Ataque a carro em Tel Aviv deixa sete feridos após aumento de tensões na Cisjordânia
O agressor, um palestino de 23 anos da Cisjordânia, foi morto a tiros por um civil
Sete pessoas ficaram feridas em um ataque a carro no norte de Tel Aviv nesta terça-feira (4). O agressor, um palestino de 23 anos da Cisjordânia que estava em Israel com uma licença médica, foi morto a tiros por um civil no local. O incidente acontece um dia após os piores ataques de Israel contra o território ocupado da Cisjordânia em quase duas décadas, com bombardeios aéreos e o deslocamento de cerca de mil soldados, deixando ao menos oito palestinos mortos.
Os feridos, incluindo uma mulher de 46 anos que sofreu ferimentos graves, foram levados a hospitais próximos. Algumas das vítimas foram feridas com facadas e outras com escoriações decorrentes do impacto do veículo.
O porta-voz do Hamas, Hazem Kassem, celebrou o ataque como uma "ação heróica", e "a primeira resposta aos crimes de Israel contra nosso povo no campo de refugiados de Jenin".
"Como a resistência já disse: Israel pagará o preço por seus crimes. O ocupante deve se preparar para contar seus mortos e feridos, pois o sangue de nossos filhos não é barato."
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À frente do governo mais de direita da História israelense, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ordenou a operação com prazo indefinido contra o campo de refugiados de Jenin, aprofundando uma escalada de violência que desperta preocupação internacional.
Os bombardeios aéreos, que não aconteciam em grande escala desde o fim da Segunda Intifada em 2005, começaram primeiro por volta de 1h (19h de domingo no Brasil), seguidos de avanços por terra com soldados, tanques e blindados, no que os israelenses chamaram de "esforço extensivo antiterrorismo". O Ministério da Saúde palestino já conta ao menos oito mortos, todos eles entre 15 e 23 anos. No último dia 19, Israel disparou mísseis de um helicóptero, em uma ação que deixou cinco mortos.
Cerca de 3 mil palestinos deixaram o acampamento de refugiados na segunda, de acordo com o vice-governador de Jenin, Kamal Abu al-Roub, que acrescentou que gestões eram feitas para abrigá-los em escolas e em outros lugares na cidade de Jenin. Juliette Touma, porta-voz da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinos, confirmou à AFP que moradores do acampamento deixavam suas casas.
Há ainda uma nona vítima fatal, um jovem de 21 anos, que morreu após um disparo das forças israelenses durante um protesto em Ramallah. Em Jenin, as autoridades dizem que há ao menos 50 feridos, 10 deles em estado crítico, mas as ambulâncias têm dificuldade para chegar até as vítimas diante do aparato de segurança lançado por Netanyahu contra a região ocupada desde 1967.
Os israelenses afirmam ter "neutralizado três terroristas" no campo de Jenin, lar de aproximadamente 14 mil pessoas, e disparado contra o que chamaram de "centro de comando operacional" dos combatentes das Brigadas de Jenin, associadas ao movimento armado palestino Jihad Islâmica. O local era o suposto quartel-general de planejamento, armazenamento de armas e comunicações do grupo, e fica nos arredores de prédios usados pelo braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados palestinos.
Criado há 70 anos para abrigar refugiados palestinos após a criação de Israel em 1948 e a guerra subsequente, Jenin tem menos de meio km² e é um dos bastiões da resistência armada palestina, berço de uma nova geração de combatentes articulada de forma mais horizontal. É também lar de centenas de integrantes de movimentos mais tradicionais, como o Hamas, a Jihad Islâmica e o Fatah, que possuem armas poderosas e numerosos artefatos explosivos.
Há relatos de que as Brigadas de Jenin, que reúne combatentes de diferentes facções no campo hiperlotado, faz frente aos israelenses e derrubou ao menos um drone. Correspondentes do canal de televisão al-Araby, do Catar, afirmam que o Exército israelense disparou propositalmente contra ao menos quatro jornalistas, que só foram retirados duas horas depois com a ajuda do Crescente Vermelho.
