Após resgate, papagaios raros são recebidos no Parque Pedro Nardelli, na Usina Utinga
Aves vão passar por um processo de adaptação para serem soltas na natureza
Pequena ave de plumagem verde no corpo, com partes vermelha, amarela, azul e arroxeada na cabeça, a "Amazona rhodocorytha", popularmente chamada de papagaio-chauá, é uma espécie que se tornou rara a partir de práticas predatórias nas áreas de Mata Atlântica ao longo da costa brasileira. Agora, esse gracioso animal ameaçado de extinção, originário do litoral que se estende do sul de Alagoas ao Rio de Janeiro, ganha uma nova chance de sobreviver, se procriar e voltar a povoar a natureza.
Por meio de uma iniciativa coordenada por pesquisadores de universidades e por empresas do setor sucroenergético com apoio do Ministério Público, ICMBio e Polícia Militar, 59 chauás resgatados de cativeiros ilegais nos estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro e Bahia - além de outras duas aves, que estão em Maragogi e se juntam ao grupo nos próximos dias - foram trazidos à região, nesta quarta-feira (8), onde vão passar por um processo de adaptação para serem reincorporados ao hábitat natural.
Todo esse trabalho será desenvolvido no parque zoobotânico do Centro de Educação Ambiental Pedro Nardelli, localizado na Usina Utinga, que fica no município de Rio Largo, a 28 km do centro de Maceió.
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Preparação e soltura
Após um processo inicial de adaptação na Universidade de São Paulo (USP), os papagaios desembarcaram no aeroporto da capital alagoana por volta das 11h desta quarta-feira (8). A exemplo do que foi feito, em 2019, com o mutum-preto, outra ave que figura entre as mais ameaçadas do mundo, os chauás ficarão em viveiros para serem cuidados e observados pelos próximos meses. A previsão é que, até o fim do ano, os primeiros espécimes sejam soltos no ambiente silvestre.
"Todos os papagaios, registrados e anilhados, vão formando casais aqui. Aqueles que nós vemos que estão voando bem e em condições de soltura vão para outro viveiro, mais afastado, e as empresas que recebem esses papagaios vão se preparar com a nossa equipe para fazer a soltura", explica Fernando Pinto, presidente do Instituto para a Preservação da Mata Atlântica (IPMA), sediada na Usina Utinga.
Os que se apresentarem menos propensos à vida na floresta permanecem nos criadouros para exposição e reprodução. "Tem bichos que ficaram por muitos anos em cativeiro e não conseguem mais se dissociar da presença humana. A gente vai saber quais são [a partir de] agora, aos médio e longo prazos", diz o professor Luís Fábio Silveira, curador do Museu de Zoologia da USP e responsável pelo transporte dos animais.
Mudanças climáticas
Uma vez retiradas da natureza pelo tráfico ilegal, as aves deixam de cumprir diversas funções ecológicas, que são fundamentais para a vida nas matas. "Esses bichos ajudam no recrutamento e dispersão de sementes, por isso contribuem para replantar a floresta. Eles também controlam a hiperprodução de frutos por algumas árvores", afirma o professor Luís Fábio Silveira.
Dessa forma, a conservação de espécies como a do papagaio-chauá tem ligação também com as mudanças climáticas. "Uma extinção pode ser pensada como uma parede de tijolos. Se você tirou um tijolinho, a parede não vai cair. Mas, se você tira dois, três, a parede cai, e de uma maneira que você não reconstrói. A nossa função é evitar que muitos tijolos sejam perdidos e a parede caia de uma vez só", analisa o pesquisador.
"Quando você começa a ter essas perdas em cascata, começa a sofrer as consequências ecológicas. Então, você tem eventos climáticos extremos, como estamos tendo em Pernambuco, que vão se tornar mais frequentes em intervalos mais curtos".
Conservação
A área onde funciona o parque faz parte da unidade de conservação mantida na Usina Utinga, a maior Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN) de Alagoas, com mais de 60 hectares.
"A gente vem trabalhando a questão ambiental desde 2009, quando o Grupo EQM adquiriu a usina", lembra o diretor operacional de Utinga, Eduardo Cunha. "Temos uma equipe de colaboradores que dá apoio ao pessoal e ficamos na vigilância da área da reserva, com o apoio do Batalhão de Polícia Ambiental. Tivemos um projeto exitoso com os mutuns e agora temos essas aves nativas que vão seguir o mesmo caminho".
Plano de ação
Com a chegada das aves, os órgãos e técnicos envolvidos no projeto se reuniram, no auditório da Usina, para iniciar a elaboração de um plano de ação estadual para a preservação da espécie. O promotor de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público de Alagoas (MPE-AL), Alberto Fonseca, disse que instaurou um processo administrativo para acompanhar a construção desse planejamento.
"O plano de ação é um norte do que precisamos fazer para criar as condições de retorno do 'Amazona rhodocorytha' às matas. Vamos colher sugestões, alterações e críticas para a formação desse documento final. Concluído esse trabalho, o plano vai para o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, que o homologa. A partir daí, construímos os protocolos sanitários, de cativeiro, fiscalização", explica, acrescentando que os mesmos procedimentos foram adotados em relação aos mutuns.
Ainda de acordo com o promotor, o setor sucroenergético já é responsável por mais de 40 Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs) no estado. "É interessante ver isso. Hoje, o que se pensava de poluição é uma matriz energética sustentável e renovável, e o que existe de mata muitas vezes foi preservada para fins energéticos. É um setor que usa tecnologias limpas, produz alimento e biocombustível e, com o trabalho de conservação, equilíbrio ambiental", observa Fonseca. "A gente pode começar a vislumbrar para o setor sucroenergético o equilíbrio do que se fala de desenvolvimento ambiental com justiça social".