas do óbito ainda estão sendo apuradas.

Penas para investigados

Os envolvidos são investigados por crime contra as relações de consumo (art. 7º, inciso VII da Lei 8.137/90), associação criminosa, falsidade ideológica, falsificação de documento particular e infração sanitária, entre outros.

Foram alvos de mandados de prisão da ação da Polícia Civil nesta segunda-feira: Walter Vieira, Ivanilson Fernandes dos Santos (ambos presos), Jacqueline Iris Barcellar de Assis e Cleber de Oliveira Santos, estes dois considerados foragidos.

Em depoimento, Walter Vieira atribuiu as falhas a erros humanos de três funcionários, e disse que está "consternado e que lamenta o impacto causado pelas falhas do laboratório". Já Ivanilson dos Santos afirmou que o laboratório passou a fazer testes de controle de qualidade de seus equipamentos semanalmente para economizar.

Laudos assinados

A assinatura de Jacqueline Iris Bacellar de Assis aparece em um dos laudos que atestaram que os doadores de órgãos não tinham HIV. Ela reconheceu que as rubricas nos documentos são suas, mas negou qualquer envolvimento no caso e disse que sequer é biomédica. Ela está entre os alvos de mandado de prisão na operação, não foi encontrada até o momento e é considerada foragida.

Parentes de deputado federal

Os sócios do PCS Lab Saleme são parentes do deputado federal e ex-secretário de Saúde do Rio Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho. Matheus Sales Teoxeira Bandoli Vieira, que é sócio-diretor da empresa e assinou contratos com o governo, é primo de Doutor Luizinho. Já Walter Vieira, outro sócio do laboratório e que foi preso durante a operação da Polícia Civil, é casado com a tia do político.

Doutor Luizinho foi secretário de janeiro a setembro de 2023. Desde janeiro de 2023, o laboratório recebeu pagamentos que somam mais de R$ 20 milhões do governo do Rio, segundo dados do Portal da Transparência. Em períodos eleitorais, Matheus faz campanha para o primo nas redes sociais. Em nota, o parlamentar admitiu conhecer os sócios do laboratório e afirmou que espera "punição aos responsáveis, independente de quem for".

'Ocorrência grave', diz Anvisa

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) definiu o caso como "ocorrência grave" e demanda atuação conjunta de autoridades. O órgão informou que prestou orientação técnica para que o PCS Lab Saleme fosse interditado pela vigilância local.

Investigações

Além da Polícia Civil, a Polícia Federal irá investigar a contaminação de seis pessoas após os transplantes. A apuração pela PF deve ocorrer uma vez que há afetação ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao Sistema Nacional de Transplantes.

De acordo com o Ministério da Saúde, "a situação está sendo tratada com extrema seriedade, visando cuidar dos pacientes e suas famílias e preservar a confiança da população nesse serviço essencial". No último dia 11, data em que o caso foi revelado na imprensa, a pasta informou que determinou uma auditoria urgente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denusasus) no sistema de transplante do Rio de Janeiro, além da apuração de eventuais irregularidades.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 5ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, instaurou, no último dia 11, um inquérito civil para investigar possíveis irregularidades na licitação do laboratório PCS Lab Saleme, incluindo a influência do ex-secretário de Saúde do Estado e deputado federal Doutor Luizinho, no processo licitatório. Além do serviço não prestado adequadamente.

O que dizem os citados

Em depoimento, Walter Vieira acusou três de seus funcionários de terem errado na emissão dos laudos dos testes para detecção do HIV, como antecipou Lauro Jardim em seu blog no GLOBO. Segundo o advogado Afonso Destri, que defende o preso, seu cliente afirmou que houve uma preparação incorreta do exame pelo técnico de laboratório Cleber dos Santos, que seria um biólogo capacitado para a tarefa. De acordo com o médico, um tubo utilizado para administrar o sangue coletado do doador de órgãos não teria sido adequadamente manuseado para que pudesse gerar o resultado correto. Assim, o “falso negativo” teria sido gerado e “liberado” por Cleber.

Sobre sua assinatura estar no laudo, Walter Vieira explicou ela foi inserida no documento porque ele foi o último a fazer outros exames, que não o de HIV. Esse teste foi feito em janeiro. Sobre o segundo laudo, o sócio da PSC disse que Ivanilson dos Santos identificou a reação positiva para o vírus, mas lançou o resultado errado no sistema do laboratório. Esse laudo foi assinado por Jacqueline de Assis, já que Ivanilson não teria credenciais para “liberar” o resultado. Esse resultado levou à infecção de três pessoas que receberam rins e fígado.

Em depoimento à polícia, Matheus preferiu se manter em silêncio desta vez. Ele deve depor ainda nesta semana, assim que sua defesa tiver acesso aos autos da investigação.

Em nota, o laboratório PCS Lab afirma que "abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso envolvendo diagnósticos de HIV em pacientes transplantados". O caso foi classificado como "um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969". A empresa ainda destaca que "informou à Central Estadual de Transplantes os resultados de todos os exames de HIV realizados em amostras de sangue de doadores de órgãos entre 1º de dezembro de 2023 e 12 de setembro de 2024, período em que prestou serviços à Fundação de Saúde do Governo do Estado". Ainda no comunicado, o PCS Lab afirma que "dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares".

Os outros citados no caso, até o momento, não se manifestaram.

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