"O que está acontecendo no campo de refugiados é uma verdadeira guerra" disse à Reuters o motorista de ambulância Khaled Alahmad. "Houve ataques aéreos contra o campo, toda vez que entramos lá, saímos com cerca de cinco a sete ambulâncias que voltam cheias de pessoas feridas."
Autoridades locais disseram que, junto aos ataques desta segunda, a distribuição de água e energia para a região também foi interrompida. Parece não haver tanques dentro do campo de refugiados, apenas do lado de fora.
Em 2022, forças israelenses mataram mais de 170 palestinos nos territórios ocupados da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, o ano mais letal desde 2006. Até maio deste ano, os mortos já eram 156, despertando indagações de alguns especialistas se havia uma nova Intifada em curso — tensões que pioraram com a volta de Netanyahu ao poder em dezembro após um interregno de 18 meses. Em contrapartida, quase 30 israelenses morreram em ataques de combatentes árabes ou palestinos.
"Iremos continuar pelo tempo que for necessário, não há prazo por enquanto — disse Richard Hecht, porta-voz internacional do Exército israelense, que classificou a operação como um "amplo esforço antiterrorista" e disse que há de mil a 2 mil soldados em campo." O campo se tornou um vespeiro de terroristas.
Hecht disse ainda que o objetivo da operação é "romper com a mentalidade" de que o campo é um porto seguro para onde os integrantes de movimentos armados podem ir após atacar Israel — ao menos 19 suspeitos teriam se abrigado lá nos últimos meses. Segundo a agência de notícias Reuters, a operação deve durar ao menos mais 24 horas.
Os israelenses afirmam terem confiscado um lança-foguetes improvisado e destruído uma instalação de produção e armazenamento de armas. Dizem também ter encontrado "dois buracos subterrâneos" que escondiam munições dentro de uma mesquita.
Nidal Obeidi, prefeito de Jenin, disse à al-Jazeera que a situação é um "verdadeiro massacre", enquanto Nabil Abu Rudeineh, um porta-voz do presidente palestino, Mahmoud Abbas, chamou a operação de um "novo crime contra nosso povo indefeso". Segundo ele, o povo palestino "não se ajoelhará, não se renderá, não hasteará a bandeira branca e se manterá firme em sua terra diante desta brutal agressão". Mais tarde, Abbas anunciou a suspensão da cooperação de segurança com Israel, algo comum quando as tensões se acirram demasiadamente.
A Chancelaria palestina, em paralelo, pediu por meio de um comunicado "intervenção internacional e americana urgente para deter a agressão" israelense, condenando-a nos "termos mais energéticos". Por meio de um porta-voz, a Casa Branca afirmou que "acompanha a situação de perto", mas que "apoia a segurança de Israel e seu direito de defender seu povo contra o Hamas, a Jihad Islâmica Palestina e outros grupos terroristas".
"Tudo sobre a mesa"
Ainda não está claro se haverá uma resposta mais ampla dos grupos paramilitares palestinos, em particular do Hamas, movimento político e militar que controla desde 2007 a Faixa de Gaza. Em um comunicado, o Comando Conjunto das Facções de Resistência Palestina, que reúne os principais partidos políticos do enclave, afirmou:
"Pedimos que todo o povo nas cidades, vilarejos e campos, especialmente ao redor de Jenin, confrontem os ocupantes israelenses", afirma a nota. "Instamos os combatentes da resistência em todas as áreas a responder a qualquer agressão se a ocupação israelense continuar seus crimes contra nosso povo."
Ismail Haniyeh, chefe do escritório político do grupo, convocou os habitantes da Cisjordânia a "defender Jenin e proteger seus moradores dos inimigos". Ele não fez nenhuma ameaça clara, mas disse que "o sangue derramado na cidade decidirá a próxima fase em todas as direções e em todos os eixos".
Já a Jihad Islâmica, grupo por trás das hostilidades com o governo de Israel que deixaram 44 mortos em agosto do ano passado, disse que os ataques israelenses "não atingirão seu objetivo" e que "todas as opções estão sobre a mesa" para uma resposta. A cidade, completou a facção em um comunicado, "continuará a ser o símbolo da batalha e resistirá à ocupação".
