Após tensões, diplomatas e assessores tentam abrir caminho para ida de Lula à posse de Milei
Existe um canal de diálogo aberto entre membros do governo brasileiro e a equipe de transição do futuro governo argentino
Nos últimos dias — e provavelmente nos próximos — representantes da diplomacia brasileira e argentina intensificaram contatos para, no curto prazo, criar condições que levem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a decidir presenciar a posse do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, no dia 10 de dezembro.
O segundo objetivo — tão importante como o primeiro — é garantir que com a mudança de governo no país vizinho as relações bilaterais não andem para trás. Desses esforços estão participando, entre outros, o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Júlio Bitelli, e da Argentina em Brasília, Daniel Scioli, que, segundo fontes argentinas, deve permanecer no cargo.
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Existe um canal de diálogo aberto entre o embaixador brasileiro e membros do futuro Gabinete de Milei, principalmente a futura ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino. Segundo O Globo apurou, os contatos são fluidos e neles existe coincidência sobre a importância de manter um vínculo bilateral forte, como ambição principal.
A presença de Lula na posse é vista como positiva pelos colaboradores de Milei, que disse, na noite desta quarta-feira, que, se for a Buenos Aires, o presidente brasileiro será bem recebido. Mas o convite ao ex-presidente Jair Bolsonaro — que viajará com uma delegação expressiva e pretende passar alguns dias na capital argentina é um fator que complica a equação.
A situação está evoluindo positivamente, disseram fontes que acompanham os movimentos. Desde que os esforços foram iniciados, surgiram novos elementos que poderiam contribuir com uma aproximação positiva entre Milei e Lula.
O presidente eleito da Argentina teve um contato telefônico com o Papa, a quem antes da eleição acusou de acobertar "ditaduras assassinas" durante a campanha, se referindo aos governos da Venezuela e Nicarágua, e estaria planejando um encontro com Francisco no Vaticano. Milei também conversou com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, apesar de sua pública admiração e defesa do ex-presidente americano Donald Trump, que já confirmou uma visita — ainda sem data — a Buenos Aires.
Se foi possível aparar arestas nas relações com o Papa e manter um diálogo civilizado com Biden, é possível imaginar que Lula poderia ser o próximo da lista. Mas o cenário ainda é incerto.
Em declarações à imprensa local, Mondino assegurou que o presidente brasileiro será convidado para a posse. O próprio Milei afirmou que Lula seria bem recebido na Argentina.
— Se Lula quiser vir [à posse] será bem recebido — declarou o presidente eleito em entrevista a um canal de TV local, quando foi perguntado pela eventual presença do chefe de Estado brasileiro.
Na noite de domingo, quando foi confirmada a vitória de Milei com mais de 55% dos votos, Lula publicou uma mensagem nas redes sociais parabenizando a Argentina por uma eleição democrática, sem mencionar o nome do eleito.
Durante a campanha, Lula nunca escondeu sua preferência pelo peronista Sergio Massa, mas tampouco atacou diretamente Milei. Já o então candidato à Presidência argentino referiu-se a Lula como corrupto e comunista, em uma entrevista ao jornalista de TV peruano Jaime Bayly. O presidente brasileiro não reagiu, e, segundo fontes do Palácio do Planalto, não vai reagir a eventuais futuras bravatas do argentino, que se considera amigo pessoal de Bolsonaro.
Nos bastidores, os esforços diplomáticos buscam acalmar os ânimos dos dois lados, e garantir que a relação bilateral comece bem. A tensão com o presidente brasileiro é uma das frentes abertas por Milei durante a campanha, e representantes do governo brasileiro e da equipe de transição argentina pretendem virar uma página difícil para os dois países.
Existe preocupação entre empresários dos dois lados da fronteira. No próximo domingo, Scioli receberá em Brasília uma delegação da União Industrial Argentina (UIA), que viajará com o objetivo de conversar com o embaixador sobre o futuro da relação bilateral. A possibilidade de que Scioli permaneça no cargo é grande, e os empresários querem saber o que esperar para os próximos meses.
Nos contatos entre o embaixador Bitelli e Mondino, que o visitou durante a campanha, o diálogo tem sido cordial e nota-se boa vontade dos dois lados, comentaram fontes argentinas e brasileiras. Com um Milei claramente mais moderado — por enquanto —, o objetivo é desanuviar o ambiente e permitir que o vínculo bilateral, pilar do Mercosul, comece em bons termos, deixando rixas passadas para trás. Os dois países compartilham uma agenda abrangente, que inclui, entre outros temas, o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), com o qual Milei, disseram fontes de sua equipe, está de acordo.
Também houve contatos com a diplomacia argentina encarregada do cerimonial da posse, para conversar sobre os eventos que estão sendo organizados e avaliar eventuais riscos para o presidente brasileiro, caso decida viajar para Buenos Aires. Outras duas opções seriam que o Brasil fosse representando pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, ou pelo embaixador em Buenos Aires.