Bicicleta e insegurança: onda de violência amedronta ciclistas em Pernambuco
Nas últimas semanas, os relatos de assaltos a ciclistas viraram rotina no noticiário pernambucano. Nos mais diversos casos, a ação criminosa segue um padrão
Movimentar as pernas, sentir o vento no rosto, respirar o ar livre e adentrar pela paisagem urbana entre os bairros. Quer atividade que dê mais sensação de prazer e liberdade do que o ciclismo? Seja para fins de prática esportiva, seja para se deslocar nos trajetos do cotidiano, sair de bicicleta por aí, com ou sem destino certo, é, para muitos, um momento de descontração. Ou deveria ser.
Nas últimas semanas, os relatos de assaltos a ciclistas viraram rotina no noticiário pernambucano. Nos mais diversos casos, a ação criminosa segue um padrão. A vítima - geralmente, uma mulher - está pedalando à noite quando um homem se aproxima, puxa a bolsa que ela segura e foge. Os riscos para quem sofre a violência são grandes. No dia 4 de janeiro, a publicitária Pietra Alcântara bateu com o rosto no chão ao ser puxada por um assaltante que pilotava uma moto no bairro da Jaqueira, na Zona Norte do Recife. Quatro dias depois, a jornalista Vanessa Bahé, de 43 anos, teve uma fratura exposta no cotovelo após uma abordagem semelhante no Espinheiro.
Diante disso, entidades ligadas ao cicloativismo realizaram um protesto, no último dia 10, no intuito de chamar atenção para o problema da insegurança. Uma dessas organizações, a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo), contabilizou 24 casos de assaltos, sendo 23 deles contra mulheres, entre a segunda quinzena de novembro e a segunda semana de janeiro.
Em nota, as polícias Militar e Civil de Pernambuco afirmaram que estão atuando nos locais das ocorrências e investigando os casos. “Na Jaqueira, por exemplo, o 11º BPM emprega guarnição ordinária, além das equipes de Contra Resposta, Motopatrulheiros e lançamentos a pé. Nas Graças, Espinheiro, Rosarinho e Encruzilhada, o 13º BPM atua com guarnições e motopatrulheiros, reforço com operações em pontos mais críticos e o apoio do GATI. Essa atuação tem prevenido investidas, além de prender suspeitos”, destaca a nota da Polícia Militar. A corporação ressalta que é importante as vítimas denunciarem os crimes.
Já a Polícia Civil informa que, dentro do Programa Pernambuco Seguro, foi designada uma equipe da Diretoria Integrada Metropolitana (DIM) para investigar os recentes casos de roubos na Zona Norte do Recife.
“A PCPE informa que as diligências necessárias estão sendo realizadas, inclusive já foram registradas prisões. No entanto, mais informações não podem ser repassadas no momento para não comprometer as investigações em curso”, detalha a nota.
A questão da segurança
Por mais que o ciclismo tenha ganhado destaque como meio de transporte nos últimos anos, a falta de segurança nas ruas continua sendo um obstáculo para o avanço da mobilidade cicloviária nas cidades pernambucanas. Para o advogado criminalista e professor de Direito Martorelli Dantas, da Faculdade Nova Roma, a solução passa, primeiramente, por um maior efetivo de policiais nas vias públicas. “É preciso que a gente caminhe numa resposta imediata à violência estabelecida porque a presença policial gera a certeza da punição. O que mais estimula o crime é a certeza da impunidade”, observa.
Outro aspecto importante lembrado pelo especialista diz respeito a outras questões sociais que têm impacto na segurança pública como um todo. “A criminalidade está associada, em qualquer sociedade, desde sempre, a uma reduzida oportunidade de emprego, cultura e lazer. Essa tríade coloca as pessoas em outra dimensão, em que a hipótese da prática de crimes é reduzida”, comenta Dantas. Ainda de acordo com o especialista, uma das formas de minimizar os riscos de um assalto é que as pessoas priorizem transitar em grupo (veja no infográfico).
A coordenadora da Ameciclo, Beatriz Brito, que utiliza a bicicleta como meio de transporte desde 2020, realiza algumas estratégias de segurança para se proteger e tentar evitar algum tipo de abordagem criminosa. Entre as dicas, estão utilizar a pochete na cintura virada para frente para esconder o fecho e usar mais alforges e bolsas que possam prender no bagageiro, na parte de trás da bicicleta ou no quadro.