"O que está acontecendo em Jenin é um massacre contra o povo palestino. As forçås de resistência (...) farão tudo ao seu poder para pôr fim [a isso]" disse o secretário-geral do grupo, Ziad al-Nakhalah, segundo o jornal Haaretz.
O governo egípcio disse que condena a operação militar em Jenin, classificando-a como uma violação da lei internacional, enquanto a Chancelaria turca disse temer uma "nova espiral de violência". A Organização da Cooperação Islâmica, que reúne 57 países (48 deles de maioria muçulmana), afirmou se tratar de um "crime hediondo" que é "extensão dos crimes e terrorismo estatal realizado pela ocupação israelense contra o povo palestino".
O enviado da ONU para o Oriente Médio, Tor Wennesland, disse que está em contato com todas as partes para desescalar a situação e garantir acesso humanitário. De acordo com o New York Times, autoridades israelenses também conversam com representantes da Autoridade Palestina e com o governo da Jordânia.
"Observamos de perto as ações de nossos inimigos e as forças de segurança de Israel estão preparadas para qualquer possibilidade" disse o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, sinalizando que o país terá um "enfoque proativo e decidido frente ao terrorismo" e anunciando que o país reforçou o estado de prontidão de seu sistema de defesa antiaérea nos arredores de Gaza.
56 anos de ocupação
Quase 6 mil km² da Cisjordânia foram ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando os israelenses tomaram também Jerusalém Oriental e mais de 20 aldeias no Leste da cidade. Conquistaram ainda as Colinas de Golã; a Península do Sinai, que seria devolvida ao Egito nos acordos de Camp David, de 1978; e Gaza, de onde os colonos saíram de forma unilateral em 2005.
As tensões são frequentes, mas nos últimos 20 anos Israel só havia adotado drones militares na Cisjordânia para fins de vigilância. O precedente, contudo, foi rompido no último dia 21, após os artefatos serem usados para matar três combatentes do braço armado do Hamas perto de Jenin. Seriam supostamente responsáveis por um atentado que deixou quatro colonos judeus mortos na Cisjordânia.
Há 21 anos, durante a Segunda Intifada, o acampamento foi palco de uma notória incursão de soldados israelenses que deixou 53 palestinos e 23 soldados israelenses mortos durante dez dias de combate. As incursões, mesmo que menor escala, vinham se intensificando nos últimos meses, tornando-se quase diárias — no último dia 23, a ONU alertou que a violência na Cisjordânia "ameaça sair do controle".
Um ponto de inflexão, contudo, parece ter ocorrido no dia 19, quando uma armadilha explodiu durante uma incursão que deixou sete palestinos mortos, danificando um blindado israelense. Soldados ficaram feridos, e um helicóptero abriu fogo contra o campo para facilitar a retirada dos soldados, algo inédito em quase duas décadas. A tecnologia do explosivo, afirmam analistas israelenses, era similar à usada nas últimas décadas no sul do Líbano.
Oficiais israelenses afirmam que mais de 50 ataques armados contra alvos israelenses foram realizados na área de Jenin nos últimos seis meses. Há uma semana, um foguete foi lançado contra uma comunidade israelense dos arredores do campo — apesar de ter explodido logo após ser disparado, foi algo sem precedentes. Tais artefatos são com frequência disparados de Gaza, mas os grupos na Cisjordânia ainda não haviam demonstrado a mesma capacidade.
A soma dos episódios parece ter levado os israelenses a concluírem que era necessário ir além, levando o governo a ceder aos apelos antigos de seus integrantes mais conservadores. A operação, contudo, tem o endosso até mesmo de críticos, com o ex-premier e líder da oposição, Yair Lapid, afirmando no Twitter se tratar de "um passo justificado contra uma infraestrutura de terror, baseado em inteligência precisa e de alta qualidade".
"O campo é uma zona de guerra no sentido completo da expressão" disse ao New York Times Muhammad Sbaghi, integrante de uma comissão local que ajuda administrar o campo de Jenin. "O Exército da ocupação mira contra nós de forma vingativa (...). As pessoas estão aterrorizadas. (Com El País e New York Times)"