"Até tu, Brutus?": Roma restaura sítio arqueológico onde ocorreu o assassinato de Júlio César
A cidade reabriu o sítio arqueológico do Largo Argentina, uma área sagrada com quatro templos onde ocorreu a conspiração e assassinato de Júlio César em 44 a.C.
O assassinato mais famoso da História aconteceu bem neste lugar, ao ritmo sincopado das 23 punhaladas que os colaboradores de Júlio César lhe infligiram na manhã dos chamados Idos de Março de 44 a.C. (data que atualmente corresponde ao dia 15 do mesmo mês).
O episódio precipitou o fim da longa fase republicana romana e o início do império estabelecido por seu sobrinho e herdeiro, César Augusto, após vencer a guerra civil contra Marco Antônio.
Um momento fundamental para História — também para a literatura, o cinema e o teatro — que, durante séculos, permaneceu enterrado no subsolo da Roma moderna e que, nas últimas décadas, foi prisioneiro do abandono e se transformou no lar de uma enorme colônia de gatos. Agora, 2.067 anos depois, o local — o sítio arqueológico do Largo Argentina — pode ser visitado.
A Prefeitura de Roma inaugurou recentemente a restauração da área, com quatro templos sagrados da época republicana — o período anterior ao imperador Augusto e pouco documentado — que emergiu durante as escavações para a construção de um novo bairro em 1926. Quando as ruínas foram descobertas, o Estado italiano, liderado por Benito Mussolini na época, decidiu parar a construção naquele ponto e preservá-las.
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O que é incomum neste sítio é que os templos que são preservados da antiga Roma geralmente eram reutilizados como igrejas, mas aqui, três dos quatro templos que são preservados em sua estrutura original não o são.
— E o fato de eles terem permanecido assim é quase um milagre — explica o superintendente de Bens Culturais de Roma, Claudio Parisi.
Uma passarela permite agora percorrer as ruínas à altura do pavimento original então utilizado: cerca de 20 metros abaixo do nível atual.
— Esse é um dos grandes valores desta intervenção, porque nos permite observar muitos detalhes como a sobreposição dos planos. Os diferentes materiais também falam desses períodos que em alguns lugares vão do século II a.C. até o final do século I — diz Parisi ao apontar o local que atrai todos os olhares.
Os quatro templos do local escondem ao fundo o que foi o Teatro de Pompeu, o local do crime.
— Essa era a parede que fechava a sala de aula do Teatro de Pompeu, onde o Senado Romano se reuniria naquele dia. Temos a certeza que assim é porque as fontes da época nos dizem que havia latrinas nas laterais. Sabemos que ele foi assassinado aos pés da estátua de Pompeu [que já foi seu inimigo] — explica Parisi. — César havia recebido maus presságios, mas decidiu ir assim mesmo, para seu infortúnio.
Um mau destino compartilhado por Calpurnia, sua esposa, que teve um sonho premonitório naquela noite, que, fundamentalmente, viu a cena que mais tarde se tornaria real. Supõe-se que o ditador levou em conta o aviso, já que sua esposa não era muito dada a esse tipo de invenção supersticiosa. Mas ele seguiu em frente com seus planos. "Você só precisa temer o medo", proclamou César enquanto se dirigia ao matadouro.
A Cúria de Pompeu, o Grande (106 a 48 a.C.), era um edifício quase quadrado, medindo 24 por 27 metros na base, onde se reunia o Senado durante a República Romana. Localizava-se ao lado do chamado Teatro Pompeu e estava ligado a ele por um pórtico. O local era presidido por uma grande estátua de Pompeu.
Assim, na manhã de 15 de março, ele e seus senadores se reuniram no local onde hoje está o sítio arqueológico recuperado. Lá, foi atacado, primeiro por Servílio Casca, que o atingiu de raspão com sua adaga no pescoço. Depois, por cerca de mais 30 senadores e conspiradores, incluindo Marco Junio Bruto (cuja mãe era amante de Júlio César). Daí a célebre frase: "Até tu, Brutus?".
A conspiração para assassinar César foi bem-sucedida, mas suas consequências foram exatamente o oposto do que os assassinos queriam. Um clássico também na política atual. Roma nunca recuperou sua liberdade e o filho adotivo do ditador, Octavio, estabeleceu uma monarquia imperial sob o nome de Augusto.
O Largo Argentina é agora um dos lugares-chave para entender a História de Roma. No entanto, isso só aconteceu depois que a marca de luxo Bulgari financiou a restauração da escadaria de Trinità dei Monti e, com parte do financiamento que sobrou, decidiu investir na abertura do sítio ao público. Com um milhão de euros, foi possível realizar a adequação de uma área tão incrível como o fato de que ainda não havia sido reabilitada anteriormente.
Parisi encolhe os ombros ao ouvir a pergunta incrédula e lembra que há, ainda, cerca de 230 áreas arqueológicas não "descobertas" apenas em Roma. Em uma cidade onde a unidade de medida é o século, nem sempre há tempo e dinheiro para tudo.