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Amazônia

Biodiversidade amazônica pode ser celeiro global contra insegurança alimentar do planeta, diz artigo

Várias florestas tropicais se transformaram em gigantescos pomares, onde é mais fácil encontrar plantas úteis como alimento

AmazôniaAmazônia - Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil

A biodiversidade das florestas na Amazônia e mundo afora é importante não apenas como refúgio de espécies nativas ou para armazenar gases do efeito-estufa. Também pode ser vista como um celeiro global, com um papel importante para a segurança alimentar do planeta, afirma uma dupla de pesquisadores brasileiros.

Bernardo Flores e Carolina Levis, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), abordam o tema em artigo na edição desta semana do periódico especializado Science, um dos mais importantes do mundo. Os dois baseiam sua análise em trabalhos científicos interdisciplinares que ganharam massa crítica nas últimas décadas, revelando que a variedade de espécies vegetais da mata está longe de ser 100% "natural".

 



Na verdade, segundo tais estudos, a presença humana transformou várias das florestas tropicais em gigantescos pomares, nos quais é muito mais fácil do que seria esperado encontrar plantas úteis como alimento, remédio ou matéria-prima para o Homo sapiens.

No caso da Amazônia, esse processo fez com que 85 espécies vegetais (a maioria das quais são árvores frutíferas) tenham sido domesticadas em maior ou menor grau. Tais plantas são bem mais comuns que a média das espécies da região, estando presentes em 70% da bacia amazônica (contra 47% no caso das espécies arbóreas não domesticadas).

Tudo isso faz com que a bacia do Amazonas seja considerada um dos principais centros de origem da agricultura na pré-história, com contribuições de peso global como o cacau e a mandioca. Em locais como a Floresta Nacional do Tapajós, por exemplo, há uma associação clara entre espécies arbóreas com frutos comestíveis e a presença de antigos assentamentos indígenas, hoje abandonados – o número dessas espécies aumenta nas proximidades das velhas aldeias e cai quando o visitante se afasta delas.

Cenários parecidos existem em locais como a África tropical, a ilha de Bornéu e Papua-Nova Guiné, assinalam os pesquisadores. Em todos esses locais, a diversidade de plantas domesticadas e manejadas na mata é um componente crucial para a segurança alimentar das populações nativas. Os mesmos lugares, porém, também estão na mira da agricultura comercial e da produção em massa de uma ou poucas commodities.

Seria possível aumentar a competitividade econômica dos "pomares da floresta" para que eles não continuem a ser substituídos por soja, gado e dendê?

"As coisas ainda estão no estágio inicial, mas existe um potencial enorme para que essa diversidade de alimentos seja integrada em cadeias produtivas", diz Flores. "É claro que já existem casos como o do açaí e da castanha-do-pará, mas seria importante ampliar a gama de espécies."

Isso porque um dos principais trunfos das dietas tradicionais da floresta é justamente a diversidade de fontes de alimento, que se traduz em diversidade de nutrientes e, portanto, de uma alimentação com mais qualidade. "Com isso, você conseguiria aliar uma produção que mantém a diversidade da floresta com uma alimentação saudável, o que pode atrair consumidores preocupados com ambas as questões", diz Levis.

Para que isso funcione, no entanto, é imprescindível levar em conta os conhecimentos tradicionais das populações nativas, que possuem um cabedal de informações e práticas sobre manejar corretamente a floresta. "A alimentação e os sistemas de saúde não são só utilitários –envolvem outros valores e são parte importante da vida cultural dessas populações", explica a pesquisadora.

E, em muitos casos, os conhecimentos sobre vegetais úteis armazenados por esses sistemas culturais correm risco de desaparecer. A dupla cita outro estudo recente que mapeou a relação entre idiomas de populações nativas e o conhecimento sobre plantas medicinais.

O que acontece é que, com frequência, o que se sabe sobre determinado vegetal está restrito a apenas um idioma indígena. Se essa língua deixa de ser falada – coisa que está ocorrendo com cada vez mais velocidade na Amazônia e em outros lugares–, o conhecimento medicinal tende a desaparecer junto com ela.

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