Brasil fica de fora de carta em que 50 embaixadores pedem respeito aos LGBT na Polônia
Os embaixadores pedem o "fim da discriminação, em particular a baseada em orientação sexual e identidade de gênero", em áreas como educação, saúde, questões sociais, cidadania, serviço público e obtenção de documentos
O Brasil não se uniu a embaixadores de 44 países e representantes de 6 organizações internacionais que enviaram nesta semana carta aberta ao governo da Polônia pedindo respeito aos direitos dos LGBT no país. Entre os signatários estão embaixadores de países cujo governo atual é conservador, como a Índia e os Estados Unidos.
A embaixadora americana, Georgette Mosbacher, divulgou a iniciativa em rede social, sob a frase "os direitos humanos não são uma ideologia -eles são universais". Da América do Sul, Argentina e Venezuela assinaram. O ministério de Relações Exteriores da Bélgica, país que coordenou a carta, afirmou que apenas a Embaixada do Brasil poderia responder por que não se juntou à iniciativa.
Questionado na manhã de segunda (28), o Ministério das Relações Exteriores do Brasil confirmou na terça por telefone que havia recebido as perguntas e afirmou "estar analisando" a questão. Não houve resposta até as 9h30 desta quarta (30).
Embora os termos da carta estejam de acordo com princípios gerais da diplomacia brasileira em relação aos direitos humanos, o país adotou um discurso conservador desde a eleição de Jair Bolsonaro.
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Na atual gestão, diplomatas receberam instruções oficiais do comando do Itamaraty para reiterar "o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino" durante negociações em foros multilaterais, revelou a Folha de S.Paulo no ano passado. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, faz parte dos chamados "ministros ideológicos" do governo, nos quais se inclui também o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, que relacionou a homossexualidade a "famílias desajustadas".
A carta assinada por 50 diplomatas alerta para "os problemas que afetam a comunidade gay, lésbica, bissexual, transgênero e intersex (LGBTI) e outras minorias na Polônia que enfrentam desafios semelhantes". Os embaixadores pedem o "fim da discriminação, em particular a baseada em orientação sexual e identidade de gênero", em áreas como educação, saúde, questões sociais, cidadania, serviço público e obtenção de documentos.
Segundo o texto, é preciso "defender as comunidades que precisam de proteção contra ataques verbais e físicos e discurso de ódio". O governo belga afirmou que o objetivo não é "apontar o dedo a culpados", mas "reafirmar princípios universais de direitos humanos".
A União Europeia tem recebido reclamações crescentes contra a coalizão de direita que governa a Polônia, liderada pelo partido conservador Lei e Justiça (PiS). Os principais avanços contra os direitos LGBT têm vindo do ministro da Justiça, Zbigniew Ziobro, do ultraconservador Polônia Solidária. Ele defende que a Polônia deixe a Convenção de Istambul (sobre o combate à violência contra as mulheres, disseram fontes do governo) e quer proibição expressa ao casamento gay.
Ziobro também pressionou para que cidades que se declaram "livres de LGBT" recebessem uma compensação financeira por terem perdido fundos a União Europeia.
Desde maio do ano passado, cerca de 100 municípios poloneses, de um total de 900, assinaram declarações semelhantes, de hostilidade aos não heterossexuais. Antes de ser reeleito, em julho deste ano, o presidente polonês, Andrzej Duda, enviou à Assembleia um projeto de emenda à Constituição que proíbe a adoção de filhos por casais do mesmo sexo, mesmo que a criança seja filha biológica de um dos parceiros.
Na última semana, uma petição assinada por 340 mil pessoas foi entregue à comissária responsável por igualdade, Helena Dalli, alertando para o desrespeito aos direitos dos LGBT no país centro-europeu. Na semana anterior, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo à Comissão (Poder Executivo da União Europeia) que condicione o repasse de fundos à Polônia ao fim das discriminações. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, também condenou em discursos as "zonas livres de LGBT", chamando-as de "zonas livres de humanidade".
Em agosto, quando uma ativista LGBT foi presa, o Parlamento Europeu pediu sanções contra a Polônia "pelas violações generalizadas e persistentes do Estado de direito, dos direitos fundamentais e dos valores da UE". Em rede social, o ministro-adjunto de Relações Exteriores polonês, Pawel Jablonski, afirmou que as "zonas livres de LGBT" não existem no país e acrescentou a tag "#fakenews". "Ao mesmo tempo, gostaríamos de lembrar que, de acordo com a Constituição da República da Polônia, o casamento é a união de uma mulher e um homem", acrescentou o vice-ministro.
Segundo ele, essa declaração não é discriminação, mas "uma expressão de respeito pelos valores que os poloneses professam". Jablonski, porém, declarou apoio à carta dos embaixadores, dizendo que "a lei polonesa protege todas as pessoas em igual grau". "Ninguém deve ser discriminado por motivos políticos, sociais ou econômicos -ou por qualquer outro motivo."