Bebê morre em parto no Hospital Tricentenário, e mãe denuncia violência obstétrica
O sonho de ser mãe de Larissa Ferreira da Silva, 20 anos, foi bruscamente interrompido quando Lunna, sua primeira filha, morreu após um trabalho de parto de quase três dias e idas e vindas a hospitais em busca de um leito. Larissa registrou Boletim de Ocorrência (20E0116001845) acusando o Hospital Tricentenário, em Olinda, de negligência médica e violência obstétrica.
"A sensação está sendo muito dolorosa. Eu me preparei por meses para ser a melhor mãe que a minha filha poderia ter. Eu me preparei para amar ela, para cuidar dela, ajeitei as coisinhas do quarto dela, eu ainda não consigo entrar no quarto dela e eu tive meu sonho de ser mãe frustrado por negligência médica. Hoje eu poderia estar com minha filha nos braços e não estou", disse Larissa.
Segundo o laudo do hospital, ao qual a reportagem obteve acesso, Larissa foi submetida a parto cesáreo de urgência para realizar a "extração de feto feminino sem vitalidade". O documento acrescenta que a bebê não respondeu às manobras de reanimação.
O Boletim de Ocorrência foi registrado na Delegacia de Polícia de Rio Doce, também em Olinda. Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco informou que segue investigando o caso. A ocorrência foi registrada na última quinta-feira (12), quatro dias após a morte da menina. O BO qualifica a ocorrência como negligência médica, sob responsabilidade do Hospital Tricentenário. Larissa, que ainda sente fortes dores, além do luto, ainda não prestou depoimento.
Em busca de um leito
A via-crúcis de Larissa para ter sua filha começou quando ela passou a sentir fortes dores de contração, no último dia 6. Grávida de 40 semanas e três dias àquela altura, a jovem afirma que não queria procurar o Tricentenário, localizado perto da sua residência, por conhecer a "fama de matadouro", em referência às denúncias recorrentes envolvendo o hospital.
Primeiro, Larissa foi até à Maternidade Professor Barros Lima, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife. "Lá o médico foi muito ignorante comigo, disse que as dores que eu estava sentindo não eram dores de contração e que a minha bolsa ainda estava íntegra, que eu estava com dois centímetros de dilatação e que eu podia ir para casa e aguardar o verdadeiro trabalho de parto", contou.
Ao voltar para casa, as dores não paravam e Larissa não conseguia comer nem beber nada. Ela terminou procurando atendimento no Tricentenário pois "não tinha outra opção para ir". "Chegando lá, eu estava com quatro centímetros de dilatação, a bolsa estava íntegra, mas a médica me encaminhou para o [Hospital] Agamenon [no Recife] porque não tinha médico para realizar parto no dia", acrescentou Larissa.
No Hospital Agamenon Magalhães, em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife, Larissa conta que tomou remédio na veia para aliviar a dor. "A doutora disse que não eram dores de trabalho de parto, mas por que a criança encaixou. Aplicou a medicação e disse que a dor ia passar, mas não passou e eu cada vez mais fraca, não conseguia comer nada, tudo que botava para dentro vomitava e estava perdendo muito líquido, um líquido esverdeado", continuou Larissa.
A jovem, então, voltou para a Barros Lima e relata ter sido atendida pelo mesmo médico: "Ele só falava e não escutava e disse pra eu ir pra casa. Não ia me internar porque eu estava com quatro centímetros e sem dilatação. Disse que era pra eu ir pra casa e aguardar o trabalho de parto em casa. Voltei pra casa, não tinha o que fazer".
Larissa retornou ao Tricentenário, onde finalmente foi internada por volta das 23h do dia 7 de novembro. Ela relata que passou a madrugada gritando e implorando para que alguém fosse vê-la por não aguentar as dores.
“Sessão de tortura”
"Quando foi a manhã do dia 8, que trocou o plantão, veio outra equipe. Não escutaram mais o coração, ficaram chamando outros para ficarem tentando, para ver se alguém escutava o coração. Só depois de meia hora me levaram para a sala de cirurgia para fazer uma cirurgia de urgência porque não estavam mais escutando o coração", acrescenta a jovem.
Em seguida, Larissa conta ter passado por uma "sessão de tortura". Ela diz que teve os braços amarrados, enquanto a equipe médica afirmava ser este um procedimento normal para cesariana. "Eu não escutei a bebê chorar e todo mundo saiu da sala, me deixaram sozinha mais ou menos meia hora. Depois veio uma enfermeira, desamarrou meus braços e perguntei sobre minha filha e ela disse que depois a pediatra ia conversar comigo", continua Larissa.
A jovem foi levada para o corredor, onde recebeu a filha já morta. "O hospital e as enfermeiras não deram nenhum esclarecimento, só disseram que a bebê já saiu da barriga sem vida e não falaram mais nada. Não prometeram dar nenhum apoio".
Larissa agora espera justiça pela morte da filha. "Sei que não vai trazer ela de volta, mas quero justiça. Quero deixar recado para as mães que já passaram por isso, perderam seus filhos por negligência médica e sofreram violência obstétrica: falem, denunciem, lutem, façam justiça pela vida de seus filhos também", completou a jovem.
A advogada Flávia Andrade, que representa a jovem, espera que sejam tomadas providências em relação ao hospital. "Apesar de ser advogada, antes de tudo sou uma mulher, mãe, humana e hoje me encontro diante dessa situação, que é uma tragédia anunciada. O que espero é que o hospital seja interditado ou mudar toda a equipe ou mudar essa regra de parto normal a qualquer custo", disse.
O caso será denunciado ao Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) e ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). A reportagem tentou contato com o Cremepe, entidade que representa os médicos no Estado, mas, até a publicação deste texto, não houve retorno.
O que diz o Hospital Tricentenário
Em nota enviada à reportagem, o Hospital Tricentenário afirmou que direcionou o caso para a Comissão de Ética Médica, que irá apurar os fatos para que a unidade de saúde tome as medidas cabíveis.
"O hospital esclarece que no decorrer do trabalho de parto da gestante foi evidenciado líquido amniótico meconizado, sendo indicado um parto cesáreo, com RN sem vitalidade. Foram realizadas manobras de ressuscitação, sem sucesso. Como solicitado, a paciente recebeu uma cópia de seu prontuário via e-mail", afirmou o hospital.