Psicomotricidade e autismo: como o brincar dirigido e os esportes ajudam no desenvolvimento
Prática envolve esportes e circuitos funcionais para estimular desenvolvimento motor e emocional nas crianças com autismo
Ao longo dos anos, a psicomotricidade tem se mostrado uma aliada poderosa no desenvolvimento de crianças e jovens com Transtorno do Espectro Autista (TEA), promovendo avanços significativos em diversas áreas do comportamento e aprendizado.
Ao integrar atividades motoras e sensoriais com abordagens terapêuticas, a prática facilita a melhoria da coordenação, da percepção corporal e das habilidades sociais. A abordagem contribui para aumentar a autonomia, a comunicação e a interação social daqueles que fazem parte do espectro, oferecendo um suporte essencial para o seu desenvolvimento integral e qualidade de vida.
A técnica surgiu como uma disciplina científica no início do século XX, fundamentada na base teórica de campos como a neuropsicologia, pedagogia e a fisioterapia.
No entanto, o desenvolvimento de maior relevância para os estudos da modalidade aconteceu durante as décadas de 1940 e 1950, principalmente na Europa, com contribuições de pesquisadores como Jean Le Boulch e André Lapierre, que exploraram a importância da integração entre o corpo e a mente no processo de aprendizagem e desenvolvimento humano. Esses pioneiros ajudaram a estabelecer a psicomotricidade como uma prática essencial em contextos educativos e terapêuticos.
Aplicação
No tratamento de crianças com TEA, o psicólogo e psicomotricista relacional do Grupo Ampliar, Tiago Barreto, explica que a prática funciona a partir do brincar de forma dirigida e acompanhada, estudando o indivíduo por meio do corpo em movimento.
"Trabalhamos desde as questões preventivas até questões onde a patologia já está instaurada, para minimizar possíveis riscos do desenvolvimento da criança a partir do brincar em movimento. Assim, utilizamos atividades dirigidas, semi dirigidas ou espontâneas, trabalhando questões relacionais e interpessoais", destaca.
De acordo com o especialista, a intervenção da psicomotricidade em uma criança diagnosticada com autismo estabelece uma evolução corporal e socioemocional no desenvolvimento global do indivíduo em terapia.
Tiago explica que, durante uma sessão de psicomotricidade, é preciso avaliar os sintomas e características do TEA - prejuízos na comunicação, nas relações sociais, comportamentos repetitivos e estereotipias.
"Trabalhamos com circuitos motores, em um brincar dirigido e estruturado, com início, meio e fim, onde vou poder atuar nas questões motoras com objetivo de proporcionar a interação social entre as crianças que estão nas sessões", detalha.
"Nesses momentos, elas aprendem o conceito de regras, de limites do corpo, tempo de espera e controle inibitório. Tudo isso a partir do brincar em movimento, onde a criança está aprendendo, sem a pressão do acerto".
Multidisciplinaridade
Outra vertente crucial no desenvolvimento das habilidades psicossociais e motoras de uma criança autista, por meio da psicomotricidade, é a capacidade de integrar diversas técnicas e abordagens terapêuticas na construção de uma rotina individualizada.
Quando combinada com outras modalidades de tratamento, como terapia ocupacional, fonoaudiologia e terapia comportamental, a psicomotricidade potencializa os resultados, promovendo uma abordagem multidisciplinar e personalizada, atendendo às necessidades específicas de cada pessoa com TEA.
"Dentro do trabalho com crianças neurodivergentes é primordial o acesso a uma equipe multidisciplinar, que traz um olhar ampliado de várias ciências diferentes para o tratamento daquela criança, o que enriquece a intervenção", reforça Tiago.
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Começar cedo
Além da interação com outras intermediações, a psicomotricidade se mostra ainda mais efetiva na vida das crianças dentro do espectro autista quando implementada ainda na primeira infância.
"É primordial a intervenção precoce, desde os primeiros anos de vida. Caso os pais detectem algum comportamento diferente do que é esperado para a faixa etária, é preciso realizar avaliação profissional e desenvolver os planos de ação da forma mais rápida possível para obter os melhores resultados", aconselha o psicomotricista.
Movimento
Foi devido ao aumento da demanda dos pais pela busca de tratamento que Kadu Lins tornou-se uma referência nacional no assunto.
Formado em Educação Física pela UFPE, com especialização em Ciência do Exercício pela Universidade da Califórnia e em Psicomotricidade pelo Instituto do Comportamento Infantil de Miami, Kadu é Diretor Geral do Instituto do Autismo (IDA), que atua como um centro de desenvolvimento psicomotor, social e afetivo para crianças, adolescentes, adultos autistas e seus familiares. Atualmente, o IDA possui sete unidades em Pernambuco, atendendo cerca de 600 famílias por mês.
Ele explica que, antes de trabalhar com autismo, nunca havia tido um contato aprofundado com pessoas dentro do espectro neurodivergente.
"Eu tinha uma academia chamada Instituto do Movimento e também trabalhava com crianças. Aos poucos, muitos pais de jovens autistas começaram a procurar a interação de seus filhos com os esportes na minha academia".
Com a necessidade de atuar em uma equipe multidisciplinar, Kadu decidiu investir em um ambiente especialmente voltado para esse público e se dedicar a criação do Instituto do Autismo.
Dentro do IDA, pessoas de todos os níveis de suporte do autismo são recebidas e encaminhadas para uma série de intervenções que envolvem a psicomotricidade, os esportes e as experiências sensoriais como base guia para o avanço motor e emocional.
"A psicomotricidade se utiliza de ambientes reforçadores, que é o termo usado para ambientes esportivos, para poder desenvolver as habilidades, seja na área de comunicação, cognição, coordenação ou até território motor", esclarece Kadu.
Nesses ambientes, ele explica que é importante saber como administrar a prática de esportes da maneira correta.
"Nem sempre é sobre a atividade, mas como ela vai ser feita. No futebol, por exemplo, é preciso estimular o lado direito e esquerdo da perna. Na natação, temos que apresentar estímulos com cores e números na água. Tudo tem que estar ligado com certas áreas do cérebro que serão estimuladas".
Os resultados, são casos de sucesso entre as crianças que participam frequentemente das terapias oferecidas dentro da instituição.
"Tem caso, por exemplo, de uma criança que não segurava um lápis porque não conseguia força para isso e, como consequência, não frequentava a escola por vergonha. Depois dos incentivos, ela conseguiu segurar o lápis e hoje vai para a escola. Tem outra que tinha uma timidez extrema e muita insegurança para fazer natação. Hoje, ele se tornou um medalhista nas olimpíadas que disputa".