Após crise política, Afeganistão pode sofrer 4ª onda de Covid
Grande deslocamento de pessoas sem condições para manter o distanciamento é um dos fatores que aumenta as chances de transmissão do coronavírus
A OMS (Organização Mundial da Saúde) teme que a turbulência causada pela tomada de poder pelo Talibã no Afeganistão provoque uma quarta onda de mortes por Covid no país. O risco, de acordo com a entidade, foi elevado por ao menos cinco fatores.
O primeiro é o grande deslocamento de pessoas sem condições para manter o distanciamento, o que aumenta as chances de transmissão do coronavírus e também a dispersão da doença pelo país. Estão desalojadas cerca de 3,7 milhões de pessoas, ou cerca de 10% da população afegã, segundo a Comissão Europeia.
Desde o começo de 2021, a violência política e o avanço do Talibã fizeram 400 mil afegãos abandonarem suas casas, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas.
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O segundo fator de risco para uma quarta onda de pandemia é que apenas 2 milhões de afegãos (5% do total) receberam ao menos uma dose de vacina contra Covid, e apenas 400 mil foram completamente imunizada.
A baixa cobertura vacinal mantém alto não apenas o risco de um crescimento no número de casos mas também no de doenças graves e mortes provocadas pelo coronavírus.
A mortalidade também pode subir pelo menor acesso da população aos serviços de saúde, depois da tomada de poder pelo Talibã. Rana Hajjeh, diretora de operações da OMS no Oriente Médio, disse nesta terça que a insegurança derrubou a frequência de pacientes, principalmente mulheres e crianças.
A vitória do grupo extremista também fez algumas funcionárias afegãs da OMS deixarem o trabalho por medo, segundo o representante da entidade no país, Dapeng Luo. Apesar disso, 95% das cerca de 2.200 unidades mantiveram operações, nas 34 províncias afegãs.
Um quarto complicador é que os suprimentos médicos da OMS no Afeganistão vão se esgotar nesta semana, se os voos comerciais continuarem proibidos e a entidade não encontrar transporte alternativo, disse o diretor-regional, Ahmed Al-Mandhari.
De acordo com ele, cerca de 500 toneladas de remédios, equipamentos e alimentos estão parados em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, à espera de uma solução logística, e os estoques da OMS no Afeganistão já foram 70% consumidos.
A falta de ajuda humanitária é um problema sério no caso afegão porque metade da população -ou 18 milhões de pessoas- depende dela para sobreviver. Esse é o quinto fator que pode levar a um agravamento da pandemia, já que desnutrição e vulnerabilidade física atingem um grande número de habitantes.
De acordo com Dapeng Luo, mesmo antes do avanço dos talibãs o país já abrigava uma das três maiores crises humanitárias do mundo, por causa da fome, agravada por uma seca severa, e da pandemia de Covid.
Para tentar fazer chegar a ajuda humanitária, a OMS está negociando com três países a possibilidade de embarcar seus contêineres em voos que se dirigem a Cabul para repatriar seus cidadãos e funcionários afegãos de embaixadas, afirmou o diretor regional de emergências, Richard Brennan.
Por enquanto, a principal preocupação é com os desalojados dentro do próprio país, disse Al-Mandhari. Dados da OMS indicam que não houve grande saída de refugiados para países vizinhos, como Paquistão e Irã. "No entanto, estamos discutindo a questão com os vizinhos do Afeganistão e mobilizamos nossa equipe nesses países."
Também com o Talibã têm havido negociações, disse Richard Brennan, que se declarou "cautelosamente otimista". Segundo ele, o grupo extremista designou um alto representante para a área da saúde, que se reuniu com a OMS nesta segunda e pediu que a entidade e outras agências da ONU continue operando normalmente.
De acordo com ele, não há sinais de que o novo governo se oponha à vacinação contra a Covid, uma das prioridades da OMS. A entidade também está particularmente preocupada em manter avanços conquistados na saúde de mulheres e crianças, disse Brennan.
Nos últimos 20 anos, a mortalidade materna foi reduzida em dois terços, a infantil, em 50%. O Afeganistão porém ainda registrou um caso de poliomielite selvagem neste ano, e uma interrupção da vacinação infantil pode ter consequência graves.