Após contatos diplomáticos, AIEA vê redução no ritmo de produção de urânio enriquecido no Irã
Diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, no entanto, alerta para "ausência de avanços" em questões sensíveis como a explicação de resíduos de urânio enriquecido em locais não declarados
O Irã desacelerou a produção de urânio enriquecido em grau próximo ao de armas atômicas nos últimos meses, em mais um sinal recente de que o regime dos aiatolás poderá se engajar novamente em negociações sobre o seu programa nuclear. Inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) revelaram a diplomatas, nesta segunda-feira, que o estoque de urânio altamente enriquecido cresceu apenas 7% nos últimos 3 meses, o que foi considerado um avanço em relação ao índice de 30% registrado nos três meses anteriores. Foi a maior desaceleração desde que o país começou o processo de purificação do material radiotivo a níveis mais elevados em 2022.
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Os engenheiros iranianos ainda adotaram a medida incomum de diluir mais de 5% do estoque, de acordo com um relatório sigiloso de 12 páginas da AIEA ao qual a Bloomberg teve acesso. O texto também indica que o país paralisou planos de reconfigurar centrífugas que enriquecem o material a níveis mais altos.
A mudança de curso vem na esteira de meses de diplomacia conduzida em segredo entre Washington e Teerã, que levou a um entendimento para a libertação de presos americanos e liberação de bilhões de dólares em fundos iranianos congelados no sistema financeiro internacional.
Os Estados Unidos vêm sendo cautelosos em separar esses progressos de negociações formais, que estão paralisadas desde 2018. Mas o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, indicou que seu país pode estar aberto a discutir potenciais limitações em suas atividades nucleares com as potências mundiais.
O Irã já ajustou a produção de urânio para sinalizar abertura diplomática no passado e, na semana passada, o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, afirmou que a república islâmica deve estar pronta para manter comunicações com todos os outros governos, a exceção de um [uma aparente referência a Israel, que não tem o status de Estado reconhecido pelo governo iraniano]
O país islâmico começou a enriquecer urânio a 60% em retaliação pelo ataque a sua maior usina nuclear em Natanz, em 2021, do qual o governo iraniano acusou Israel. Ainda que seja abaixo da pureza de 90% necessária às armas nucleares, o índice está muito acima do teto de 300 quilos enriquecidos a 3.67% estabelecido pelo acordo com as grandes potências fechado em 2015, que acabou naufragando quando o ex-presidente americano Donald Trump abandonou o pacto e aplicou novas sanções. Os esforço da Casa Branca comandada por Joe Biden emperraram após alguns meses de conversas.
Fontes do governo americano já sinalizaram, no entando, que os EUA começaram a relaxar a aplicação de restrições a venda de petróleo, permitindo que Teerã recupere a produção aos níveis mais altos em cinco anos. Com a quarta reserva de petróleo do mundo, o Irã tem destinado a maior parte da produção para a China, na última década.
'Nenhum avanço'
O estoque de urânio enriquecido a 60% do Irã cresceu para 121.6 quilos, em comparação aos 114.1 quilos de junho, concluíram os inspetores da AIEA. O país também permitiu que equipamentos de monitoramento de alta precisão instalados pela agência em maio continuem a operar. Depois do conselho da AIEA avaliar o relatório, os contactos informais poderão continuar à margem da conferência geral da agência, que acontece em Viena, no dia 25 de setembro.
Um segundo relatório confidencial da agência, ao qual a AFP teve acesso, indica que pontos sensíveis ainda podem bloquear possíveis futuras negociações. No documento, o diretor-geral da AIEA, Rafael Grossi, lamentou não ter havido "nenhum avanço" sobre a reinstalação de câmeras de vigilância, apesar de seus reiterados pedidos. Em março, o Irã prometeu que reativaria os dispositivos, desconectados em junho de 2022, em plena deterioração das relações com as potências ocidentais.
Desde fevereiro de 2021, a AIEA está privada de um acesso "essencial" aos dados registrados pelas câmeras, uma situação com "consequências prejudiciais para a capacidade da organização de garantir o caráter pacífico do programa nuclear iraniano", defendeu Grossi.
O diretor também mostrou preocupação com "a ausência de avanços" nas investigações sobre a presença de partículas de urânio nuclear em dois locais não declarados por Teerã [ Turquzabad e Varamin] e instou o Irã a cooperar "de maneira séria e sustentável". No ano passado, esse ponto já foi motivo de impasse nas conversas para reativar o acordo de 2015.
A AIEA indicou ainda que, em 19 de agosto, a quantidade total de urânio enriquecido no país era de 3.795,5 quilos, o que implica em uma redução de 949 quilos em comparação com os dados do mês de maio. O montante, no entanto, segue sendo 18 vezes superior ao limite permitido pelo acordo de 2015.
— Isso não resolve a crise, porém a adia até que surja um espaço para a retomada de negociações substanciais — analisa Ali Vaez, especialista em Irã do International Crisis Group.