Aumenta a pressão contra Duque na Colômbia após uma semana de protestos
A repressão às manifestações deixou 23 mortos, mais de 800 feridos e 89 desaparecidos
Milhares de pessoas voltaram às ruas da Colômbia na quarta-feira (5) para protestar contra o governo do presidente Iván Duque, ao final de uma semana de manifestações que se tornaram violentas e deixaram 24 mortos, a maioria a tiros.
“Dói (...) o descaso de um governo surdo, que prefere mandar forças públicas, em vez de ajudar [o povo], prefere ajudar os bancos, as grandes empresas”, disse à AFP Héctor Cuinemi, estudante de 19 anos protestando em Bogotá.
Sob o escrutínio da comunidade internacional, que denunciou os excessos da força pública na repressão das manifestações, estudantes, sindicatos, indígenas e outros setores tomaram as ruas da capital Bogotá, assim como Medellín, no noroeste, e Cali, no sudoeste.
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Após uma semana de mobilizações o governo cedeu ao diálogo e aceitou reunir-se com os setores inconformes "na semana que vem", de acordo com o conselheiro presidencial, Miguel Ceballos.
Os tribunais superiores da Colômbia, incluindo a Suprema Corte de Justiça, a Corte Constitucional, o Conselho de Estado e a Justiça Especial para a Paz, pediram a inclusão de "todos os atores" do "protesto pacífico e mal-estar social" nas negociações.
"Milhares de manifestantes protegidos por máscaras chegaram de tarde à Praça de Bolívar, em Bogotá, nos arredores da sede presidencial. Um grupo tentou entrar no Congresso, mas foi dispersado pela polícia.
Reivindicações variadas
O que começou em 28 de abril como uma manifestação pacífica em repúdio a uma reforma tributária, retirada pelo governo após as críticas sociais, se transformou em um dos maiores protestos contra o governo conservador desde que chegou ao poder em 2018.
As reivindicações dos manifestantes são variadas: melhores condições de saúde, educação, segurança nas regiões, cessação dos abusos policiais contra manifestações, entre outros.
"A polícia está nos atacando (...), não somos vândalos", criticou Natália (36), sem dar seu sobrenome, que protestou com um grupo vestido de luto.
Na cidade de Pereira (oeste), um líder das manifestações foi assassinado a tiros e duas pessoas ficaram gravemente feridas durante um ataque ao fim dos protestos.
As mobilizações foram em sua maioria pacíficas, mas em algumas cidades tornaram-se violentas. De acordo com dados oficiais contados até terça-feira, pelo menos 24 pessoas morreram (23 manifestantes e um policial), 18 delas a tiros, mais de 800 ficaram feridos e 89 estão desaparecidos.
ONGs denunciam que a polícia atirou contra os manifestantes e que as mortes ultrapassam 30 pessoas.
As autoridades também registraram três policiais feridos por tiros.
Milhares de indígenas aderiram aos protestos em Cali (sudoeste) gritando "resistência". Músicos e artistas acompanharam a marcha massiva em Medellín (noroeste), que terminou em protesto.
Condenação internacional
A pressão nas ruas não cede, frente a vigilância da comunidade internacional que denuncia os ataques da polícia contra civis.
A ONU, a União Europeia, os Estados Unidos, a Anistia Internacional e a Human Rights Watch pediram calma e exigiram garantias do governo em meio aos protestos.
Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, também houve 76 ataques contra jornalistas, dez deles feridos pelas forças de segurança.
Bogotá viveu uma noite tensa na terça-feira. Trinta cidadãos e 16 policiais ficaram feridos após confrontos com soldados que deixaram 25 postos policiais afetados, segundo a prefeitura local.
A violência também estourou em Cali na segunda-feira, deixando cinco mortos e trinta feridos.
Segundo a promotoria, por trás dos excessos estão dissidentes das FARC que se desviaram do acordo de paz assinado em 2016; o ELN, a última guerrilha reconhecida na Colômbia, e as gangues de traficantes.
“Vimos eventos em que policiais foram baleados por armas de fogo. Isso não é um protesto, uma atitude dessa natureza é criminosa”, criticou Duque em declarações à Rádio Blu, respaldando as ações das forças de segurança.
Negociação pendente
Além das mobilizações e tumultos, houve bloqueios nas principais rodovias de Cali, causando desabastecimento de gasolina e preocupação com o deslocamento de caminhões que levam oxigênio e material médico em meio à pandemia.
O chamado Comitê de Desemprego, que reúne setores insatisfeitos, disse estar aberto à negociação direta sem intermediários com o presidente.
O Ministério da Defesa enviou 47.500 soldados para áreas de todo o país. Só em Cali há 700 soldados, 500 homens das forças antimotins (Esmad), 1.800 policiais e dois helicópteros adicionais. Desde o fim de semana, os militares também patrulham a capital.
Com a popularidade despencando (33%), o presidente Duque enfrenta protestos massivos desde 2019, assolado pelo descontentamento alimentado pela pandemia em um país que sofre mais de meio século de conflito armado.
Embora o presidente tenha retirado a iniciativa de reforma tributária e o Ministro da Fazenda renunciado, o mal-estar pós-conflito parecia se instalar em um dos países mais desiguais do continente, com desemprego de 16,8% e pobreza chegando a 42,5% da população.
"A fome também é uma pandemia, assim como a injustiça", declarou o estudante de sociologia Fabián Quiroga (22).