Brasil se une a Egito, Indonésia, Uganda, Hungria e EUA em declaração contra o aborto
A declaração assinada nesta quinta (22) diz que 'todo ser humano tem o direito inerente à vida'
O governo brasileiro se aliou à administração Donald Trump e a alguns dos governos mais conservadores do mundo -Egito, Hungria, Indonésia e Uganda- para copatrocinar uma declaração política contra o aborto e em defesa da família baseada em casais heterossexuais.
O texto ressalta que "as mulheres desempenham um papel fundamental na família" e que "uma parceria harmoniosa entre homem e mulher é fundamental para o seu bem-estar e o de suas famílias". Batizada de Declaração de Consenso de Genebra, ela foi apresentada na tarde desta quinta pelo secretário de Saúde dos EUA, Alex Azar, e pelo secretário de Estado, Mike Pompeo. O Brasil foi representado pelos ministros Ernesto Araújo (Relações Internacionais) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
Em vídeo pré-gravado, tanto Ernesto quanto Damares conderaram o direito ao aborto e defenderam a família como "núcleo natural e fundamental da sociedade". O acordo não possui força de tratado nem é vinculante, ou seja, países não ficam obrigados a seguir as orientações. Defensores de direitos humanos e das mulheres críticos aos termos, porém, dizem que ele é mais um passo para tentar quebrar consensos internacionais já existentes sobre o tema.
Leia também
• Eliana conta ter pedido para que marido a deixasse após sofrer aborto espontâneo
• Indicada de Trump à Suprema Corte se recusa a responder sobre aborto e casamento gay
• STF revoga prisão de enfermeira acusada de realizar abortos em Minas
É também mais um indicativo claro da política externa brasileira em assuntos de gênero, que já havia sido demonstrado em março de 2019, quando o Brasil se opôs a menções ao direito ao acesso universal a serviços de saúde reprodutiva e sexual em um documento elaborado por uma conferência da ONU, e em julho deste ano, quando o país se absteve na votação de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas.
Na última terça (20), o Brasil também apoiou texto que autoriza pais a impor educação religiosa ou moral a seus filhos, apresentado na Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos). A declaração assinada nesta quinta (22) reafirma a "dignidade e o valor inerentes à pessoa humana", diz que "todo ser humano tem o direito inerente à vida" e se compromete a "permitir que as mulheres passem com segurança a gravidez e o parto".
Também enfatiza que "em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar" e que "quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional".
Para ativistas brasileiros, os termos da declaração se incluem na estratégia do governo de Jair Bolsonaro de atacar, também por meio da política externa, o aborto seguro, que no Brasil é previsto em casos de estupro, risco de vida ou anencefalia.
Em agosto, instituições públicas e movimentos antiaborto tentaram impedir a interrupção da gravidez de uma menina de dez anos vítima de estupro. Após o episódio, portaria do Ministério da Saúde passou a exigir que profissionais de saúde notifiquem casos à polícia como condicionante de acesso ao aborto legal.
A declaração também se manifesta pela proteção da saúde das mulheres, pela "igualdade de direitos, oportunidades e acesso a recursos". "Mulheres e meninas devem ter acesso igual a educação de qualidade, recursos econômicos e participação política, bem como oportunidades iguais às de homens e meninos para emprego, liderança e tomada de decisão em todos os níveis."
Os países que assinaram o texto se comprometem a permitir às mulheres acesso a "saúde sexual e reprodutiva, sem incluir o aborto" e reafirmam "que não há direito internacional ao aborto nem qualquer obrigação internacional por parte dos Estados de financiar ou facilitar o aborto".
O objetivo do grupo de países patrocinadores era apresentar a declaração em reunião à margem da Assembleia Mundial da Saúde deste ano, em Genebra, mas o evento foi cancelado devido à pandemia. Os países patrocinadores afirmaram que tentarão conseguir mais adesões ao texto até o próximo encontro.
Entre os 32 países que assinaram a declaração estão várias nações africanas e do Oriente Médio, a ditadura da Belarus e a Polônia, que nesta quinta proibiu o aborto em casos de anomalia fetal.