Barbie ganha sua primeira versão indígena no Brasil: veja o que ativista Maira Gomez achou da boneca
Novo brinquedo é lançado na semana em que a icônica boneca americana completa 65 anos
No próximo sábado, Barbie, aquela mesmo em que você está pensando, completa 65 anos. Para celebrar, uma das iniciativas da Mattel, que lançou a primeira edição da boneca mais famosa do planeta em 1959, foi a produção de itens únicos, que não são comercializados, de oito mulheres consideradas “modelos” de conduta.
A iniciativa amplia a série que já conta com quatro brasileiras, entre elas Jaqueline Góes de Jesus. A cientista participou do grupo que mapeou os genomas do coronavírus e do vírus da Zika. As outras foram a surfista Maya Gabeira, a professora Doani Bertain e a pop star Iza.
Agora, a primeira Barbie indígena da Amazônia ganha vida inspirada na brasileira Maira Gomez, influenciadora e produtora de conteúdo do povo Tatuyo. A boneca tem pinturas características no rosto e roupas típicas da região amazônica.
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Juntamente com a brasileira, as novas homenageadas com suas próprias Barbies são as atrizes Viola Davis e Helen Mirren, as pop stars Kylie Minogue e Shania Twain, a diretora e roteirista mexicana Lila Avilés (de “A camareira"), a modelo japonesa Nicole Fujita, e a comediante alemã Enissa Amani.
Maira, de 25 anos, é um fenômeno nas redes, com mais de 7 milhões de seguidores nas redes sociais, sendo 6 milhões no TikTok e outros 485 mil seguidores no Instagram de suas contas @cunhaporanga_oficial.
Para eles, Maira produz conteúdo voltado para a desmistificação da vida em comunidades indígenas da Amazônia, como a sua, às margens do Rio Negro, no estado do Amazonas.
Nos EUA, já existem Barbies inspiradas em uma mulheres indígenas. No mercado americano, é possível comprar a boneca inspirada em Wilma Mankiller, líder icônica da nação Cherokee que morreu em 2010, aos 64 anos, e a em Bessie Coleman, a primeira afro-americana e indígena a pilotar um avião, na década de 1920.
A série de homenageadas que inclui Maira e também celebra o Dia Internacional da Mulher, na sexta-feira, no entanto, entra na categoria “One of a kind” (“Exemplar único”, em tradução livre), e o objetivo é celebrar os feitos da homenageada, que fica com a edição única.
O jornal O Globo visitou a sede da Mattel, em El Segundo, no sudoeste de Los Angeles, nos EUA, na semana de lançamento. Por meio de um aplicativo de mensagens, Maira conversou com a reportagem sobre como reagiu à Barbie inspirada em sua personalidade.
Ela lembrou da infância, quando brincava com bonecas feitas de cuia, sementes e madeira por seus pais: "Jamais sonhei que um dia haveria uma boneca comemorativa inspirada em mim”, algo “enorme para a representatividade dos indígenas na Amazônia brasileira”, reagiu.
Veja a seguir os principais trechos da conversa:
Que mensagem vem embutida na “sua” Barbie?
A de que as meninas nunca deixem de acreditar em seus sonhos. Quando era criança, sonhava em ter uma boneca parecida comigo, mas nunca cheguei a acreditar, de verdade, que isso existia ou existiria um dia. E olha só o que aconteceu agora? É muito importante falar: aquele seu sonho de menina pode virar realidade. Sonhem e acreditem que vocês todas são capazes.
Você brincava de boneca quando criança?
Sim. Meus pais faziam brinquedinhos, incluindo bonequinhas com material coletado da própria natureza, como cuia, sementes, madeira para fazer as bonequinhas, para mim e para a minha irmã menor. E gostava demais de brincar na comunidade com nossas bonecas artesanais.
Construíamos a casinha, as mesinhas, é uma lembrança mágica que tenho até hoje da infância. Não tínhamos condição financeira para comprar as bonecas na loja, mas nossos pais conseguiram fazer o melhor possível para termos uma infância feliz.
Jamais puderam comprar as bonecas que eu queria à época, mas davam um jeito ótimo, com bonecas mas simples, caseiras, mas de enorme valor pra nós. Guardo essas memórias com muito orgulho. Eles foram os melhores pais.
E não havia bonecas indígenas…
Não. Na escola, ganhei algumas bonecas Barbie, inclusive, mas não eram, pois não existiam, indígenas. À nossa semelhança, a minha será a primeira, o que me deixa especialmente emocionada. Mas tínhamos as que nossos pais faziam.
Qual foi a sua reação quando viu a “sua” Barbie?
Não acreditei, fiquei sem palavras naquele momento. E pensei em todas as mulheres indígenas que estão lutando pelos seus direitos, colocando sua voz no mundo, através do seu trabalho, e que eu, acredito, represento também.
Fiquei muito, muito feliz mesmo. Neste momento, especialmente, a representatividade, para nós, é fundamental.
De que modo sua boneca contribui para a representatividade indígena?
Para a representatividade dos povos da floresta, é algo enorme. Vários povos originários hoje buscam contar suas histórias através de novos meios. Com a Barbie, estamos agora, os indígenas da Amazônia, fazendo isso também. É uma visibilidade para a Amazônia, para o estado do Amazonas. Fica a esperança de que as pessoas conheçam mais, valorizem mais as nossas culturas, e deixem de ter aquela visão “de antes”.
Nas redes sociais, eu e outros indígenas, estamos interessados em mostrar nosso cotidiano, contar nossa história, como a gente vive hoje em dia e as maneiras pelas quais a modernidade tem nos transformado. Que temos nosso trabalho de subsistência, o roçado, a pesca, a caça, que fazemos artesanato e trabalhamos com o turismo. Que somos isso tudo.
A Barbie Maira nos ajuda a dar mais atenção a nossas histórias e, espero, a fazer com que mais meninas, que mais famílias, se interessem pela gente.
Há aí uma responsabilidade…
Sim, claro! E, também, de certa maneira, a Barbie me ajuda a reafirmar que nossa luta é constante, e que precisamos seguir adiante. No nosso caso, mostrando nossa cultura, nossa história, para que mais pessoas entendam melhor de onde somos, nos respeitem e valorizem ainda mais.