Além disso, Beatriz recomenda que o ciclista ande com mais de uma pessoa ou em grupo pelas ruas do Recife. “Não é para ter medo de se locomover no Recife, mas é para ter esse cuidado, se puder sempre ter esse auxílio de andar com mais de uma pessoa ou andar em grupo. É andar sempre atenta ao movimento também, evitar estar muito desligada no processo todo na via. Tentar andar também em horários mais movimentados com mais pedestres e mais ciclistas, mais de manhã, mais a tarde, horários que a rua seja mais movimentada mesmo”, pontua.
“É necessário prestar atenção, mas não deixar de pedalar nunca, não desistir de ter essa independência como mulher na cidade, mas ficar atenta que é um período realmente muito violento que a gente está passando e esperamos que a prefeitura e o governo consigam ter esse cuidado a mais com a segurança das mulheres e dos ciclistas de uma forma geral”, acrescenta.
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Infraestrutura urbana
Como todas as áreas costumam estar conectadas, não há como separar o problema da insegurança com a infraestrutura da cidade. Em conversa com a Folha de Pernambuco durante o protesto de 10 de janeiro, a cicloativista Gaia Lourenço, que é coordenadora da Ameciclo e também foi vítima de uma abordagem neste mês, lembrou que boa parte da malha cicloviária é formada por ciclofaixas em vez de ciclovias, espaços totalmente separados da via para carros.
“No meu caso, o cara invadiu a ciclofaixa, porque só tem tachão segregando a via. Talvez, se eu estivesse em uma ciclovia, não tivesse o alcance para pegar minha bolsa com facilidade. Além disso, se há incentivos para reduzir a velocidade, o assaltante vai ter mais dificuldade para circular. Então, lombadas, intertravados no chão e outras medidas de intervenção urbana sempre vão apontar na direção da segurança”, argumenta.
A professora Anne Paes Leme, 28, integrante da Ameciclo, utiliza a bicicleta para trabalhar, estudar, se divertir, ir ao médico, entre outras atividades do dia a dia.
Em novembro de 2022, a professora sofreu uma tentativa de assalto no Recife de um motoqueiro quando estava indo ao supermercado à noite. Ela se sente apreensiva após as inúmeras ocorrências das últimas semanas na capital pernambucana.
“Eu estava indo de bike e pouco antes da Beberibe eu percebi esse motoqueiro, achei meio estranho, fiquei atenta, mas relevei. A gente acabou passando por uma esquina onde tinha uma viatura da polícia e eu meio que relaxei. Depois que eu cruzei a Avenida Norte, quando você passa ali a Beberibe, por trás da encruzilhada foi quando eu senti uma mão na minha pochete e na hora eu consegui segurar a mão dele”, afirma Anne.
Após o ocorrido, os dois caíram no chão e o suspeito afirmou que não estava tentando assaltar, apenas tinha enroscado a mão na pochete da vítima. Anne cortou o joelho e a unha do suspeito cortou o braço dela. Após o ocorrido, Anne resolveu ficar no mercado com medo do motociclista esperar ela. A professora fez um boletim de ocorrência on-line, mas o suspeito ainda não foi identificado.
De acordo com o gerente de Projetos Cicloviários da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), Antônio Henrique, mais de 600 mil pessoas trafegam de bicicleta diariamente na capital pernambucana. Para promover a mobilidade ativa e sustentável pelas ruas da cidade, são feitos investimentos e projetos na malha cicloviária.
“A Prefeitura do Recife tem investido muito na malha cicloviária da cidade. A gente está com 169 km de malhas conectadas, entre ciclofaixas, ciclovias e ciclorrotas. No total a gente tem cerca de 174.3 km de malhas cicloviárias, sendo somente 5 que ainda não estão conectadas. A gente está atendendo os pontos de interesse com essas malhas cicloviárias, que é o que estabelece o plano diretor cicloviário”, destaca.
“Em relação a infraestrutura, a gente está investindo em ciclovias como é o caso da Agamenon Magalhães, em ciclofaixas que é nas vias mais locais que aí tem um fluxo de ciclista como a rua Amélia, a rua do Futuro, e também ciclorrotas quando são espaços mais estreitos que a gente tende a colocar esse tipo de solução para que a gente tenha uma redução de velocidade para 30 km para poder compartilhar o espaço”, acrescenta.