Guerra

Bombardeios de EUA e Reino Unido no Iêmen alimentam meta de Houthis por "guerra regional expandida"

Horas após os bombardeios, membro graduado de milícia apoiada por Irã disse que os EUA e o Reino Unido perceberiam em breve que se engajaram na "maior loucura de sua História"

Manifestantes iemenitas gritam palavras de ordem durante um protesto na sequência dos ataques dos EUA e Reino Unido, na capital Sanaa, controlada pelos houthis Manifestantes iemenitas gritam palavras de ordem durante um protesto na sequência dos ataques dos EUA e Reino Unido, na capital Sanaa, controlada pelos houthis  - Foto: AFP

Os ataques lançados na madrugada desta sexta-feira (noite de quinta no Brasil) pelos EUA e Reino Unido contra posições dos rebeldes Houthis em retaliação a suas ações no Mar Vermelho eram exatamente o que a milícia do Iêmen queria, apontam especialistas que acompanham as ações do grupo apoiado pelo Irã. Segundo essa avaliação, é improvável que os ataques parem a campanha de ações do grupo contra navios comerciais, já que a milícia há tempos indicava esperar um confronto com Washington.

— Não houve erro de cálculo dos Houthis: este era o objetivo — disse ao jornal The New York Times Hannah Porter, uma pesquisadora sênior do ARK Group, uma companhia britânica que trabalha com desenvolvimento internacional. — Eles esperam ver uma guerra regional expandida, estão ansiosos para estar na linha de frente.

Yahya Sarea, porta-voz militar da milícia, disse que um total de 73 bombardeios atingiram a capital iemenita, Sana, e quatro outras regiões, matando cinco combatentes e ferindos outros seis. Horas após os bombardeios, Mohammed al-Bukhaiti, um membro graduado do grupo, disse que os EUA e o Reino Unido perceberiam em breve que se engajaram na "maior loucura de sua História":

“Iêmen não é um oponente militar fácil que possa ser derrotado rapidamente", disse al-Bukhaiti em uma postagem na rede social X (antigo Twitter). “O país está pronto para entrar em uma batalha de longo prazo que mudará a direção da região e do mundo."

O Comitê Político Supremo dos Houthis disse que os ataques "violaram todas as leis internacionais" e alertaram que "todos os interesses americanos e britânicos se tornaram alvos legítimos" para a milícia. Essa ameaça velada parece se referir às instatações militares americanas em países vizinhos, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, onde os Houthis lançaram ataques bem-sucedidos no passado. Em uma entrevista ao canal catari Al-Jazeera, Abdul Salam, um porta-voz do grupo, disse que as forças Houthis não terão como "não responder a essas operações".

— Agora, a resposta sem dúvida será maior.

O grupo aprimorou suas capacidades militares durante anos de guerra civil. Em 2014, os Houthis — que professam uma ideologia religiosa inspirada em uma seita do Islã xiita — tomaram o controle da capital, Sana. Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita lançou uma intervenção militar para derrubá-los, mas fracassou, aprofundando uma das piores crises humanitárias do mundo enquanto os Houthis permaneceram no poder no norte do Iêmen. Ali, eles criaram um empobrecido proto-Estado que governam com mão de ferro.

— Eles calcularam que não há muitos alvos valiosos que os EUA ou o Reino Unido possam atacar, já que o país já está em ruína — disse Abdullah Baabood, um acadêmico de Omã e pesquisador não residente no Carnegie Middle East Center. — Portanto, não hesitarão em continuar testando a situação e escalando o conflito.

Os Houthis há muito tempo construíram sua legitimidade na hostilidade em relação aos EUA e a Israel, assim como pelo apoio à causa Palestina. Parte do slogan do grupo é: "Morte aos EUA, morte a Israel, uma maldição sobre os judeus".

— Os Houthis se sentem muito confortáveis em operar em um ambiente de guerra — disse Porter. — Eles são mais bem-sucedidos como um grupo militar do que como governo.

Após os ataques, o chamado "eixo da resistência" — movimentos armados e regimes do Oriente Médio que se opõem à influência do Ocidente na região e ao Estado de Israel — prometeu retaliação, alertando que o incidente teria consequências.

O grupo fundamentalista islâmico Hamas e o movimento xiita libanês Hezbollah, que são apoiados pelo Irã, assim como os Houthis, condenaram os bombardeios. O Hamas, que em 7 de outubro realizou o pior ataque em solo israelense desde a formação do Estado, em 1948 — foram 1,2 mil mortos e 240 pessoas feitas reféns —, chamaram os ataques de "ato de terrorismo", uma violação da soberania do Iêmen e uma "ameaça à segurança regional". Já Nasser Kanani, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Irã, classificou a ofensiva de "uma violação das leis internacionais", dizendo que "não terá outro resultado que não estimular a insegurança e instabilidade na região".

Após as reações, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, afirmou que não procuram um conflito com o Irã.

— Não procuramos um conflito com o Irã — declarou à rede MSNBC. — Não buscamos uma escalada e não há razão para que se intensifique para além do que ocorreu nos últimos dias.

Forte escalada
Os bombardeios liderados pelos EUA foram, porém, uma forte escalada contra ataques de drones e mísseis realizados pelos Houthis na cruciais vias de navegação comercial do Mar Vermelho, que a milícia diz serem em apoio aos palestinos e ao grupo fundamentalista islâmico Hamas em meio aos bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza, há quase cem dias.

Os Houthis dizem ter como objetivo embarcações israelenses, mas alguns de seus alvos não tinham conexão clara com Israel. Desde que começaram, em novembro, as agressões forçaram as maiores companhias de navegação do mundo a afastar embarcações da região, criando atrasados e custos extras que vêm sendo sentidos pela alta de preços do petróleo e de outros produtos importados.

Os bombardeios ocidentais atingiram radares, locais de lançamento de mísseis e drones e áreas de estocagem de armas, de acordo com autoridades americanas que falaram sob condição de anonimato. Segundo essas fontes, o objetivo era prejudicar a capacidade dos Houthis de atingir alvos no Mar Vermelho, em vez de matar seus líderes ou treinadores do Irã, algo que poderia ser visto como mais escalatório.

Na quinta-feira, o presidente Joe Biden afirmou que os bombardeios são uma "clara mensagem de que os EUA e nossos parceiros não tolerarão ataques contra nosso pessoal ou permitir que atores hostis ponham em risco a navegação em uma das rotas comerciais mais críticas do mundo". Além do Reino Unido, a campanha aérea teve apoio logístico e de inteligência da Holanda, Austrália, Canadá e Bahrein, de acordo com autoridades americanas.

No Bahrein, aliado dos EUA, pessoas saíram às ruas nesta sexta-feira para protestar contra o envolvimento do país na coalização militar, de acordo com ativistas do país que compartilharam fotos dos atos.

Outro aliado dos EUA, Omã, que normalmente faz a mediação entre os Houthis e contrapartes internacionais, expressou preocupação, um reflexo do medo de que a ação liderada por Washington, em vez de deter os Houthis, ao contrário acabe por inflamar um conflito regional.

“É impossível não denunciar que um país aliado recorreu à ação militar enquanto, ao mesmo tempo, Israel continua excedendo todos os limites em seu bombardeio, guerra brutal e cerco a Gaza, sem sofrer consequências", disse o Ministério de Relações Exteriores de Omã em um comunicado.

A Rússia solicitou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para esta sexta-feira para discutir os ataques no Iêmen, de acordo com um diplomata da França, país que está na presidência rotativa do órgão neste mês. Segundo diplomatas, ela ocorrerá na tarde desta sexta-feira a portas fechadas.

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