Brasil é o terceiro país que mais consome redes sociais
Uso constante tem impactos econômicos e psicológicos, além de gerar riscos, dizem especialistas
O Brasil é o terceiro país que mais usa redes sociais no mundo, atrás apenas da Índia e da Indonésia. Todo o tempo gasto por brasileiros nas plataformas de interação tem impactos econômicos e solidificou novas possibilidades profissionais no país. Mas o instrumento, que pode ser usado de forma saudável para ampliar a sociabilidade, também leva a prejuízos. Os danos são tanto psicológicos, se a imersão é excessiva, quanto financeiros, se não há cuidados num terreno que golpistas transformaram em um campo minado.
Segundo um levantamento feito pela Comscore, de janeiro de 2020 até o fim do ano passado, o tempo gasto pelos brasileiros nessas plataformas aumentou 31%, chegando a 356 bilhões de minutos. Ou seja, cada usuário passou 46 horas em redes sociais em dezembro. Isso é mais do que o investido em sites multicategoria, entretenimento, presença corporativa, varejo e serviços financeiros on-line.
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"O brasileiro é naturalmente comunicativo e expansivo e tem essa tendência de se mostrar, compartilhar o seu dia a dia. A gente tem toda uma sinergia com a maneira de lidar com as redes sociais. Então é uma questão cultural a ser considerada", explica Roberto Kanter, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), que acrescenta:
"E obviamente isso faz com que as principais redes sociais do mundo olhem para o Brasil de um jeito muito especial. Toda rede social que quer ser lançada coloca o Brasil em segundo lugar para validar mercado", disse.
Professor do Ibmec RJ, Victor Azevedo exemplifica esse tipo de interesse pelo público brasileiro.
"O stories do Instagram foi testado aqui para avaliar o comportamento do público perante a nova ferramenta, numa época em que o Snapchat tomava uma fatia considerável do mercado nacional", relembra o especialista.
O uso intensivo das redes sociais no país não chama a atenção somente dessas empresas. O movimento tem diversos impactos na economia brasileira: companhias investem na publicidade dentro dessas plataformas, principalmente por meio de influenciadores digitais; bares têm surgido ou se adaptado para serem “instagramáveis”, ou seja, com ambientes e cardápios mais atrativos para fotografias; e profissionais comercializam cada dia mais por meio dessas ferramentas de interação.
"Alguns profissionais usam as plataformas como um meio de vendas, outros buscam capital social. Contudo a escalabilidade pode encabeçar como a característica principal que gera impactos econômicos. A escalabilidade permite vender mais com o mesmo tempo que tem, já que os processos e o que está sendo vendido está digital, ou seja, um vídeo estará existindo mesmo que a pessoa esteja dormindo, e isso pode ser convertido em algum tipo de capital", explica Azevedo.
Vida real prejudicada
Como instrumentos sociais, contudo, essas redes têm diversos aspectos positivos.
"O ser humano é um ser biopsicossocial. Então, ele precisa da vida coletiva e do relacionamento interpessoal. A rede social, neste sentido, permite interagir com outras pessoas com muito mais facilidade. Algumas pessoas com traço de timidez, por exemplo, se sentem mais à vontade por trás de uma tela. Idosos, aposentados e pessoas que já não têm um círculo social tão ativo por vezes se sentem mais confortáveis acessar algumas pessoas desta forma. O problema não é usar o mundo virtual, mas quando ele é usado para substituir a vida real", explica Eduardo Guedes, cofundador do Instituto Delete, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Segundo a pesquisa do Instituto Delete, não há relação entre o tempo de utilização e a dependência das redes sociais. Mas o uso deve ser consciente, sem atrapalhar o real. Os brasileiros têm ido mal neste desafio, no entanto.
Apenas três em cada dez têm uma relação saudável com as redes. E dos sete restantes, três ultrapassam o nível do uso abusivo e desenvolvem dependência patológica. A hiperexposição, em consequência, pode gerar até transtornos primários, como depressão, pânico e fobia social.
"O usuário abusivo fica numa mesa de bar olhando o celular, dirige olhando o celular. O dependente patológico sente excitação e segurança na rede, acompanhando quantas curtidas têm; substitui programas na vida real pela virtual; acorda e se conecta; não consegue tolerar ficar sem conexão e sente irritação, mau humor e ansiedade; tem conflitos na vida real diretos ou indiretos; e vê seu rendimento cair na escola e no trabalho", diz Guedes.
Seu uso é saudável? Descubra
Roberto Kanter, da FGV, destaca que as redes de maior sucesso no Brasil são as baseadas em compartilhamentos de vídeos, fotografias e áudios. A pesquisa feita pela Comscore confirma: o Instagram e o YouTube são as redes às quais os usuários brasileiros dedicam mais tempo.
YouTube, Facebook, Instagram e TikTok são as plataformas mais acessadas, nesta ordem, seguidas do Kwai, Twitter, Pinterest e LinkedIn. E estar em uma rede social não é suficiente para quem quer ficar por dentro de tudo o que acontece no mundo: 51,3% dos usuários que acessam o Instagram, por exemplo, também acessam o TikTok.
Mas como saber se o uso está saudável? O Instituto Delete tem testes disponíveis no seu site. Se identificar que o uso é abusivo, é preciso fazer ajustes em sua rotina diárias.
Algumas dicas de especialistas são: desconectar-se da internet duas horas antes de dormir, para o corpo entender a necessidade de desacelerar; trocar parte do tempo conectado por atividades ao ar livre; marcar intervalos regulares durante o uso das tecnologias; e não acreditar em tudo o que é postado. Mais orientações podem ser obtidas no endereço eletrônico https://bityli.com/TsFdL6.
No caso de dependência patológica, o usuário precisa de ajuda de um especialista. Todas as sextas-feiras, às 10h, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha (Avenida Pasteur 250), o Instituto Delete oferece atendimento gratuito aos cidadãos. São oito sessões de terapia cognitiva e, se necessário, é receitado um medicamento.
Influência é profissão, mas requer análise
A força das redes sociais no mundo permitiu encarar a influência digital em pouco tempo como uma profissão. O Brasil também se destaca no assunto: é campeão mundial em número de influenciadores digitais, na categoria Instagram, de acordo com uma pesquisa feita pela Nielsen, divulgada no ano passado. Esses nomes são pontes para empresas e marcas.
"Clientes, futuros parceiros e opinião pública estão conectados 24 horas por dia. Logo, é preciso investir numa comunicação diferenciada para as mídias sociais", afirma Ediana Avelar, coordenadora de Publicidade da Veiga de Almeida.
Ediana acrescenta:
"As grandes empresas sempre investiram em garotos-propaganda e embaixadores para representar as suas marcas. Logo, à medida que os influenciadores se tornaram amplamente relevantes aos públicos, foi natural incluí-los nas estratégias de marketing e comunicação", disse.
Do total de conteúdos publicados em 2022 nas redes sociais, segundo o levantamento da Comscore, 9% foram feitos por influenciadores, representando 59% do engajamento. Ou seja, o que repercute vem de poucos internautas.
O professor Agostinho Varandas, da Mackenzie, recomenda que os consumidores sempre analisem as dicas que são dadas na internet.
"É preciso ter um olhar crítico e atento, pois essas opiniões podem ser tendenciosas aos patrocinadores deles. Não necessariamente os influenciadores vão dar as melhores dicas", afirma Varandas.