Argentina precisa deixar de ser "mendigo crônico da dívida" e voltar a crescer, diz Massa
Em entrevista coletiva, candidato peronista à Presidência adverte que ultradireitista Milei é a favor de rupturas diplomáticas que teriam impacto muito negativos sobre o país, como a saída do Mercosul
Multilateralismo versus rompimento de laços diplomáticos. O candidato peronista à presidência da Argentina, Sergio Massa, situou sua visão das relações exteriores no extremo oposto da de seu rival, o ultradireitista Javier Milei.
— O que o mundo espera da Argentina é equilíbrio, racionalidade e certeza. O que o mundo espera da Argentina é temperança, multilateralismo e previsibilidade — disse Massa em uma coletiva de imprensa com correspondentes estrangeiros, a primeira realizada após sua vitória no primeiro turno da eleição presidencial no domingo, com 36,7% dos votos, em comparação com os 30% de Milei.
Leia também
• Libertário Milei busca votos na esquerda para segundo turno na Argentina
• Massa confiante e Milei à caça de votos frente ao 2º turno das presidenciais na Argentina
• Eleições na Argentina: entenda como as propostas de Milei e Massa podem impactar o Brasil
Massa colocou o economista ultraliberal no outro extremo, o da imprevisibilidade, considerando-o um líder que "propõe o rompimento do Mercosul, o rompimento dos acordos com a China, o rompimento com a Santa Sé sendo o Papa argentino, todas as coisas que não têm nada a ver com nossa idiossincrasia e com os valores que o cidadão argentino representa". Se chegar à Casa Rosada, Massa prometeu que uma de suas prioridades seria aumentar as exportações de bens e serviços argentinos.
O candidato peronista foi particularmente duro com a proposta de Milei de romper com o Mercosul, o bloco econômico do qual a Argentina faz parte juntamente com o Brasil, o Uruguai e o Paraguai. Durante a campanha eleitoral, o economista ultraliberal foi a favor de "eliminar o Mercosul porque é uma união aduaneira defeituosa que prejudica os bons argentinos". Na entrevista coletiva, Massa advertiu que essa medida teria um impacto muito negativo sobre o mercado de trabalho.
— Em termos da indústria automotiva, isso significa perder 150 mil empregos. Em termos do setor agroflorestal, isso representa a perda de 68 mil empregos — declarou.
Gustavo Martínez Pandiani, assessor de relações exteriores de Massa, acrescentou que cerca de 1.500 pequenas e médias empresas dependem do comércio com o Brasil e que isso precisa aumentar, não diminuir.
— Não vemos a política externa de um ponto de vista ideológico. Não vamos deixar de promover a Argentina em alguns países porque não concordamos com tudo — acrescentou após a coletiva de imprensa.
Caso se torne presidente da Argentina, Massa diz que impulsionará o comércio internacional com os principais parceiros, China e Brasil, mas também buscará crescer em mercados como o Sudeste Asiático, os países árabes e a África.
— A Argentina precisa deixar de ser um mendigo crônico da dívida e se tornar uma fornecedora de mão de obra. E isso, eu diria, é a coisa mais importante que assumirei como presidente. Minhas duas agendas serão focadas no trabalho para vender a Argentina ao mundo e na luta contra a insegurança para viver em um país com paz e ordem.
Voto feminino
O candidato está convencido de que tem chances de vencer no segundo turno, em 19 de novembro. Para isso, ele precisa atrair os votos dos candidatos que ficaram de fora da corrida eleitoral: a conservadora Patricia Bullrich, que obteve o apoio de 23,8% dos eleitores; o peronista dissidente Juan Schiaretti (7%) e a candidata de esquerda Myriam Bregman (2,7%). Milei entrou em contato com Bullrich no domingo para tecer uma aliança para "acabar com o kirchnerismo", mas não está claro quantos de seus eleitores ele conseguirá atrair.
— Os políticos não são os donos dos votos, o dono do voto é o cidadão. E quando alguém tenta se apropriar da vontade do cidadão, a primeira coisa que o cidadão faz é retirar sua confiança — enfatizou Massa.
No entanto, ele pretende manter o voto feminino, fundamental para sua vitória nas urnas.
— Quando você olha a composição do meu voto, você vai encontrar uma particularidade. A média de 37% que votou em nós é composta por uma grande maioria de mulheres. Tivemos quase 45% entre as mulheres e tivemos um pouco menos entre os homens, quase 30% — acrescentou, atribuindo essa votação à preocupação das mães com o futuro de seus filhos. — Elas não querem viver em uma sociedade em que a venda de órgãos e o livre porte de armas sejam o sistema de valores.
Massa reiterou seu desejo de liderar um governo de unidade nacional que não seja apenas peronista, mas que também inclua "o melhor de diferentes forças políticas, independentemente de suas origens", com o objetivo de criar políticas de Estado. Entre elas, ele prevê o equilíbrio fiscal, o cuidado com as reservas do Banco Central — hoje no vermelho —, uma política de desenvolvimento federal, acesso à moradia e cuidado com os setores vulneráveis, entre outras.
Otimismo para 2024
O ministro da economia traçou um cenário otimista para 2024, o primeiro ano do sucessor de Alberto Fernández à frente da Argentina. De acordo com suas previsões, as exportações aumentarão entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões, em grande parte devido à recuperação do campo após a seca histórica da última temporada e às exportações de gás. Se a previsão se concretizar, a entrada de moeda estrangeira permitirá reduzir as restrições às importações e à compra de dólares que estão em vigor atualmente.
Mesmo que o campo volte a produzir plenamente, o novo presidente terá que renegociar mais uma vez a dívida contraída em 2018 com o Fundo Monetário Internacional, dada a impossibilidade de pagá-la nos prazos acordados. Caso chegue à Casa Rosada, Massa antecipou que buscará negociar com o FMI um programa "associado ao crescimento e ao desenvolvimento" da Argentina.
O atual ministro da Economia disse que solicitará que o orçamento de 2024, que atualmente contempla um déficit fiscal primário de 0,9% do PIB, inclua um superávit primário de 1%, "decorrente do tratamento dos cortes de benefícios". O ajuste fiscal é uma das metas impostas pelo programa do FMI assinado em março de 2022 para refinanciar a dívida com a organização que, com juros, já chega a US$ 46 bilhões.