Baixo estoque de sedativos faz Santas Casas suspenderem cirurgias e atendimentos
Santas Casas e hospitais filantrópicos a relatam estoques em níveis críticos e suspendem exames, cirurgias, transplantes e até o atendimento de novos pacientes de Covid-19
A dificuldade de obter medicamentos sedativos e relaxantes musculares já leva Santas Casas e hospitais filantrópicos a relatarem estoques em níveis críticos e suspenderem exames, cirurgias, transplantes e até o atendimento de novos pacientes de Covid-19 em algumas unidades especializadas. As ações ocorrem na tentativa de assegurar estoques para atendimento a pacientes com coronavírus e outros urgentes -para os quais também já há relatos de falta desses produtos em algumas regiões.
O alerta de risco de desabastecimento já havia sido feito por secretários de saúde e por alguns hospitais particulares, e foi reforçado agora por hospitais filantrópicos, que respondem por ao menos metade das internações de pacientes do SUS. O problema atinge medicamentos necessários para que pacientes com quadros graves de Covid-19 possam ser submetidos à ventilação mecânica. Sem isso, não há como fazer a intubação, e há risco de morte.
Os remédios, no entanto, também são usados em outros quadros gerais, como cirurgias e exames mais complexos -o que faz hospitais suspenderem esses atendimentos visando preservar, ao máximo, a assistência a casos urgentes. Os impactos já são sentidos na rede. Com baixos estoques, a Santa Casa de São José dos Campos suspendeu o atendimento de novos pacientes na unidade de tratamento de queimaduras. Com isso, novos pacientes precisam ser direcionados a outros hospitais.
"São pacientes em geral com 50% do corpo atingido, que usam muito analgésico. Não aceitamos mais casos novos, senão não temos para o paciente com coronavírus", diz o provedor da entidade, Ivã Molina. "Fizemos isso para resguardar o queimado que já está internado, e aquele com Covid."
Segundo ele, exames que também demandavam esses remédios também foram suspensos por tempo indeterminado. "Fizemos um levantamento e temos medicamentos para mais 10 a 15 dias, no máximo", afirma. "Tentamos comprar, mas não tem remédio na praça."
Relato semelhante ocorre na Santa Casa de Montes Claros (MG). "Tivemos que suspender cirurgias eletivas há dez dias por falta de abastecimento de anestésico. A gente tenta comprar e não consegue. Até atendimento a transplantes tivemos que suspender", relata o superintendente Maurício Souza e Silva.
"Sem esse medicamento, não tem como intubar o paciente e atender uma emergência", afirma ele, segundo quem os principais itens com baixos estoques são o brometo de rocurônio e pancurônio. "Fizemos uma licitação e temos um contrato de fornecimento com o distribuidor. Mas se faço pedido de dez, eles mandam três", relata.
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Em nota, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Filantrópicos afirma que o problema de escassez de sedativos e anestésicos "entrou em situação crítica" em unidades de todo o país. De acordo com a confederação, em muitas instituições, há medicamentos para menos de uma semana, e o uso já está sendo poupado para casos de urgência ou maior gravidade.
"O problema é seríssimo. Estamos sem conseguir comprar esses medicamentos, e já temos hospitais que estão parando, com centro cirúrgico fechado", diz o presidente da entidade, Mirocles Véras.
Segundo ele, as instituições têm tentado priorizar o atendimento de pacientes com Covid-19 em UTIs, já que os medicamentos são essenciais à esse grupo. Mas essa medida também fica sob risco. Em nota divulgada nesta semana, prefeituras e a Federação das Santas Casas do Rio Grande do Sul citam que a demanda pelos medicamentos nos últimos três meses em atendimentos de Covid no estado já corresponde ao volume utilizado em todo o ano passado.
"Ocorre que o acesso a tais medicamentos no mercado farmacêutico tem sido inviabilizado por duas causas principais: a primeira, a alta demanda, e, a segunda, os preços elevados", diz.
Uma ampola de propofol, por exemplo, que era comprada a R$ 6,98, foi adquirida recentemente a R$ 19,90. Antes do novo alerta de estoque em nível crítico feito pelas Santas Casas, o problema já vinha sendo divulgado por secretarias de saúde. Em geral, a responsabilidade pela compra dos medicamentos é de hospitais e de secretarias de saúde. O grupo, porém, têm relatado dificuldade de adquirir fornecedores e aumento de preço, o que levou a um apelo ao Ministério da Saúde na tentativa de uma compra centralizada.
Um primeiro alerta sobre a falta de medicamentos foi enviado ainda em maio ao ministério pelo Conass e Conasems, conselhos que reúnem secretários estaduais e municipais. Desde então, a situação tem se agravado.
"Nossas tentativas de compras são frustradas e continuam sendo frustradas", disse nesta terça (30) Elton Chaves, assessor técnico do Conasems, em audiência na Câmara dos Deputados.
Diante do impasse, parlamentares aproveitaram o encontro para cobrar representantes da indústria e distribuidores e soluções junto ao ministério e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). "A indústria nacional disse que tinha capacidade de abastecer o país, o que não estamos vendo. O sedativo não está faltando só para o paciente com Covid mas para o paciente geral em caso grave", afirmou a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC).
O ministério informou ter feito uma requisição administrativa do estoque excedente de empresas, o que permitiu envio de alguns produtos a alguns estados. Afirma ainda que organiza uma compra emergencial junto a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) no mercado internacional e que abriu uma ata de registro de preços para que secretarias que desejam aderir façam a compra por valores fixados por região. A previsão é que a ata seja finalizada em 15 de julho.
Durante o encontro, Veras pediu que haja espaço na ata também para compra por Santas Casas. O ministério não deixou claro se haverá essa possibilidade –a dúvida ocorre porque, embora recebam recursos e respondam por parte expressiva do atendimento no SUS, parte delas também atendem pacientes particulares.
Segundo Veras, os hospitais têm tentado fazer uma compra conjunta por meio da confederação, mas há dificuldade em conseguir fornecedores. Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, que reúne indústrias farmacêuticas, disse que as empresas estão produzindo, mas que o problema ocorre pelo aumento da demanda. "Cada novo respirador e leito precisa de analgésico. Tivemos uma explosão disso."
Ele fez um pedido para a rede de saúde apresente uma previsão de consumo nas próximas semanas para que as indústrias possam adequar a produção. Segundo ele, houve aumento de custo de produção das empresas. "Mas se alguma empresa está vendendo acima do preço máximo [permitido], isso precisa ser denunciado", disse.
Paulo Maia, presidente-executivo da Abradimex (Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares) afirmou na audiência não ter conhecimento de casos de venda acima do preço máximo permitido, mas afirmou que iria verificar os dados. Ele diz que o problema também atinge as distribuidoras. "Tenho informações sobre produtos que estão faltando e distribuidores não estão tendo acesso."
A diretora da Anvisa, Meiruze Freitas, disse que a agência requisitou informações junto a fabricantes sobre volume de produção e consumo para tentar buscar soluções ao problema. "Pode estar tendo problema pela quantidade hoje necessária nos hospitais", disse.
A representante da Opas no Brasil, Socorro Gross, disse acreditar que a compra do ministério junto à entidade, e que ajudaria a abastecer secretarias de saúde, seja finalizada em menos de 30 dias.