Bombas de fragmentação que EUA enviarão à Ucrânia foram usadas no Iraque e mataram até 8 mil civis
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), um quarto das vítimas são crianças: mais de 2 mil já morreram nas últimas três décadas
Ao anunciar o envio de bombas de fragmentação à Ucrânia, na semana passada, os Estados Unidos indicaram que a decisão foi tomada após garantias do Pentágono de que as armas, banidas em mais de 100 países, foram aprimoradas para minimizar os altos riscos que representam aos civis, com uma falha de menos de 2,5% de detonação no impacto.
No entanto, declarações do próprio Ministério da Defesa indicam que essas bombas podem conter explosivos do mesmo tipo usado pelos americanos durante a Guerra do Golfo, no início da década de 1990, cuja alta taxa de insucesso — de 14% ou mais — já se refletiu, desde então, na morte de até 8 mil pessoas no Iraque em decorrência da explosão tardia dos artefatos.
Bombas de fragmentação são amplamente proibidas por atingir civis, especialmente crianças. Essas armas espalham granadas pequenas projetadas para destruir veículos blindados e soldados em campo aberto, mas que também frequentemente falham em explodir imediatamente. Anos ou décadas depois, podem matar adultos e crianças que as encontram por acaso.
Autoridades de Defesa disseram que os cartuchos que enviarão à Ucrânia são uma versão aprimorada de um tipo usado na Operação Tempestade no Deserto de 1991, na Guerra do Golfo. Mas a realidade é um pouco mais complicada. Os cartuchos para Kiev podem voar uma distância maior do que as versões anteriores, mas contêm as mesmas granadas, que têm taxas de insucesso que o Pentágono caracterizou como inaceitavelmente altas.
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A justificativa do governo americano para tomar essa "decisão muito difícil", como afirmou o presidente Joe Biden, é reverter a escassez de munições na contraofensiva ucraniana, em um movimento que, alegam os EUA, não deve ser permanente. Porém, ainda que o envio desse tipo de armamento seja por tempo limitado, até que se reponha o estoque de munições convencionais, os riscos ainda são reconhecidamente altos.
No conflito no Golfo — quando o objetivo era expulsar o Iraque do Kuwait —, estima-se que os EUA e aliados lançaram em torno de 61 mil bombas de fragmentação, contendo mais de 20 milhões de munições menores, segundo um levantamento da Coalizão de Munições de Fragmentação (CMC, na sigla em inglês), uma campanha global da sociedade civil que trabalha pela erradicação desse tipo de armamento.
O resultado desses lançamentos se reflete até hoje, segundo relatório do Monitor de Bombas de Fragmentação, com uma estimativa de 5,5 mil a 8 mil mortes causadas pela detonação tardia dos artefatos desde 1991.
Um quarto das vítimas são crianças. Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), mais de 2 mil já morreram nas últimas três décadas. Somente em 2021, foram registrados 33 novos casos de vítimas fatais de munições detonadas tardiamente no Iraque, 65% delas sendo menores de idade (17 meninos e duas meninas).
Além disso, a área em que se localizam os restos desses artefatos explosivos é extensa, chegando a mais de 178km², e abrange as regiões norte, centro e sul do Iraque. Além de representar um risco à vida humana, os restos de munições de fragmentação também têm impacto na produtividade das terras, criando obstáculos ao desenvolvimento econômico.
— Sentimos constantemente que estávamos vivendo em perigo. Sabíamos que havia bombas na área — relatou ao CMC Shaman Baldo Mansor, chefe da aldeia Avzrekshino, atingida pelos artefatos em ataques dos EUA.
O relatório ressalta, ainda, que esse número continua a aumentar à medida que mais regiões contaminadas são identificadas. Contudo, apesar das dificuldades, o país tem trabalhado na descontaminação desses territórios ao longo dos anos. De acordo com o levantamento, no ano de 2021, o Iraque relatou ter limpado mais de 10 km² de terrenos afetados, com um total de 8.202 munições desativadas.
Segundo o Monitor, o Iraque é o terceiro entre os países com o maior número de vítimas de munições de fragmentação em todo o mundo, atrás apenas de Laos e Síria. Até 2021, foram registradas 23.082 mortes por tais artefatos — com civis representando 97% das fatalidades. O número — que pode estar subnotificado, como alerta o Monitor — inclui tanto as mortes resultantes diretamente de ataques com essas armas (4.656), quanto vítimas de restos não detonados (18.426).