Brasil investe em pólvora um quarto do que gasta com inativos e pensões militares
O Ministério da Defesa reconhece que há um desequilíbrio
Incomum no mundo da diplomacia, o discurso em tom bélico do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra sanções ao Brasil diante da devastação da Amazônia está, na avaliação de especialistas, desconectado do arranjo atual das Forças Armadas do país.
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Embora tenha ganhado mais espaço no Orçamento público, o Ministério da Defesa investe apenas cerca de 25% do que se gasta com militares inativos e pensionistas. O gasto com militares ativos também é menor do que o custo de reservistas e e de quem recebe pensão –como as vitalícias pagas a filhas de militares.
"Assistimos há pouco a um grande candidato à chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto [Araújo, chanceler]? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona", afirmou o presidente.
Bolsonaro não citou o nome de Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos.
Durante o primeiro debate presidencial com Donald Trump, então candidato à reeleição, o democrata disse que "a floresta tropical no Brasil está sendo destruída", o que foi contestado pelo brasileiro. Biden afirmou ainda que poderia impor sanções ao Brasil, que vem sendo pressionado a adotar medidas contra a devastação ambiental.
Segundo dados levantados pela IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão ligado ao Senado, foram investidos R$ 12,8 bilhões em defesa no ano passado, de um orçamento total de R$ 116 bilhões da pasta.
O dinheiro foi gasto com aquisição, por exemplo, de helicópteros, investimentos na estatal Emgepron (Empresa Gerencial de Projetos Navais), no projeto de compra de caças e no sistema de monitoramento de fronteiras.
Mas o maior peso na verba da defesa brasileira é nos gastos com pessoal. Foram quase R$ 50 bilhões no pagamento de militares inativos e pensionistas. Outros R$ 28,6 bilhões bancaram salários dos integrantes das Forças Armadas que estão em atividade.
"Os militares entram na inatividade mais cedo que civis e alguns ainda deixam pensões vitalícias. É uma estrutura que pesa muito", disse o economista e consultor do Senado Pedro Nery.
O Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri) divulga anualmente um relatório sobre os gastos militares no mundo. O Brasil ocupa a 77ª colocação, ao desembolsar 1,48% do PIB (Produto Interno Bruto) em defesa no ano passado.
O Ministério da Defesa reconhece que há um desequilíbrio. "O Brasil é o 5º maior país do mundo em território, possui a 5ª maior população e o 8º Produto Interno Bruto (PIB). [...] Verifica-se, portanto, que, proporcionalmente, os gastos de Defesa do Brasil estão bem abaixo de suas dimensões física, econômica e populacional", afirmou a pasta em setembro, ao citar o relatório do Sipri.
Procurado, o ministério não se manifestou nesta quarta-feira (11). Na comparação internacional, o poder bélico do Brasil fica atrás de potências mundiais, e muito distante dos Estados Unidos, alvo da insinuação de Bolsonaro ao falar em "pólvora" no discurso desta terça-feira (10).
Um balanço do IISS, instituto especializado na área militar, apontou que, enquanto o Brasil gasta US$ 27,5 bilhões em defesa, os Estados Unidos alcançam a marca de US$ 684,6 bilhões –cerca de 24 vezes mais.
Mesmo em relação a países bem menores, como a França, o Brasil fica atrás em relação, por exemplo, a submarinos, navios, satélites espaciais para monitoramento do território, etc.
"O Brasil está muito mal posicionado. Nosso orçamento está completamente desequilibrado. Deveríamos ter uma redução significante no número de tropas e, a partir disso, um aumento na compra de novas tecnologias", disse Juliano Cortinhas, professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília).
Cortinhas não vê como provável um conflito armado entre Estados Unidos e Brasil. Para ele, a fala do presidente foi um discurso para sua base de apoio político, mas que tem repercussão negativa na imagem e inserção internacional do Brasil, inclusive podendo afastar investidores estrangeiros num momento de crise econômica.
Na noite desta terça, horas após a declaração de Bolsonaro, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, publicou uma mensagem em suas redes sociais parabenizando os fuzileiros navais, um ramo das Forças Armadas americanas, por seus 245 anos de história e seu trabalho de proteção das representações diplomáticas americanas.
"O Destacamento de Fuzileiros Navais na Embaixada e nos Consulados dos EUA compartilha uma longa história e uma relação importante e duradoura com a diplomacia que nos permite construir com segurança uma relação bilateral mais forte com o Brasil", afirmou o diplomata.