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Patentes

Brasil admite mudar de posição e avaliar nova proposta sobre patentes de vacina na OMC

União Europeia, Nova Zelândia, Reino Unido e Suíça também estão dispostos a discutir uma nova proposta

Vacina Coronavac/Butantan, contra a Covid-19Vacina Coronavac/Butantan, contra a Covid-19 - Foto: Nelson Almeida/AFP

Após anúncio dos Estados Unidos de que apoia uma renúncia temporária às patentes de vacinas contra Covid-19, o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, afirmou nesta quinta-feira (6) que o Brasil está disposto a negociar uma nova proposta.

O tom da discussão sobre o tema na Organização Mundial do Comércio mudou, afirmou nesta quinta Keith Rockwell, diretor de Informação e Relações Externas da entidade. "O humor está muito diferente hoje. Há uma mudança de atmosfera."

A renúncia a patentes exige aprovação unânime dos membros da OMC (Organização Mundial do Comércio), e uma proposta para isso foi apresentada em outubro por África do Sul e Índia. Até a última reunião sobre o Acordo Trips (que aborda direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio), contudo, uma dúzia de países desenvolvidos se opunha à medida.

Após a mudança de posição dos EUA, outros membros antes contrários, como União Europeia, Nova Zelândia, Reino Unido e Suíça se disseram nesta quinta dispostos a discutir uma nova proposta. O novo clima de boa vontade não garante que se chegue a um acordo, mas, segundo Rockwell, "sem esse tipo de atmosfera qualquer resultado fica impossível".

A ideia é que uma proposta revisada seja discutida numa reunião informal sobre o Acordo Trips no final deste mês. Rockwell afirma ser impossível estimar o tempo necessário para chegar a uma decisão, mas disse que a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, tem defendido que haja soluções concretas antes da próxima reunião ministerial, marcada para novembro deste ano.

Ngozi, que assumiu a entidade em março, propôs que os membros da entidade encontrassem o que chamou de terceira via: uma solução pragmática que garanta acesso amplo aos imunizantes e ao mesmo tempo proteja pesquisas e inovação -países produtores e exportadores argumentam que quebrar patentes inibe investimentos nessas áreas.

"Precisamos responder urgentemente à Covid-19 porque o mundo está assistindo e as pessoas estão morrendo", disse ela em comunicado no qual comemorou o anúncio feito pelos EUA. A pressão por uma dispensa temporária dos Trips cresceu com o agravamento do caos sanitário na Índia, onde as mortes diárias por Covid-19 tem superado as 3.000.

Entre os países em desenvolvimento, o Brasil foi o único a se manifestar em março contra a proposta de suspensão dos Trips. Posteriormente, o governo brasileiro defendeu mapear capacidade ociosa que poderia ser convertida para produção de vacinas, e convencer as farmacêuticas a transferirem tecnologia, de forma voluntária.

No entanto, essa ideia foi vista com ceticismo, porque iniciativa semelhante, por meio de um "pool" de tecnologia criado pela Organização Mundial de Saúde em outubro do ano passado, naufragou -até hoje não houve, por parte das farmacêuticas, compartilhamento de tecnologias úteis para o enfrentamento da pandemia.

O governo brasileiro foi surpreendido pela reversão radical da posição dos EUA em relação à suspensão de patentes de medicamentos durante a pandemia, mas acredita que Washington vai negociar com a Índia e África do Sul uma proposta mais restrita e que vigore por tempo determinado.

Em vez de suspender patentes de várias tecnologias ligadas à Covid-19 e valer enquanto durar a pandemia, o que é considerado imprevisível e subjetivo, o plano proporia o "waiver" apenas para vacinas contra Covid-19 e estabeleceria um prazo máximo.

França vai conversar nesta sexta-feira (7) com a representante de comércio dos EUA (USTR), Katherine Tai, para entender melhor qual é a ideia dos americanos. Mas existe a percepção no Itamaraty de que eles irão propor algo muito menos ambicioso do que o plano apresentado por Índia e África do Sul no ano passado, e, então, vão se sentar com esses países para chegar a um texto. Segundo apurou a reportagem, o governo brasileiro não descarta mudar de posição e apoiar um texto que se aproxime bastante da terceira via.

