As emendas constitucionais e a PEC dos precatórios
Nossa Constituição atual é classificada doutrinariamente quanto ao critério da estabilidade como sendo rígida, e não flexível, pois o que se leva em conta para assim classificá-la não é a quantidade de emendas que possui, mas as exigências para aprovação de uma emenda.
Presentemente, a Constituição da República Federativa do Brasil (como tecnicamente tem de ser chamada) já conta com 112 emendas de reforma, mesmo que só tenha completado 33 anos. Estatisticamente, tivemos mais de três emendas por ano, o que sugere certa possibilidade de alteração. Entretanto, afora as seis emendas de revisão que foram previstas logo quando de sua promulgação, no texto original, todas as demais emendas que são tidas como de reforma exigem quórum qualificado tanto para que seja proposta quanto para aprovação.
O que muito se questiona é se, com tantas emendas já promulgadas, além de proposituras de alteração em curso, a Constituição já não seria flexível, ou até mesmo não restaria banalizada, em razão de tanta “mexida?" A resposta é NÃO.
Para se propor uma alteração no texto constitucional, há limitação no rol de pessoas legitimadas a tal, além da necessidade de pelo menos 1/3 dos membros de cada Casa Legislativa Federal (Câmara e Senado). Para ser aprovada, são necessárias duas votações em cada colegiado e o voto de no mínimo 3/5 dos membros, o que corresponde a 308 dos 513 deputados federais, e a 49 dos 81 senadores.
Além do requisito da legitimidade, há limitações de conteúdo, de tempo e de circunstâncias que impedem que certas matérias não possam sequer ser objeto de proposta de alteração para supressão de direitos, como são conhecidas as cláusulas pétreas.
Se o leitor ainda não se convenceu da seriedade do processo legislativo para que uma proposta de alteração seja levada até o fim, no Brasil, acrescentemos que a reflexão deve ser feita, enfatize-se, não em relação ao já avolumado número de emendas. O problema está na escolha e condução do que é levado a cabo, quando o assunto é alteração do texto constitucional. Isso passa pela falta de seriedade, transparência e ritual com que tramita no Legislativo. Não tem sentido, por exemplo, aprovar-se uma Proposta de Emenda, como a que já recebeu a primeira aprovação na Câmara, que trata do adiamento (para não dizer calote), que será dado no pagamento dos precatórios.
A PEC 23/2021 foi (mal) discutida, votada e aprovada em duas atropeladas sessões na Câmara dos Deputados, com sessões realizadas em horários diferenciados e com urgência e motivação questionáveis.
*Defensor Público e professor
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