Argentina vive onda de saques, e porta-voz da Casa Rosada acusa partido de Milei de envolvimento
Candidata presidencial de oposição ao governo Patricia Bullrich disse que não pode ser descartado o estado de sítio; governo nega necessidade de medida extrema
Nos últimos dias, uma onda de saques a supermercados e assaltos fez os argentinos lembrarem das cenas vividas no país durante a hiperinflação de 1989 e a crise de 2001 e 2002, no momento em que a Argentina tem mais de 40% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
Os incidentes que ocorreram nas províncias de Buenos Aires, Mendoza, Córdoba, Neuquén e Rio Negro complicaram ainda mais a já turbulenta campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 22 de outubro, levando candidatos a falar até em estado de sítio.
O governo do presidente Alberto Fernández disse não saber ainda se existe uma organização por trás dos ataques, embora diferentes leituras dos acontecimentos tenham emergido da Casa Rosada. O ministro da Segurança, Aníbal Fernández, assegurou que o governo ainda não tem dados concretos.
Mas a porta-voz da Casa Rosada, Gabriela Cerrutti, acusou o partido A Liberdade Avança, fundado e liderado pelo candidato de extrema direta à Presidência Javier Milei, de promover “uma onda de roubos em massa”.
— Quando não tinha acontecido nenhum episódio concreto, Milei já dizia que estávamos como em 2001, que estavam ocorrendo saques descontrolados — declarou Cerrutti.
Leia também
• Brasil propõe garantir exportações para Argentina em moeda chinesa
• Quatro pontos-chave para entender a onda de saques na Argentina
• FMI aprova desembolso de US$ 7,5 bi para Argentina
A candidata a vice na chapa do Liberdade Avança, Victoria Villarruel, respondeu pedindo a renúncia da porta-voz por seus ataques a um candidato presidencial.
Em entrevista a rádios locais, antes da onda de saques, Milei assegurou ser “trágico que vinte anos depois voltemos a ver as mesmas imagens que vimos em 2001. Pobreza e saques são duas caras da mesma moeda”.
Cerca de 200 pessoas foram detidas em todo o país. Na província de Mendoza, autoridades informaram que os atos foram cometidos por “delinquentes que atuam de maneira organizada, com participação de menores”.
Na província de Buenos Aires, o governador kirchnerista, Axel Kicillof, que concorre à reeleição, afirmou que “os moradores e moradoras não participaram de forma expressiva”, tentando derrubar qualquer ideia de ação espontânea de pessoas que estão passando fome.
A também candidata à presidente Patricia Bullrich, da aliança opositora Juntos pela Mudança, que promete ordem e segurança se for eleita, acusou o governo de Fernández de ter perdido o controle e disse que não deveria ser descartada a possibilidade de decretar estado de sítio.
Enquanto governo e oposição trocam acusações, alguns movimentos sociais assumiram ter participado de saques.
O ativista Raúl Castells, que na crise de 2001 foi um dirigente relevante nas manifestações sociais contra o governo do ex-presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) e desde então continua no comando do Movimento Independente de Aposentados e Desempregados, reconheceu ter promovido ações de roubos de comida em supermercados da província de Buenos Aires.
— O fato criminoso aqui é que o quilo de bife à milanesa custe 4.200 pesos (R$ 32), que um quilo de batata custe mil pesos (R$ 7,6), um quilo de açúcar também mil pesos, que digam que estamos cometendo um crime é uma afronta ao povo da Argentina — disse Castells.
Segundo ele, “ninguém está roubando nada. Em Mendoza, Córdoba Neuquén, Santa Fe, Corrientes, Chaco, na capital federal, as pessoas estão saindo em busca de comida, e se não encontram comida nós, que estamos convocando este movimento, estamos dizendo que sem roubar dinheiro, sem quebrar nada, levem o que puderem [dos supermercados]”.
— Avisamos ao governo que se entregarem alimentos esse problema se resolve em 24 horas. Se não resolverem, voltamos a 1989, 2001, tudo de novo — enfatizou Castells.
Após os incidentes, o governo criou um comando policial unificado contra saques, e descartou qualquer possibilidade de adotar, como pediu Bullrich, medidas mais drásticas.