Na Comissão de Relações Exteriores do Senado, em Brasília, França disse que "o maior gargalo hoje, para o acesso a vacinas, são os limites materiais da capacidade de produção. E o fato é que as vacinas são quase impossíveis de copiar, a curto ou médio prazo, sem o apoio dos laboratórios que as desenvolveram, mesmo com o auxílio da patente", avaliou.
França também afirmou que "os países de menor desenvolvimento relativo já contam com uma moratória aplicável a todo tipo de propriedade intelectual e nem por isso, infelizmente, têm conseguido assegurar suprimentos de imunizantes".

INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

Entidades não governamentais esperam também que o novo clima sobre propriedade intelectual no caso de combate à pandemia leve a Câmara a aprovar o projeto de lei de suspensão de patentes que passou no Senado na semana passada.

Para analistas, as declarações americanas podem ajudar governos a pressionarem pelo licenciamento de produtos e transferência de tecnologia, como os que já foram feitos pela AstraZeneca com seu imunizante desenvolvido em conjunto com a Universidade de Oxford -versões genéricas são produzidas sob licença em fábricas da Coreia do Sul e da Índia.

A transferência de tecnologia é considerada fundamental no caso de produtos como os da Pfizer/BioNTech e Moderna, que usam plataformas novas e sofisticadas para obter os imunizantes.

A UE, um dos maiores produtores, exportadores e consumidores de vacinas do mundo, anunciou nesta quinta que aceita discutir renúncia a patente, mas reafirmou que o principal gargalo para ampliar a vacinação está na capacidade de produção, e não nos direitos de propriedade intelectual.

Além da questão industrial, porém, há um problema de distribuição dos imunizantes: mais de 80% das doses aplicadas no mundo foram dadas em países de renda alta ou média alta, enquanto os países mais pobres receberam menos de 1% das ampolas.

Em entrevista nesta quarta, a porta-voz da Comissão Europeia, Dana Spinant, argumentou que a UE é a principal financiadora de esquemas de distribuição de vacinas para países pobres -como o Consórcio Covax, para o qual doou 1 bilhão de euros (cerca de R$ 6,45 bi). O bloco também exportou 178 milhões de doses desde 29 de janeiro deste ano (a maioria, no entanto, foi para países ricos, como Reino Unido, Canadá e Japão).

Mas não há consenso nem entre membros da União Europeia: França e da Itália disseram apoiar a renúncia temporária às patentes, mas a Alemanha já se mostrou resistente à proposta. Países como Suíça, Coreia do Sul e Japão são tradicionalmente defensores ferrenhos de propriedade intelectual. Ou seja, seria uma negociação que levaria muitos meses, e que tem poucas chances de chegar em um acordo.

Uma interpretação é que os EUA estão usando sua mudança de posicionamento como forma de pressionar as grandes farmacêuticas a transferirem tecnologia -e know how- de vacinas para outros países, para aumentar a produção.

A indústria farmacêutica americana e até os diplomatas americanos na OMC foram pegos de surpresa pelo anúncio americano na quarta-feira (6). Segundo relatos, funcionários do USTR e diplomatas souberam do anúncio pouco tempo antes, e ficaram chocados. A visão deles é que foi uma decisão política do próprio Biden e da representante de comércio.

Na Câmara americana, ao menos cem deputados apoiavam a suspensão de patentes, e a ala mais à esquerda do partido Democrata vinha insistindo na necessidade de reduzir a desigualdade do acesso às vacinas. A opinião pública também virou, com pressões para os EUA ajudarem mais os países em desenvolvimento, principalmente depois da piora da Covid-19 na Índia.

Como EUA e outros países desenvolvidos contrataram estoques de vacinas muito maiores do que necessários para vacinar toda sua população, havia pressão crescente da opinião pública. Enquanto a China e a Rússia vêm usando a diplomacia da vacina para ganhar influência, os EUA estão no caminho inverso.

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